Crianças diabéticas já podem receber o seu «pâncreas de bolso» no Hospital de Faro

Hospital de Faro é o único, a sul de Évora, que pode colocar bombas de insulina

João Melo tem 14 anos e descobriu que tem diabetes tipo 1 em 2016. Até há três meses, o seu dia-a-dia estava condicionado pelas injeções de insulina, mas ganhou um «pâncreas de bolso» e com ele uma vida «mais normal, mais parecida à que tinha antes de ter diabetes».

O “pâncreas de bolso”, como lhe chama, é uma bomba de insulina que foi colocada no Hospital de Faro, o único Centro de Tratamento para Perfusão Subcutânea Contínua de Insulina localizado a sul de Évora. O reconhecimento da unidade do Centro Hospitalar e Universitário do Algarve enquanto centro especializado aconteceu em Janeiro de 2018 e, desde então, já foram colocadas bombas de insulina a 24 crianças e adolescentes.

No caso de João, que joga basquetebol nos Bonjoanenses, de Faro, a bomba de insulina só é retirada durante os treinos e os jogos. Essa, aliás, era a sua principal preocupação quando soube que ia ter um aparelho que devia estar sempre ligado ao seu corpo. «Quando pus a bomba, tinha receio que não pudesse jogar basquetebol, mas jogo e bastante. Retiro a bomba nos treinos e nos jogos. Antes do jogo, injeto a insulina equivalente com a caneta», explica à reportagem do Sul Informação.

João Melo e Cláudia Melo na consulta com Manuela Calha

Também para Cláudia Melo, a mãe de João, a bomba de insulina veio ajudar a lidar melhor com a doença do filho. «Ando mais descansada, apesar de ele ser muito cuidadoso e de ter sempre os valores ótimos. Em dois anos, nunca “levou nas orelhas” da doutora», graceja, antes de deixar elogios à equipa que acompanha o jovem: «a equipa é excecional: das médicas às enfermeiras».

Margarida Minhalma, de 10 anos, também «não consegue parar quieta»: dança, faz natação e joga ténis e tem uma bomba de insulina colocada há cerca de um mês. A adaptação à vida com menos «picas» tem corrido bem. «Mudou muita coisa. Os valores têm estado melhores. Antes ela ficava muito constrangida por ter que usar a caneta na escola ou em frente a outras pessoas. Agora está menos frustrada», conta a mãe Joana Gregório.

Mais tímida do que João Melo, Margarida vai concordando com as palavras da mãe e confirma que a sua vida «está mais fácil» e que está «muito feliz» com a bomba de insulina.

Margarida Minhalma na consulta

A descoberta que Margarida sofria de diabetes aconteceu há cerca de três anos e, conta Joana Gregório, «não foi fácil». «A nossa filha sempre teve gosto pela alimentação saudável, acompanhava sempre as refeições com saladas e nós julgávamos que a diabetes era causada pelo estilo de vida. Desconhecíamos o tipo 1. Ficámos um bocado perdidos», lembra.

Agora, a bomba de insulina veio ajudar a Margarida a ter «uma vida normal» e o facto de o Hospital de Faro poder aplicar e fazer acompanhamento «é muito melhor para as famílias, temos apoio aqui à mão».

A proximidade dos diabéticos algarvios é uma das principais vantagens realçada pela médica pediatra Manuela Calha, a coordenadora do centro, que faz parte de uma equipa multidisciplinar composta por médicas, enfermeiras, psicóloga e nutricionista.

«Do ponto de vista prático, ao tornarmo-nos um centro, a principal vantagem é que as famílias não têm de se deslocar para Lisboa. Temos de ensinar a utilizar o menu da bomba e antecipar algumas situações. Portanto, antes de colocarmos uma bomba, temos de fazer um curso que, às vezes, dura uma semana. Depois, temos de acompanhar em consulta, numa fase inicial, de três em três dias. Temos de ter contacto entre os doentes e as equipas, para que, se acontecer um problema, este possa ser esclarecido. Com a proximidade, tudo é mais fácil. Antes, as pessoas deslocavam-se para Lisboa e havia doentes que ficavam internados quando iam colocar as bombas de insulina», explica a médica.

A bomba de insulina

Manuela Calha conta que, para o CHUA ser considerado um centro de tratamento, «é preciso obedecer a determinados critérios, é preciso fazer uma candidatura e ter experiência em todos os procedimentos para colocar as bombas de insulina».

A colocação de bombas de insulina nos pacientes é orientada pela Direção Geral de Saúde: «os doentes são inscritos numa plataforma a nível nacional e, depois, as bombas são distribuídas para os vários centros».

Ao Algarve, as primeiras bombas chegaram em Junho «e só as estamos a colocar neste semestre. Tivemos a colaboração da Drª. Ana Paula Gonçalves, presidente do Conselho de Administração do CHUA, que fez esforços para que, ainda este ano, tivéssemos as bombas de insulina, uma vez que não houve a programação habitual de atribuição de bombas de um ano para outro».

Até ao momento, «recebemos 29 bombas de insulina e já temos 24 meninos com bombas colocadas. São crianças e adolescentes com idades até aos 18 anos». O processo para receber uma bomba de insulina passa, em primeiro lugar, por «inscrever as crianças na base de dados e, à medida que vamos recebendo as bombas, vamos atribuindo aos doentes».

Segundo Manuela Calha, as bombas de insulina permitem «um controlo da diabetes muito mais parecido com a pessoa que não tem diabetes. Dispensa a caneta. É uma pequena máquina, mais pequena que um telemóvel, que funciona como um computador, e permite programar a quantidade de insulina que deve ser administrada, de hora a hora, e em pequenas quantidades. Nas bombas, podemos acertar os valores até à centésima de unidade, com canetas só conseguimos até à meia unidade».

Os pais de Margarida Minhalma na consulta

Além disso, realça a pediatra, «também podemos ajustar de acordo com as refeições, de acordo com o que a pessoa come e com a atividade física. Dá para programar, de forma minuciosa, tudo o que o doente faz durante o dia. E permite ainda atribuir a quantidade de insulina mais ajustada às necessidades de cada pessoa».

Apesar de as bombas de insulina poderem ser uma melhoria para muitos diabéticos, não são indicadas a todos. «São especialmente indicadas para crianças pequeninas, que necessitam de quantidades de insulina muito pequenas. Além disso, são indicadas para pessoas com flexibilidade no seu estilo de vida, porque a bomba é mais flexível que as canetas. Também é necessário que, quem tem a bomba, faça uma autovigilância. É necessário fazer testes, várias vezes ao dia, de determinação da glicémia. Tem de haver um autocontrolo e nem toda a gente tem perfil. Estes são critérios que estão bem definidos nas normas da DGS».

As bombas de insulina têm uma cânula, que é uma espécie de catéter, «e são colocadas na barriga ou na zona glútea. São estes os locais mais convencionais». Depois, os pacientes devem andar durante 24 horas com a bomba, exceto quando tomam banho, ou têm atividades físicas com água, ou contacto físico.

«Outra mais-valia é que, com as canetas de insulina, geralmente as pessoas têm de fazer 5 a 6 injeções diárias, já com a bomba, têm que mudar o catéter de três em três dias e evitam as picadas todas», acrescenta Manuela Calha.

Em cada consulta é feita uma verificação da bomba

Apesar de, para já, o CHUA apenas colocar bombas de insulina em crianças, «este centro é para todos, crianças e adultos. Começámos este ano, em Julho e, neste momento, só colocámos nas crianças. No entanto, há uma equipa que se formou e que vai dar continuidade ao acompanhamento das crianças que se tornem adultos e vai haver também possibilidade para colocar em adultos. No entanto, o número de bombas para adultos disponível é muito inferior», explica a pediatra.

Um centro de tratamento no Algarve tem ainda outra vantagem: «o facto de sermos uma região turística traz-nos aqui, muitas vezes, pessoas de outros pontos do país e do estrangeiro que têm bombas de insulina e que precisam de algum tipo de apoio. Já surgiram casos desses e agora podemos fazer esse acompanhamento».

Além de Manuela Calha, estão envolvidas no projeto Elsa Pina, coordenadora da unidade de Diabetologia, que «anda há quatro ou cinco anos a ser a minha grande influenciadora», Guida Gama, também pediatra, Isabel Santos e Cristina Mendonça, enfermeiras, «que foram companheiras nesta caminhada desde o primeiro dia», Célia Lopes, nutricionista, e Laura Nunes, psicóloga.

A equipa do centro de tratamento

O facto de o trabalho ser feito por uma equipa multidisciplinar é importante porque, «para colocar a bomba, são necessários vários procedimentos: há um procedimento técnico, que é de enfermagem, há a programação da bomba, com a criação de perfis de necessidades de insulina dos doentes, que é algo muito médico. Depois, é fundamental a parte da alimentação e, por fim, em tudo o que envolve uma doença crónica, que envolve a mudança de hábitos, e em que há estados de espírito diferentes, é essencial a psicóloga».

Elsa Pina, que também falou com o Sul Informação, destaca o papel de Manuela Calha que «anda numa luta invisível há anos. Tem sido a impulsionadora disto tudo. Foi necessário um trabalho de preparação que exigiu uma reestruturação da unidade».

O reconhecimento do Hospital de Faro como centro de tratamento «foi o culminar de uma luta com vários anos» que, agora, torna mais fácil a vida das crianças diabéticas do Algarve.

 

Fotos: Nuno Costa | Sul Informação

 

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