Cientistas fazem um mapa do olfato no cérebro

O circuito neural das respostas inatas aos cheiros começou a ser mapeado

As duas linhas a tracejado representam os dois conjuntos de neurónios no cérebro da mosca que são necessários para provocar uma resposta de aversão ao dióxido de carbono. Crédito da imagem: Gil Costa

As respostas dos animais aos cheiros podem ser aprendidas ou inatas. A capacidade inata de distinguir um cheiro apetitoso de um mau cheiro – isto é, potencialmente perigoso – é essencial para guiar os comportamentos de sobrevivência. Desde o início da vida, os animais precisam de conseguir fugir dos predadores e de encontrar alimentos adequados. Até agora, pouco se sabia sobre como as respostas olfativas inatas são programadas no cérebro.

Uma equipa de neurocientistas do Centro Champalimaud (CC), em Lisboa, realizou um dos primeiros estudos sobre os circuitos neurais centrais (ou áreas cerebrais superiores) subjacentes às respostas inatas aos cheiros. Os seus resultados, alguns dos quais inesperados, foram publicados na revista PLoSBiology.

Maria Luísa Vasconcelos, investigadora principal do Laboratório do Comportamento Inato do CC, e seus co-autores – Nélia Varela (pós- doutorada), Miguel Gaspar (estudante de doutoramento) e a técnica de laboratório Sophie Dias –, abordaram a questão usando moscas-da-fruta, cujo sistema olfativo é bastante semelhante ao dos vertebrados.

No cérebro da mosca, uma estrutura chamada corno lateral (CL) recebe informação do lóbulo antenal que, por sua vez, recebe estímulos sensoriais dos neurónios recetores olfactivos, localizados nas antenas. As antenas são “o nariz da mosca”, diz Vasconcelos. Pensa-se que o CL está envolvido nas respostas inatas aos cheiros.

Estudos anteriores mostraram que a estrutura das ligações nervosas do lóbulo antenal para o CL é muito semelhante de uma mosca para outra: “no CL, os circuitos neurais são muito estereotipados, tanto em termos do número de ligações como da maneira como estas se ramificam”, explica Vasconcelos.

Neste novo estudo, o que os cientistas procuraram foi perceber a função do CL. Mais precisamente, identificar os neurónios do CL da mosca responsáveis pela aversão inata deste insecto ao cheiro do dióxido de carbono (CO2). “Não sabemos porque o CO2 provoca uma tal aversão”, ressalta Vasconcelos, “mas uma explicação poderá ser o facto de as moscas, quando estão stressadas, libertarem CO2”.
Usando ferramentas genéticas, a equipa obteve 32 linhas de moscas geneticamente alteradas, sendo que, em cada linha, um tipo particular de neurónios do CL tinha sido silenciado, isto é, inativado.

Para testar o efeito do silenciamento dos diferentes tipos de neurónios na resposta comportamental ao CO2, os cientistas colocaram moscas de cada linha num “labirinto em T” (basicamente, trata-se de um corredor que, no fim, bifurca para a esquerda e para a direita).

Num dos braços do T libertaram CO2 e no outro ar. Normalmente, a mosca escolhe sempre seguir pelo braço que contém ar. Portanto, se o silenciamento de um determinado grupo de neurónios abolisse a aversão ao CO2, essa mosca escolheria indiferentemente o braço do ar ou o do CO2, o que significaria que esses neurónios em particular, silenciados geneticamente, eram necessários para provocar a resposta de aversão.

“Encontramos duas linhas distintas de moscas que perderam esse comportamento aversivo”, diz Vasconcelos. Primeira surpresa: não eram os neurónios que os cientistas esperavam. Segunda surpresa: esses dois tipos de neurónios respondem especificamente ao CO2.

“Isto foi inesperado”, diz Vasconcelos. “Nós pensávamos que o seu silenciamento causaria a perda dos comportamentos olfativos de aversão em geral, mas quando testámos outros cheiros, não observámos qualquer alteração no comportamento de aversão das moscas a esses outros cheiros. Também testámos esses neurónios com cheiros atraentes e, mais uma vez, o seu silenciamento não provocou nenhuma alteração comportamental”.

Por outras palavras, estas experiências revelaram dois conjuntos independentes de neurónios que são necessários para provocar uma resposta de aversão específica ao CO2.

Este é um dos principais resultados do estudo, acrescenta Vasconcelos. Outro é que um dos dois tipos de neurónios identificados apenas têm ligações nervosas locais (ou seja, com neurónios do CL), enquanto o outro tipo de neurónios também projeta as suas fibras nervosas para fora do CL.

Os cientistas quiseram ainda determinar em que direção a informação olfativa circulava de um dos tipos de neurónios para o outro através de outra série de experiências. Desta vez, inativaram um dos dois tipos e, ao mesmo tempo, registaram a actividade neural do outro tipo. Para isso recorreram à optogenética, uma tecnologia que permite ligar e desligar neurónios específicos à vontade com a ajuda de um laser.

Concluíram então que o fluxo de informação olfativa vindo das antenas começava por ser processado pelos neurónios que se projetavam para fora do CL e só depois pelos neurónios com ligações somente locais. Obtiveram assim uma primeira “fotografia” do circuito neural subjacente à resposta de aversão ao CO2.

Um outro resultado importante foi que os neurónios do grupo que projeta as suas terminações nervosas para fora do CL inervam uma estrutura do cérebro da mosca, chamada SIP (protocerebrum intermediário superior), “que se pensa coordenar as respostas aprendidas e inatas”, diz Vasconcelos.

A investigadora acredita que este estudo sobre a função do CL poderá servir de guia para estudos ulteriores das bases neurais das respostas olfativas. Tal como acontece com o CO2, poderá haver neurónios específicos de outros cheiros no CL – e não apenas neurónios que distinguem os cheiros aversivos dos atraentes.

“Existem 1300 neurónios no CL da mosca-da-fruta, o que é muito para uma mosca. As coisas são mais complexas do que pensávamos”, conclui.

 

Autor: Centro Champalimaud
Ciência na Imprensa %Regional – Ciência Viva

 

 

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