Dez apontamentos sobre a smartificação do território

Será necessário distinguir entre os territórios “espertos, inteligentes e criativos”

Na sequência do meu artigo sobre o Smart Cities Tour 2019, estou agora em melhores condições para ordenar os meus argumentos acerca da smartificação do território.

Das redes físicas do modelo urbano e industrial até às redes inteligentes do modelo tecnológico e digital, há um longo caminho a percorrer e onde, por razões que todos entendemos, será necessário distinguir entre os territórios “espertos, inteligentes e criativos”.

Os dez apontamentos sobre a smartificação territorial são uma tentativa para pôr ordem na minha reflexão sobre o assunto.

1. Antes de mais, o negócio digital.
É aqui que tudo começa, antes de ter inteligência coletiva o território será atomizado pelo negócio digital. É tudo uma questão de mais ou menos sensor, chip, câmara, drone, robot ou sistema automático, ao ritmo das nanotecnologias e dos novos materiais. O território ficará seguramente mais inteligente, mas, também, muito mais atomizado.

2. Em seguida, o capital humano.
Depois da atomização digital proporcionada pelo negócio digital, é preciso acabar rapidamente com a iliteracia digital e acelerar a formação técnica e avançada nas áreas dos sistemas inteligentes e digitais; é uma verdadeira revolução nos sistemas de ensino e formação e o território passa a um segundo nível de inteligência.

3. O risco moral e o passageiro clandestino.
A transformação digital tem como consequência a emergência do chamado “risco moral”. A intensidade-rede digital produz uma interdependência de tal ordem que nos coloca em rota de colisão com inúmeros danos colaterais e efeitos indesejáveis, desde logo os que são provenientes do colapso dos sistemas automáticos. O “passageiro clandestino” é o agente principal deste risco moral.

4. Pegada digital e cobertura do risco.
Cada um de nós terá uma pegada digital, donde uma maior personalização do risco e da sua cobertura. Neste contexto, é fundamental que quem define a “ideologia do risco” não crie um sistema de vigilância verdadeiramente maquiavélico e condicione os nossos limites de liberdade, a tal ponto que coloque em causa os objetivos iniciais para os territórios inteligentes e criativos.

5. Os espaços de Coworking e os Tiers-Lieux, os novos espaços de liberdade.
Os territórios digitais necessitam de novos espaços de liberdade onde exercitar a inteligência e a imaginação e a partilha de conhecimentos a um custo marginal próximo de zero.
Nestes espaços colaborativos emergem o talento criativo dos nativos digitais e começam a tomar corpo novos formatos de inteligência coletiva territorial.

6. Uma oferta integrada de utilities públicas e municipais.
Um território inteligente e criativo necessita de três tipos de rede: as “redes centralizadas” criam as autoestradas da informação, as “redes descentralizadas” criam os itinerários principais e as “redes distribuídas” a grande rede capilar; se as redes descentralizadas põem ordem nas utilities e principais serviços de rede do território, as redes distribuídas “lançam o caos” no território e abrem o caminho para a criatividade territorial.

7. Empregos monótonos e colaborações polivalentes e criativas.
Os serviços centralizados criam empregos monótonos, mas as redes descentralizadas e distribuídas criam os vasos capilares digitais para a digitalização de um território criativo, isto é, para o desenvolvimento de uma rede capilar de malha fina que emergirá ao redor de redes sociais, plataformas digitais e estruturas inteligentes de acolhimento. Esta rede capilar de malha fina abre as portas para novos espaços colaborativos onde a polivalência e a multifuncionalidade do trabalho serão os atributos fundamentais.

8. Em busca de uma nova ordem previdencial.
Entre a inclusão e a exclusão digitais há uma nova responsabilidade social que é necessário pôr em prática, pois a estrutura do mercado de trabalho será profundamente alterada; isto quer dizer que a “velha ordem previdencial” terá de ser revista em profundidade e, bem assim, a provisão de prestações sociais da segurança social; o mesmo se diga dos direitos associados ao mundo do trabalho com o surgimento de várias modalidades de economia e relações colaborativas interpares.

9. O agente-principal da smartificação, o ator-rede.
A digitalização de um território precisa de um centro dotado de um mínimo de racionalidade global que evite a cacofonia e o ruído de fundo.
O ator-rede é uma estrutura de autogoverno dotada de atribuições, competências e meios, que sabe articular os poderes setoriais com as expetativas das populações expressas através de recursos digitais.

10. Inteligência emocional criativa, o território-desejado.
Sem inteligência emocional não há territórios desejados e criativos. Um território não tem uma identidade própria e consciência de si se se limitar a sobreviver como mera unidade estatístico-administrativa e nunca será verdadeiramente um território inteligente e criativo.
Com uma baixa intensidade-rede e uma sociabilidade fraca, uma sucessão de eventos não chega para forjar um território-desejado. Neste caso, o ator-rede estará reduzido a um mero chefe de cerimónias.

 

Nota Final

Os dez apontamentos sobre a smartificação do território não esgotam, obviamente, os problemas e desafios dos territórios inteligentes e criativos.

Ficam ainda por abordar questões fundamentais como são a cobertura digital dos territórios, os sistemas de incentivos digitais, a privacidade dos nossos dados, a cibersegurança, a mutualização do risco e a regulação digital. Ficam, porém, para outra oportunidade.

 

 

Autor: António Covas é professor catedrático da Universidade do Algarve e doutorado em Assuntos Europeus pela Universidade Livre de Bruxelas

 

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