Câmara de Lagoa recusa transferência de competências já em 2019

Sem conhecer qual o envelope financeiro, o edil Francisco Martins recusa a transferência de competências

«Nós não temos o envelope financeiro, não sabemos o que vem para suportar essas competências que estão a ser transferidas, por isso obviamente que, como responsável pela gestão desta Câmara, não posso aceitar». É assim que o socialista Francisco Martins, presidente da Câmara de Lagoa, explica a decisão do seu executivo, aprovada esta semana em reunião, de não aceitar a transferência de competências pretendida pelo Governo.

Em declarações aos jornalistas, o autarca sublinhou que «desde o princípio» tinha sido dito pelos municípios, até pela sua associação nacional, a ANMP, que « só aceitariam as competências que estavam a ser transferidas quando soubessem quais os envelopes financeiros».

Segundo o diploma aprovado pelo Governo, as autarquias de todo o país têm até ao fim deste mês de Janeiro para dizer se aceitam ou não a transferência das competências. Mesmo que recusem, certo é que a partir de 2021, terão mesmo de assumi-las. Por isso, que efeitos práticos tem a recusa da Câmara de Lagoa?

«Agora estamos a aprovar ou não as competências para 2019. E para 2019, teria que vir em Orçamento de Estado ou em outra figura qualquer, qual é o pacote financeiro», explica Francisco Martins. E isso, até agora, não aconteceu.

«No meu concelho, tenho de saber o que é que essas transferências vão significar. Veja-se só as transferências de funcionários: na educação e na saúde, irá passar para as Câmaras o pessoal administrativo e o pessoal operário e o financiamento para pagar os vencimentos dessas pessoas. Mas todos sabemos que esses serviços já são deficitários em pessoal, os rácios estão abaixo e a obrigação de aumentar os quadros de pessoal passaria para os municípios», contextualiza o autarca lagoense.

Além disso, «vou herdar mais 12 equipamentos, vou ter de ter mais gente na parte da manutenção e administrativa, vou ter de ter técnicos em áreas que hoje não temos, porque não tínhamos essas competências».

Ora, defende o presidente da Câmara de Lagoa, «todos esses custos terão de ser muito bem contabilizados. E a forma responsável é não aceitar a transferências nesta fase».

«Cada um sabe da sua casa e eu sei da minha. Giro a minha com rigor e a prova disso são os indicadores da Câmara de Lagoa, por isso não vou passar um cheque em branco», frisa ainda.

Francisco Martins diz ter «outras objeções» em relação à lei da transferência de competências: «por um lado, estão a passar-nos competências que não nos dizem nada. Por outro, estão a passar competências muito boas, só que temos de quantificá-las».

É que, insiste, «o documento, do meu ponto de vista, tem muitas falhas. A pior coisa que se faz neste país – e faz-se muito! – é aprovar legislação que, à partida, já está errada».

O edil de Lagoa salienta também que terá de se «perguntar ao Governo» porque é que, ao fim de anos de negociações com a ANMP, onde a questão financeira foi sempre essencial, ainda não há entendimento.

Terá de perguntar-se «ao Governo porque é que o pacote financeiro não foi já aprovado, uma vez que as competências têm que ser aceites, ou não, até ao final deste mês».

No Algarve, a Câmara de Olhão, também de maioria socialista, já decidiu em sentido contrário ao de Lagoa, pretendendo assumir, já em 2019, todas as competências que o Governo decidiu descentralizar.

A autarquia olhanense, presidida pelo socialista António Miguel Pina, garante que está preparada «para assumir em pleno já este ano as novas atribuições previstas na Lei-quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais».

Entretanto, na semana passada, a própria Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) exigiu que o Governo e os partidos políticos com assento parlamentar clarifiquem «rapidamente» o modo de garantia do financiamento da descentralização de competências para as autarquias.

Segundo o presidente da ANMP, o Governo e os partidos representados na Assembleia da República «têm de clarificar, rapidamente, como será garantido o financiamento da descentralização, isto é, como serão transferidos os recursos financeiros às autarquias locais e às entidades intermunicipais para a execução de novas competências».

Essa clarificação tem de ser feita «antes da entrada em vigor dos decretos-lei setoriais [da descentralização] em falta», sublinhou Manuel Machado, após uma reunião do Conselho Diretivo da Associação da ANMP, em Coimbra.

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