Culatra aponta caminho para transição energética na Europa

Culatra é uma das seis ilhas piloto de um projeto europeu de transição para energias limpas

Ilha da Culatra – Foto: Pablo Sabater | Sul Informação

A Culatra vai receber o apoio da União Europeia (UE) para se tornar uma ilha alimentada a energias limpas. O projeto “Culatra 2030 – Comunidade Energética Sustentável”, dinamizado em parceria pela Universidade do Algarve e a Associação de Moradores da Ilha da Culatra (AMIC), foi selecionado pelo Secretariado Europeu para as Energias Limpas nas Ilhas (Clean Energy for EU Islands) para ser um dos seis projetos piloto para a transição energética, a nível europeu.

Na prática, isto significa que o projeto algarvio vai ter apoio técnico desta estrutura da UE na criação de uma agenda para tornar a Culatra uma comunidade autosuficiente a nível energético e recorrendo, exclusivamente, a fontes limpas e renováveis.

O “Culatra 2030 – Comunidade Energética Sustentável”, como o Sul Informação já tinha avançado, é um projeto que pretende dotar o núcleo piscatório da Culatra, em Faro, de uma rede energética totalmente assegurada por fontes renováveis e limpas, gerida de forma integrada e inteligente, associada a um compromisso com a preservação dos valores ambientais e com a sustentabilidade.

Esta segunda-feira, 26 ilhas da União Europeia lançaram oficialmente o seu processo de transição para as energias limpas. Seis delas, entre as quais se conta a portuguesa ilha da Culatra, vão estar na linha da frente desta transição e irão apresentar a sua Agenda para a Transição Energética até ao Verão.

Ou seja, a comunidade da Culatra tem cerca de seis meses para definir qual o caminho que quer seguir, apontar soluções e «fazer um road map, onde estejam definidas as diversas intervenções e o seu financiamento», segundo explicou ao Sul Informação André Pacheco, investigador do Centro de Investigação Marinha e Ambiental (CIMA) e coordenador da equipa de energias renováveis marinhas deste centro de investigação, que tem estado a trabalhar em conjunto com os moradores da ilha da Ria Formosa.

 

André Pacheco, com a equipa do CIMA e Sílvia Padinha, na Culatra  – Foto: Pablo Sabater | Sul Informação

«Terá de perceber-se quais são as barreiras e os obstáculos, quais são as melhores opções técnicas e aquilo que é viável, mas também o que não é, tendo em conta que a Culatra está inserida num sistema muito sensível, do ponto de vista ambiental. Tudo isto terá de ser muito bem definido», acrescentou, em declarações ao nosso jornal.

«Tendo em conta que a Ilha da Culatra se insere num contexto de área protegida, no Parque Natural da Ria Formosa, e sendo este território administrado por diferentes entidades com competências no ordenamento e qualidade ambiental, é essencial o seu envolvimento desde o início do processo, de forma a criar uma agenda de transição energética que seja exequível e que considere as barreiras e obstáculos inerentes à sua implementação», reforçou o investigador do CIMA.

«No decurso desse processo dinâmico, serão debatidas soluções técnicas com grupos de peritos, incluindo investigadores, associações empresariais e técnicos do setor empresarial. Deste debate com os moradores, resultará o dimensionamento de uma planta de geração e armazenamento de energia produzida a partir de fontes de energias renováveis, com a utilização de excedentes para a potencial dessalinização de água e tratamento de resíduos», acrescentou a UAlg, numa nota de imprensa.

Ou seja, para pôr de pé a sua Agenda para a Transição Energética, a Associação de Moradores da Ilha da Culatra terá a ajuda da universidade, mas também do setor privado. «Já houve empresas que mostraram interesse em ser parceiras do projeto, como a Iberwind, a Enercoutim, a Sun Concept e a Areal. Também temos tido a colaboração da EDP Distribuição na fase de diagnóstico dos consumos», revelou André Pacheco.

O facto de a Culatra ser uma das ilhas piloto deste processo e ter o apoio do Clean Energy for EU Islands «posicionará a região como centro de excelência em investigação e formação em energias renováveis», acredita a UAlg.

Uma ideia reforçada pelo vice-presidente do CIMA, que salienta que este poderá funcionar como um selo de qualidade do projeto, que «motivará as próprias empresas». E, apesar de não estar em causa, nesta fase, um apoio financeiro, o facto do projeto “Culatra 2030 – Comunidade Energética Sustentável” estar inserido neste programa europeu para as energias limpas deverá facilitar o acesso a financiamento da União Europeia para ações concretas.

O próprio nome escolhido pelos promotores desta iniciativa aponta para esse objetivo. «Escolhemos a designação Culatra 2030 para estar em linha com a política europeia para as energias limpas e transição energética». É que, explicou André Pacheco, o objetivo último do projeto é conseguir «a descarbonização total da ilha», algo que poderá acontecer até ao final do próximo ciclo de financiamento europeu – desde que haja dinheiro, claro.

 

Associação de Moradores da Ilha da Culatra – Foto: Pablo Sabater | Sul Informação

Para já, a bola está do lado dos moradores da Culatra que têm pela frente «muito trabalho coletivo. Há que haver uma capacitação da comunidade. Terão que se mudar hábitos de consumo e mudar algumas mentalidades que estão enraizadas», considerou André Pacheco, em declarações ao Sul Informação.

Um trabalho que não assusta a associação de moradores. «Penso que não será difícil, temos tido batalhas muito mais duras e conseguimos superá-las. Esta não será, de certeza, uma batalha difícil, até porque tem uma mais-valia associada. Para além da questão ambiental, há também uma questão social muito forte», disse ao nosso jornal Sílvia Padinha, presidente da AMIC.

Este será, apenas, «mais um desafio», a juntar aos muitos que a comunidade já enfrentou ao longo de cerca de 150 anos. «O nosso trabalho, enquanto associação, tem sido sempre encontrar soluções para os problemas. E esta situação não é diferente. Penso que todos temos a consciência de que estamos a viver numa zona muito frágil e todos nós vivemos dos recursos naturais».

Neste caso, encontrar uma solução significa não só resolver um problema local, mas também tornar-se um exemplo para a resolução de um problema global.

Para a Universidade do Algarve, a Culatra é, de resto, o local ideal para se começar a pôr em prática a transição energética e «testar um novo modelo económico que funcione em circuito fechado, minimizando consumos de materiais e perdas de energia».

A UAlg fala, mesmo, numa «verdadeira Economia Circular que permita a sustentabilidade ambiental da ilha e a iminente necessidade de adaptação às alterações climáticas».

Além da Culatra, são ilhas piloto neste processo as ilhas Aran (Irlanda), o arquipelágo Cres-Lošinj (Croácia), Sifnos (Grécia), Salina (Itália) e La Palma (Espanha). Os Açores também fazem parte da lista das 26 ilhas/arquipélagos que estão neste processo, mas só terá de apresentar a sua Agenda para a Transição Energética até ao Verão de 2020.

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