Como se classifica a destruição do património natural de uma cidade?

Para se tratar das plantas é preciso conhecê-las e gostar delas

Escola de S. Luís, Faro – Abril de 2019 – Foto: Amélia Santos

Como se classifica a destruição do património natural de uma cidade? A pergunta que faço resulta de uma reflexão actual sobre os resultados obtidos há uns anos pelo Plano Verde de Faro, que quantificou todas as áreas de “espaços verdes” da cidade e concluiu que era das mais baixas do país por habitante.

Para as pessoas que aqui vivem e para as que nos visitam, isso não é novidade nenhuma, já que é facilmente verificável.

A maioria das cidades que conhecemos e visitamos têm jardins, ruas, alamedas e praças arborizadas, que são verdadeiros “espaços verdes” públicos, com dimensão, vegetação luxuriante que nos proporciona o contacto com a natureza e a tão desejada sombra e frescura.

Até aos nossos dias, o único Jardim público construído em Faro, à escala da cidade, foi o centenário Jardim da Alameda João de Deus. Pequeno, com cerca de 2,2 hectares, está integrado na malha urbana consolidada, de solo permeável, com uma mancha significativa de vegetação, com diversos equipamentos, e que constituiu um espaço único na prestação de serviços ecológicos, culturais e sociais à cidade.

Nunca foi ampliado, antes pelo contrário, a sua área foi reduzida pela construção da biblioteca e do edifício do Instituto da Juventude.

Era no Jardim que se localizavam os viveiros da Câmara. O Sr. Sabino era o chefe dos jardineiros responsável pelos “espaços verdes” da cidade e pelo Jardim da Alameda.

No seu tempo, de que muitos se lembrarão, existia, no Jardim, uma alameda de palmeiras das Canárias centenárias e plátanos magníficos em redor do lago, bem formados, saudáveis, que desenhavam uma cúpula verde de sombra sobre nós.

Na Alameda, nunca se ouvia o barulho das motoserras. As árvores só se podavam quando os ramos estavam doentes ou em último recurso.

Nunca houve “razões de segurança” que justificassem podas radicais, destrutivas e debilitantes. Nunca se fizeram podas totais ou “de rolagem” que da árvore só sobrasse o tronco, como se fazem de há uns tempos para cá na Alameda, por toda a cidade e por todo o concelho.

Para se tratar das plantas é preciso conhecê-las e gostar delas. É preciso conhecimento para tomar decisões. Não se pode cortar ao meio uma árvore de grande porte e idade, por acaso ou por tirar a vista de mar aos moradores, como se fez com as casuarinas e as grevileas da Avenida da República.

Não se pode “armar” alguém de motosserra e, leviana e impunemente, destruir em minutos o que levou décadas a crescer, sem qualquer justificação ou fundamentação técnica, mutilando irremediavelmente a árvore, num acto que só a ignorância confunde com “rejuvenecimento”.

Não se pode continuar a senda de destruição do património natural dos lugares, sobrepondo o bem público às conveniências privadas ou à incompetência do momento, ficando a Alameda, a cidade, Estoi, Montenegro, Sta. Bárbara (e outros lugares, noutros concelhos) sem árvores, mas com caricaturas deformadas…troncos de pé, que já não são árvores, porque dificilmente recuperarão a sua forma natural e dificilmente voltarão a cumprir os serviços ecológicos de que precisamos e que conhecemos.

Não é uma questão estética ou filosófica…é uma questão técnica, científica e de coerência. Se enchemos a boca com conceitos tão em voga como sustentabilidade, economia circular, “Smart Cities”, adaptação às alterações climáticas, devemos voltar ao básico…”back to basic”, e assegurar que, neste tempo de aquecimento global, os serviços imprescindíveis prestados pela vegetação ao ambiente urbano das cidades e vilas desta região sejam garantidos e, para isso, não podem continuar a destruí-la.

A generalização e banalização destas práticas estão a contribuir para a destruição da, já vulnerável, estrutura verde da cidade, sabendo nós que o sistema de vegetação constitui o principal património natural da cidade e representa o principal prestador de serviços ecossistémicos.

 

Fotogaleria: Amélia Santos

 

Autora: Amélia Santos, Arquitecta Paisagista (PhD), co-autora do Plano Verde de Faro
(escreve com a anterior ortografia)

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