«Faz falta o trabalho dos homens» nas políticas e práticas para a igualdade de género

A «falta de participação dos homens no desenho das políticas públicas» reflete-se na falta de consistência dos resultados dessas políticas

«Faz falta o trabalho dos homens» na definição das políticas e das práticas para a igualdade de género, defendeu Maria do Céu Cunha Rego, a primeira galardoada com o Prémio Maria Barroso, cuja cerimónia de entrega decorreu ontem, em Lagoa.

Maria do Céu Cunha Rego, que tem um «relevante contributo no desempenho da sua atividade profissional e cívica no domínio da igualdade de género», como foi salientado pelo júri do prémio, terminou a sua intervenção lançando «um desafio aos rapazes e aos homens» de Lagoa, «para que reflitam sobre as razões e apresentem ideias sobre o modo como poderiam concretizar ou reforçar a sua intervenção, direta ou indiretamente, na melhoria constante dos indicadores de paridade no seu concelho».

Mais tarde, em declarações aos jornalistas, a galardoada concretizou melhor a sua ideia, para cuja implementação disse poder dar o seu «contributo», «se Lagoa assim o entender».

É que, salientou, «há muito mais trabalho de mulheres, pela igualdade, do que há trabalho de homens. Faz falta o trabalho dos homens, porque a igualdade é entre homens e mulheres».

«Não são só as mulheres a sentir que têm falta de possibilidades na vida pública, também os homens têm que reconhecer a vantagem e os benefícios de um investimento maior da sua parte na vida privada. Por isso, porque é bom que haja paridade e equilíbrio na sociedade, é bom que a voz dos homens se faça ouvir também na proposta de políticas públicas, no avançar de ideias sobre o que se pode fazer, em especial em temas dolorosos, como é o caso da violência doméstica. Os homens têm também uma palavra a dizer, enquanto homens, sobre como é que se poderá ajudar a construir políticas que ajudem a combater este flagelo».

 

Maria do Céu Cunha Rego

Mesmo em relação à paternidade, «eles próprios podem desenvolver práticas», nomeadamente através do «seu quotidiano e do exemplo aos seus filhos e às suas filhas de como é que um homem, apesar de vir cansado do trabalho, como as mulheres, partilha aquilo que há para fazer em casa». «A família é a fábrica do futuro, é onde se cria as crianças. Os filhos e as filhas precisam das mães e dos pais, porque às tantas já estão fartas das mães».

Daí que Maria do Céu Cunha Rego defenda que é preciso que os homens deem as suas ideias «sobre como é que eles poderão contribuir para a igualdade. Que ideias é que há em Lagoa, no Algarve e no país?».

Invocando a sua longa experiência como lutadora pela igualdade de género e pela cidadania, Maria do Céu Cunha Rego admitiu, nas suas declarações aos jornalistas, que «estava à espera que, tanto tempo depois de andarmos neste trabalho, houvesse um resultado mais consistente».

E grande parte desse «resultado menos consistente» tem a ver, na sua ótica, precisamente «com a falta de participação dos homens no desenho das políticas públicas e na sua própria atitude face à igualdade».

«Se olharmos para os indicadores, no último inquérito sobre a ocupação do tempo em Portugal, de 2015, todos os dias as mulheres trabalham mais do que os homens, no conjunto do país, 1 hora e 13 minutos. É trabalho oferecido, por amor, mas que não é usado nem para o lazer, nem para a formação, nem para as horas extraordinárias. E isto faz com que haja uma injustiça relativa com o que se passa com a vida de uns e outros», frisou.

Além disso, «os homens também têm direito à família mais proximamente e a acompanhar os filhos. Os jovens, muitas vezes, ainda não reconhecem esta realidade, mas isto resulta da “escola de filhos”: também viram fazer assim».

Por isso, reforçou a galardoada, «se houvesse mais homens a desenhar as políticas, a dar ideias, mais sociedade civil com participação ativa dos homens,», talvez a situação fosse bem diferente.

 

Na cerimónia de entrega do galardão, o presidente da Câmara de Lagoa começou por sublinhar que «a igualdade é ainda uma batalha. Era bom que já não fosse». O Prémio Maria Barroso, criado pelo Município lagoense, com o valor de 30 mil euros, pretende distinguir, de dois em dois anos, pessoas que se tenham destacado nesse trabalho pela «Igualdade, Género e Cidadania».

Sobre o Prémio Maria Barroso, que evoca «uma mulher que não se limitou a estar ao lado de um grande homem, foi ela própria, e por mérito próprio, uma grande mulher», o edil Francisco Martins salientou a prática da sua própria autarquia: «não vale a pena criarmos prémios, termos mais uma bandeira, mais um selo para pôr na porta. Temos é que interiorizar que isto é estruturante na política que levamos a cabo no Município».

«Queremos uma sociedade em que todos tenham o seu lugar», reforçou, recordando que, embora por acaso, «nos cargos de dirigentes da Câmara de Lagoa a paridade é respeitada, mas por uma questão de meritocracia. Chegamos a um patamar em que homens e mulheres estão no seu lugar por mérito».

Em relação à Igualdade de Género, Francisco Martins sublinhou que, em Lagoa, onde até existe uma Conselheira para a Igualdade, o tema é transversal a todos os departamentos: «isto não é um assunto da Ação Social, como se as mulheres fossem carenciadas, só por serem mulheres».

O presidente da Câmara fez ainda questão de salientar o papel do Grupo Vila Vita neste Prémio Maria Barroso, cujo montante (30 mil euros bienais) é por ele financiado. Mas não foi esse o aspeto sublinhado pelo autarca, antes o facto de Vila Vita ser «um exemplo de uma empresa que trata todos [os seus funcionários] com igualdade e acima do que é obrigada».

 

Um retrato de Maria Barroso, pintado por Patico, oferecido à primeira galardoada com o prémio

Rosa Monteiro, secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, presente na cerimónia, começou por salientar a homenagem a uma pessoa como Maria do Céu Cunha Rego, pelo seu «contributo para os avanços que temos tido em Portugal».

E cumprimentou também o presidente da Câmara de Lagoa, quer pela instituição do prémio, quer, sobretudo, «pelas políticas que promove», pelo «trabalho empenhado, sério e efetivo», garantindo a «transversalidade destas matérias da Igualdade». «As políticas da Igualdade não podem continuar acantonadas nas áreas sociais, porque estão presentes em todos os aspetos da vida», acrescentou Rosa Monteiro.

Quanto à homenageada, a secretária de Estado considerou a «distinção justíssima» e destacou o seu «contributo para o manancial de políticas de igualdade no nosso país», que nasceram e cresceram com a democracia em Portugal.

No entanto, avisou, «neste momento há perigo e ameaça de retrocesso nestas questões».

João Soares, em representação da família, disse que estão «todos muito felizes por ter sido a Maria do Céu Cunha Rego a justíssima primeira premiada» com o galardão que leva o nome da sua mãe.

 

A soprano Carla Ponte com Gonçalo Pescada

Maria do Céu Cunha Rego foi a distinguida nesta primeira edição do Prémio Maria Barroso, pelo «seu relevante contributo no desempenho da sua atividade profissional e cívica no domínio da igualdade de género».

Do vasto percurso da galardoada, o júri deste Prémio destacou «a forte influência na introdução na agenda nacional e europeia das matérias associadas à conciliação trabalho/família e vida privada».

Maria do Céu Cunha Rego nasceu em Elvas, em 1950, e formou-se em direito em 1973. Foi secretária de estado para a igualdade no Governo de António Guterres. Foi presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, vice presidente da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, membro do conselho de administração do Instituto Europeu para a Igualdade de Género. Mantém atualmente uma participação ativa ao nível da academia e da vida pública em geral.

A abrir e a fechar a cerimónia, que teve lugar nos claustros do Convento de S. José, a soprano Carla Pontes, acompanhada primeiro pela harpa de Helena Madeira e depois pelo acordeão de Gonçalo Pescada, interpretou canções do reportório de José Afonso e outras da tradição popular de Portugal e não só. No fim, houve um apontamento teatral pelo ator João Pedro Correia. «A mulher é…».

 

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

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