Conheça todos os segredos da química do fogo-de-artifício

O fogo-de-artifício não é mais do que uma dança sincronizada de elementos químicos que recriam no céu as cores do arco-íris

O fogo-de-artifício é uma das mais espetaculares manifestações da química no nosso quotidiano. Quem não fica deslumbrado com a explosão de cores e formas que ilumina o céu durante um espetáculo de fogo-de-artifício?

O componente fundamental do fogo-de-artifício é a “concha”, normalmente um tubo de papel cheio com pólvora negra e pequenos globos de material explosivo chamados “estrelas”.

Cada “estrela” contém quatro ingredientes químicos: um material combustível, um agente oxidante, um composto metálico responsável pela cor e um aglutinante para manter estes componentes unidos.

Toda a luz, cor e som resultam destes compostos químicos. Durante a explosão, o agente oxidante e o combustível reagem de forma violenta, libertando calor intenso e materiais em fase gasosa. É a expansão brusca destes materiais gasosos que cria a onda de choque que nos chega aos ouvidos como o som da explosão. E é o calor libertado nesta reação o responsável pelo brilho e cor do fogo-de-artifício.

As cores do fogo-de-artifício são obtidas essencialmente por um processo designado por “luminescência”: o calor libertado na explosão é absorvido pelos átomos dos metais presentes na composição da “estrela”. Quando absorvem energia, os átomos dos metais ficam com os seus eletrões, digamos, “desarrumados”, fora das suas posições próprias. Quando voltam a arrumar os seus eletrões nas posições mais estáveis, os átomos libertam a energia em excesso, mas agora sob a forma de radiação visível, ou seja, luz colorida. A cor da luz emitida varia consoante o metal utilizado:

– O vermelho é normalmente obtido com sais de estrôncio ou de lítio;

– O cor de laranja é característico de sais de cálcio, como o cloreto de cálcio;

– O amarelo é facilmente obtido com sais de sódio, sendo vulgarmente utilizado o cloreto de sódio – o sal das cozinhas;

– O verde é obtido com cloreto de bário…

– … enquanto o azul é obtido com cloreto de cobre.

As propriedades destes sais tornam a pirotecnia uma ciência química exigente: é preciso garantir a estabilidade de alguns destes compostos, controlar rigorosamente a temperatura de explosão e impedir a contaminação que mistura as cores. E só assim é possível garantir a beleza da química a iluminar o céu em noites de festa.

Um pouco de história

O fogo-de-artifício não é mais do que uma dança sincronizada de elementos químicos que recriam no céu as cores do arco-íris. Quase todos já assistimos e ficámos fascinados por este espetáculo de reações químicas que teve a sua origem quando a química ainda não existia como ciência.

Há registos da utilização de misturas incendiárias em celebrações religiosas na Ásia por volta de 2000 a.C. No entanto, a pólvora – principal componente do fogo-de-artifício – foi descoberta na China apenas no século IX, quando um alquimista chinês juntou, acidentalmente, salitre, enxofre e carvão e aqueceu a mistura.

Os primeiros mestres pirotécnicos eram, na verdade, alquimistas que mantinham em segredo as suas receitas geradoras de fogos coloridos (ainda hoje a indústria pirotécnica mantém em segredo as suas fórmulas, que são transmitidas apenas entre gerações de fogueteiros tradicionais).

O fogo-de-artifício, na sua forma colorida e brilhante como conhecemos hoje, surgiu com o nascimento da Química e o seu desenvolvimento está relacionado com grandes nomes desta ciência.

Antoine Laurent Lavoisier, considerado pai da Química, foi responsável por, durante a Revolução Francesa, revolucionar a produção da pólvora. Os seus estudos sobre as combustões acenderam o rastilho para que outros químicos procurassem elementos ricos em oxigénio, produzindo assim explosões mais violentas e temperaturas mais elevadas.

Em finais do século XVIII, Claude Louis Berthollet descobre o clorato de potássio, que ainda hoje é utilizado nos foguetes. Com o desenvolvimento da química e do conhecimento da matéria, foi aumentando a segurança, o brilho e o número de cores disponíveis, mas as bases de hoje são as mesmas que os fogueteiros tradicionais utilizavam no século XIX. E essa base consiste essencialmente na arte de saber trabalhar a composição da pólvora.

A primeira função da pólvora – cuja composição típica é de 75% de nitrato de potássio, 15% de carvão e 10% de enxofre – é lançar a concha para o ar.

Por sua vez, a pólvora que se encontra no interior da concha tem como papel fornecer a energia suficiente para “acender” as estrelas. Por esta razão, a esta pólvora é adicionado perclorato de potássio ou clorato de potássio. Estes compostos são mais explosivos que os nitratos e por isso fornecem temperaturas mais elevadas – necessárias para que o material das estrelas entre em combustão. Os cloratos possuem a desvantagem de serem muito instáveis e por isso mais perigosos – um composto de clorato pode explodir apenas por cair ao chão!

Sobre a cor

Mas e a cor? Os fenómenos responsáveis pelas cores do fogo-de-artifício estão presentes nas luzes lá de casa, nos anúncios luminosos e até quando nos aquecemos junto à lareira.

Assim, para além da luminescência, os elementos podem também emitir cor por aquecimento – quem já não observou as brasas de carvão que de pretas, passam a vermelhas, alaranjadas até terminarem como cinzas brancas? A este fenómeno da emissão de cor por aquecimento os químicos chamam incandescência.

Metais como alumínio ou o magnésio, quando aquecidos a elevadas temperaturas, emitem uma luz branca muito brilhante. Estes elementos são muitas vezes adicionados à pólvora da concha, aumentando também assim a claridade da explosão.

As restantes cores resultam da mistura química que se encontra no interior das estrelas. A composição desta mistura é praticamente igual à pólvora negra, variando apenas o sal que contém o elemento químico que gera a cor por luminescência. Ou seja, para se obter a cor vermelha, mistura-se nitrato de estrôncio, carvão e enxofre, enquanto, para se obter a cor verde, mistura-se nitrato de bário, carvão e enxofre.

A cor azul é considerada a mais difícil de obter, devido à instabilidade dos compostos de cobre. E, da mesma forma que o pintor mistura o azul e o vermelho para obter o violeta, também os químicos misturam cobre e estrôncio para obter esta cor.

Alguns foguetes podem começar de uma cor e terminar de outra, uma vez que no interior da mesma estrela podem existir duas misturas. E cada estrela, cada mistura, é preparada artesanalmente, num trabalho que envolve química, arte e muito, muito rigor.

Um fogo-de-artifício amigo do ambiente

A beleza dos fogos-de-artifício tem um senão – a poluição. Nesse sentido, os cientistas começaram já a procurar a fórmula adequada para um fogo-de-artifício mais amigo do ambiente.

Assim, em alguns espetáculos, os foguetes são enviados para o ar graças a um sistema de gás compressor, o que evita a utilização da pólvora no momento do lançamento.

Desta forma, diminui a libertação de gases poluentes como os NOx, CO e SOX (o índice x significa que o número de átomos de O pode variar, dando origem a substâncias diferentes).

Também os percloratos utilizados como explosivos no interior das estrelas são identificados como prejudiciais à saúde humana e, por isso, os químicos têm procurado substituí-los.

Os compostos com elevada percentagem de nitrogénio, como os derivados do triazole e da tetrazina, ou de oxigénio, como a nitrocelulose, têm-se revelado muito eficazes nesta área, proporcionando quase sempre uma combustão completa, praticamente sem libertação de fumos – o que permite diminuir também a quantidade de sais e intensificadores de cor utilizados.

Tudo para que seja possível admirar um espetáculo de fogo-de-artifício, livre de sentimentos de culpa!

 

Autor: Paulo Ribeiro-Claro (projeto “A Química das Coisas”/Universidade de Aveiro)
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

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