«O regresso a casa deste filho da terra valeu bem a pena»

Fábrica começa a laborar em pleno a partir de Abril, quando começar a época da pesca da cavala e do carapau

«O regresso a casa deste filho da terra valeu bem a pena», disse a presidente da Câmara de Lagos na inauguração, esta sexta-feira, ao final da tarde, da fábrica Congelagos, que se dedica ao processamento e congelação de peixe e moluscos e é apresentada como a maior unidade do género na Península Ibérica. A ocasião até contou com a ministra do Mar e com o secretário de Estado das Pescas.

O filho da terra que regressa é o empresário Nuno Battaglia, que viveu a sua infância e adolescência em Lagos, passando, como confessou, «mais tempo dentro de água que nas salas de aula». Depois, Nuno Battaglia construiu a sua carreira nos Estados Unidos da América, onde viveu 27 anos.

Cumprido o sonho americano, regressou a Portugal, para, com os seus sócios Jorge Grave (amigo de infância e de mergulhos) e António Castel-Branco, investir 16 milhões de euros nesta unidade, ««uma das mais avançadas no processo de transformação e congelação de peixe a nível mundial».

Sendo este um investimento «baseado numa sustentabilidade de 360 graus», não vai apenas beneficiar o Grupo Battaglia, mas também «os armadores e os pescadores». «A pesca segura e responsável começa com empresas seguras e responsáveis», garantiu o empresário.

Com capacidade de processar 300 toneladas diárias de peixe e de armazenar 5400 toneladas de congelados, a Congelagos destina-se à comercialização de peixe e moluscos da mais alta qualidade de Portugal, Madeira e Açores, em particular espécies subvalorizadas, como a cavala e o carapau, que até agora atingem preços muito baixos.

Mas se em Portugal ninguém liga muito à cavala e ao carapau – apesar das campanhas da Docapesca -, como é que se valoriza estas espécies? Há mercado para elas?

Nuno Battaglia respondeu: «o mercado é global: estas espécies, nomeadamente a cavala e o carapau, têm alta cotação nos mercados globais, na Europa, em África, na Ásia, na América. Apesar de não serem muito valorizadas em Portugal, são valorizadas noutros sítios e é essa a nossa aposta».

São «mercados gourmet, que valorizam estes produtos e isso também nos vai permitir aumentar o preço pago aos pescadores e armadores».

A Congelagos terá, assim, uma vocação exportadora, destinando cerca de 80% da sua produção a países como Espanha, Reino Unido, Malta, Croácia e Turquia. Em 2019, estima a exportação de 15 mil toneladas de carapau e cavala, oriundos apenas de produção nacional.

 

 

Época de pesca da cavala e carapau marca arranque em pleno

A fábrica da Congelagos, situada em Odiáxere, quase à beira da EN125, já está a laborar há alguns meses, mas ainda a meio gás, dedicando-se até agora apenas a produzir isco para a pesca.

Mas em breve entrará em velocidade de cruzeiro: «estamos à espera do início da época da captura destes pequenos pelágicos, a cavala e o carapau, que começará agora em fins de Abril, princípios de Maio».

A unidade vai processar outras espécies ao longo do ano, já que, sublinhou o empresário, «esperamos funcionar 12 meses por ano».

E de onde virá todo esse peixe? Jorge Grave, um dos sócios da empresa, explicou aos jornalistas que, apesar de já haver acordos com armadores para que o pescado e os moluscos (polvo) possa vir de todo o país, «o maior esforço será concentrado de Sesimbra até ao Algarve». «É mais perto, o peixe chegará com maior qualidade». E qualidade é ponto fulcral em toda a operação.

A construção do edifício, que tem 7500 metros quadrados de área de construção, em dois pisos, e está dotado com a mais moderna e eficiente maquinaria e equipamento, levou cerca de sete meses.

«Porque não há infraestrutura industrial nesta zona, tivemos de fazer um aumento da potência instalada nas linhas de média tensão», contou Nuno Battaglia. Mas «tudo foi feito em tempo record, tivemos um apoio fantástico das entidades que nos regulam e o facto é que conseguimos montar esta fábrica num período muito curto».

No entanto, a inauguração oficial chegou a estar anunciada para Agosto passado, mas depois não aconteceu. Porquê? «Tivemos um atraso na instalação de alguns equipamentos, que não dependeu de nós, e tivemos também um processo de licenciamento longo».

No meio de tudo isto, houve muitas boas surpresas. «Um dos riscos que identificámos, no início deste projeto, foi a falta de mão de obra, especialmente porque estávamos a abrir em Agosto, no pico do Verão».

Mas o que aconteceu «foi uma enorme surpresa: tivemos milhares de candidatos, para as dezenas de posições que tínhamos em aberto». Por isso, acrescentou Nuno Battaglia, «tivemos a possibilidade de selecionar uma equipa fantástica. Já trabalhei em muitos sítios e nunca tive uma equipa tão boa como esta».

E porquê tanta gente a candidatar-se? Foi a própria ministra do Mar que respondeu a esta questão dos jornalistas: «Porque é um excelente emprego, onde são bem tratados. Tem a ver com as qualificações, com as condições de trabalho, com as remunerações e com a estabilidade». É um setor que «pode não ser tão competitivo com as remunerações dos picos das outras atividades, mas que tem uma estabilidade que não existe nos outros», explicou a ministra Ana Paula Vitorino.

Nuno Battaglia, neste seu regresso a Lagos, tem outros investimentos em andamento. Um deles tem precisamente a ver com a sua visão de sustentabilidade, já que passa por uma «aposta muito forte na aquacultura, que é uma área em que achamos que Portugal pode ser um líder e que tem um enorme potencial de crescimento. Já fizemos um primeiro investimento numa empresa de aquacultura na Ria de Alvor», na zona do Vale da Lama, concelho de Lagos. Aí são produzidas douradas e robalos, estando também a ser estudada «a produção de outras espécies».

O Grupo Battaglia tem ainda investimentos, também na região, «na área do turismo e da promoção imobiliária».

 

 

Sustentabilidade é a chave do negócio

Como empresários que são, Nuno Battaglia e os seus sócios Jorge Grave e António Castel-Branco viram nas espécies de pescado pouco valorizadas uma oportunidade de negócio. Mas não é só em cifrões que estão a pensar. A tal «sustentabilidade de 360º» tem tudo a ver com o investimento.

Na sua intervenção, Nuno Battaglia sublinhou várias vezes que cavala e carapau são também espécies sem problemas ambientais: a cavala é tão abundante que nem tem quota de pesca, enquanto a quota do carapau «nunca é atingida».

A ministra do Mar sublinhou precisamente este aspeto da valorização dos recursos endógenos, dizendo que «não é por acaso que, neste empreendimento, estão a apostar em espécies como a cavala, carapau e polvo, espécies em que, do ponto de vista ambiental, não temos problemas».

E porque é que os armadores e pescadores portugueses não pescam mais cavala e carapau? «Devido ao preço», que é baixo, muito mais baixo que o da sardinha, explicou ainda a ministra.

O empresário, aliás, já tinha frisado este «grande desequilíbrio», com a «sardinha vendida oito a dez vezes mais cara que o carapau ou a cavala». Isso, explicou, cria uma «pressão muito grande na captura da sardinha» e gera pouco interesse pelas outras duas espécies.

No entanto, tendo em conta que estas são espécies que competem pelos mesmos recursos e que a cavala até pode ser predadora da sardinha, por mais medidas de gestão do stock que se tome, «o manancial da sardinha provavelmente não vai recuperar sem haver um maior equilíbrio na captura de todas estas espécies», defendeu o empresário.

A ministra Ana Paula Vitorino considerou esta forma de encarar a questão como «clarividência» e «compromisso com o ambiente».

É que, recordou a governante, «nenhum negócio hoje em dia pode sobreviver se não tiver critérios de sustentabilidade. Nada de se pode fazer contra a natureza, contra os recursos naturais».

Mas a sustentabilidade não é apenas ambiental, também é social. E isso passa não só pelo relacionamento da empresa com armadores e pescadores – e a sua aposta de aumentar os preços pagos por espécies subvalorizadas -, mas também pela criação de postos de trabalho de qualidade.

Como sublinhou a ministra Ana Paula Vitorino, «não é só criar postos de trabalho, é criar postos de trabalho de qualidade. São 75 postos de trabalho diretos com elevada qualificação».

Maria Joaquina Matos, presidente da Câmara de Lagos, também frisou este aspeto, recordando que a Congelagos cria «mais postos de trabalho permanentes, de que a região tanto precisa para combater a sazonalidade»

Sendo a responsável pela pasta do Mar, a ministra Ana Paula Vitorino falou ainda do crescimento da chamada economia azul, cujo peso no todo da economia portuguesa subiu de 2,5% para os atuais 4%.

E congratulou-se pelo facto de o investimento da Congelagos ter sido feito no Algarve e não noutras zonas que normalmente atraem os grandes projetos.

«Temos de ter alternativas para as pessoas, em termos de emprego. O turismo é extremamente importante, mas nenhuma região pode ficar refém apenas de uma atividade económica». Por isso, foi acarinhado este investimento na indústria ligada à economia do mar.

Para mais, sublinhou a ministra, porque se trata de um projeto onde «o investimento privado é muito superior ao investimento público». Dos 16 milhões de investimento, 6,5 milhões são comparticipados pelo programa operacional Mar2020. Até a esse nível a Congelagos é um exemplo.

Muitas razões para que a presidente da Câmara afirmasse, na sua intervenção, que este foi «um momento muito bom para Lagos». «Não é todos os dias que se testemunha a inauguração de uma fábrica com esta dimensão, em termos de investimento, de inovação, de capacidade produtiva e de empreendedorismo». Depois de recordar a história económica do concelho, Maria Joaquina Matos defendeu que esta unidade significa a «retoma de uma indústria ligada ao mar, algo que está no ADN de Lagos».

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

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