Ainda se morre de SIDA no Algarve, mas a deteção precoce é cada vez mais eficaz

No Algarve, 20% das pessoas ainda são diagnosticadas tardiamente

O número de novos casos de infeção de VIH está a diminuir no Algarve. «Houve 119 casos notificados em 2007 e agora, dez anos depois, foram 37, numa redução de 75%». Os dados foram revelados ao Sul Informação pela médica Helena Ferreira, responsável regional pelo CAD – Centro de Aconselhamento e Deteção Precoce da Infeção VIH e ainda pelo Programa para a Infeção VIH/SIDA no Algarve.

O nosso jornal falou com aquela responsável no Departamento de Saúde Pública da Administração Regional de Saúde do Algarve, situado em Faro, onde funciona o único CAD fixo de toda a região. A entrevista teve por base o relatório «Infeção VIH e SIDA: a situação em Portugal a 31 de dezembro de 2017», divulgado na passada semana pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge.

Aquela diminuição do número de casos de pessoas infetadas pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH) no Algarve tem a ver, segundo Helena Ferreira, com «uma maior consciencialização das pessoas, que agora têm consciência de que a infeção existe e que é possível preveni-la, ou seja, que não é apenas problema que acontece aos outros».

Mas tem também a ver com o «aumento da prevenção e sobretudo da deteção precoce do VIH, numa ação da ARS Algarve com organizações não governamentais, como a APF [Associação para o Planeamento da Família] e o MAPS [Movimento de Apoio à Problemática da SIDA], um trabalho muito sistemático ao longo dos anos, junto da comunidade», sublinhou.

«Hoje há muito mais facilidade em fazer testes, há uma oferta mais diversificada de locais para realização desses testes e até há testes rápidos, para a deteção precoce do VIH, nomeadamente nas unidades moveis da ARS e das outras instituições parceiras»,

O que é certo é que os dados sobre VIH e SIDA na região mais sulina do país têm vindo a melhorar nos últimos anos. A responsável pelo CAD regional salienta que, «em 2014, Faro era o 2ª distrito com mais casos, enquanto em 2017, já era o 5º». E também a taxa de casos em relação à população desceu de 16,5 casos por 100 mil habitantes em 2014, para 8,4 casos em 2017.

Ainda assim, lamenta a médica, «são casos a mais».

A forma mais frequente de transmissão é agora «a via sexual, seja na globalidade do país, seja na região». Mas não se pense que são os homossexuais que estão à frente nos números, neste momento.

A maioria das infeções, em Portugal e no Algarve, dão-se por «via sexual heterossexual» (58,3% dos casos, na região algarvia), seguindo-se depois os homens que fazem sexo com homens (33,3%, neste caso com a maioria a ser representada por «adultos mais jovens»).

«As pessoas mais afetadas continuam a ser entre os 25 e os 49 anos. Só entre os 30 e os 39 anos registaram-se 14 casos em 2017. E são casos de adultos jovens, muito ligados à atividade sexual».

Um dos grupos que ainda há poucos anos representava a maioria dos casos de infeção – o das pessoas que usam drogas injetáveis – diminuiu drasticamente. Em 2017, segundo os dados do estudo, só se registaram 2 casos no Algarve, representando, ainda assim, 5,6% do total de casos.

«A transmissão nos utilizadores de drogas injetáveis é hoje residual e isso tem a a ver com o sucesso dos programas de troca de seringas e também de metadona. Desde que o programa de troca de seringas começou em 2000, houve uma diminuição drástica do número de infetados por essa via», explicou Helena Ferreira.

Outro grupo de risco onde se registou uma diminuição drástica é o dos «trabalhadores do sexo». «Entre os trabalhadores do sexo, não temos tido casos» de infeção por VIH, garantiu a médica. «São pessoas que estão muito informadas sobre estas questões», uma informação para a qual contribui, por exemplo, o trabalho que a APF faz regularmente, na zona de Quarteira e não só.

Prevenção, através da distribuição e uso de preservativos

No entanto, apesar de os números estarem a diminuir na generalidade, a região algarvia – com os concelhos de Portimão, Albufeira e Faro na dianteira – continua a ter das taxas mais altas de infeção, logo depois de distritos bem mais populosos como Lisboa ou Porto. Porque é que isto acontece?

A diretora do CAD explicou que isso terá a ver com um «ambiente social propício aos comportamentos de risco». «O Algarve é uma região turística, com muitas oportunidades de emprego, quer no turismo e noutros serviços, quer na construção civil. Por isso, é foco de atração de muitas pessoas que aqui vêm procurar trabalho, há uma grande mobilidade das pessoas, nomeadamente de portugueses, e são muitas vezes pessoas sozinhas que vêm para cá. Isso cria um ambiente social propício a comportamentos de risco».

Apesar de os números serem animadores, Helena Ferreira manifesta a sua preocupação, «porque continuamos a diagnosticar na fase tardia, embora saibamos que, quanto mais precocemente, melhor». Em 2017, acrescentou, «20% dos casos diagnosticados no Algarve já o foram na fase de SIDA», ou seja, quando a doença já estava declarada, sendo mais difícil de tratar e ainda mais contagiosa.

«Isso é mau para as pessoas em si, mas também porque podem propagar a doença por não saberem que estão infetadas. Daí a importância do diagnóstico ser feito precocemente», frisou a médica.

A diretora do CAD lamentou, por isso, que em 2017 ainda tenha havido no Algarve dois óbitos por SIDA. «Não se justifica hoje em dia!», exclamou.

Deteção, através de testes simples

A médica não se cansa de salientar a «importância da deteção precoce». Nos últimos anos, recordou, «abriu-se o leque da deteção precoce: vamos à comunidade, temos centros de acompanhamento, há mais locais onde fazer os testes e em breve vão arrancar, por exemplo em Cascais, centros piloto de testes rápidos nas farmácias, nos laboratórios de análises». Não há razão, na sua opinião, para as pessoas não fazerem o seu diagnóstico.

Seja no CAD de Faro, seja nas Unidades Móveis que este organismo da ARS operacionaliza em todo o Algarve, com o MAPS e a APF, levando-as à comunidade, à universidade, às feiras, junto aos centros comerciais, só no ano passado, foram feitos 3270 testes de deteção do VIH. E, nesses testes, foram detetados «20 casos positivos», imediatamente encaminhados.

Mas então, apesar de todas as campanhas de prevenção, porque é que continua a haver casos de infeção? Helena Ferreira recorre aos dados e diz que, no Algarve, «em 2017, foram detetados 7 casos em pessoas entre 50 e 59 anos, enquanto nas com mais de 60 anos tivemos 5 casos, o que dá 12 casos no total nestas pessoas com mais de 50 anos…e está a aumentar!».

A questão, explicou, é que «os jovens aceitam mais facilmente a informação», enquanto as pessoas menos jovens «têm hábitos enraizados, não têm abertura para mudar hábitos e comportamentos». E não se previnem, nomeadamente no que ao sexo seguro diz respeito.

Com todas as melhorias ao nível da prevenção, do diagnóstico precoce e da informação, ainda acontecem casos muito graves, que poderiam ter sido evitados. No ano passado, recorda Helena Ferreira, houve «um caso de uma criança infetada pela mãe, no Barlavento». Essa mãe, explicou, «foi infetada por transmissão por via sexual», o que demonstra «a importância de fazer testes à mãe, mas também ao marido ou companheiro. Neste caso, ela fez o teste, mas o marido não. E a criança veio a ser infetada depois do nascimento, com a amamentação». «Já não se justifica haver casos em crianças!», frisa a diretora do CAD algarvio.

Dos dados do estudo , um número salta à vista, a nível regional: Portimão surge em 8º lugar a nível nacional, no que diz respeito à taxa média de diagnósticos de infeção por VIH, nos anos de 2013 a 2017. Acima de Portimão, estão concelhos muito populosos como Lisboa, Amadora, Porto, Sintra e Loures, mas também concelhos com pouca gente, como Sever do Vouga ou Góis. Aqui, a explicação tem a ver com a forma como são feitas as contas: esta taxa refere-se ao número de casos por cada 100 mil habitantes. Em Góis, por exemplo, houve apenas 5 casos, mas a sua baixa população fez com que a taxa disparasse logo para 1.9, a mesma de Loures.

Nesta lista dos 20 municípios do continente com as taxas mais elevadas, encontram-se três algarvios: Portimão, em 8º lugar, com 65 casos comunicados entre 2013 e 2017 e uma taxa de 1.8, Albufeira (13ª posição), com 40 casos e taxa de 1.5, e ainda Faro, com 55 casos e taxa de 1.4 (20ª).

Com a sua enorme experiência nestas questões, a médica Helena Ferreira explica que a posição mais alta de Portimão e relativamente baixa de Faro deverá ter, simplesmente, a ver com «subnotificação em Faro, por problemas no serviço respetivo no hospital». É que, salientou, segundo o estudo, em 2017, Faro teve apenas 12 casos, «quando só nós, do CAD e do CAD móvel enviámos a notificação de 11 casos. Não é possível que o hospital de Faro tenha apenas registado mais um caso».

Em resumo, a médica Helena Ferreira salienta que, no Algarve (e no país), «o número de casos está a diminuir e o nosso trabalho vai continuar. A preocupação é a deteção precoce, já que 20% das pessoas ainda são diagnosticadas tardiamente».

Nos últimos dez anos, «diminuímos os casos em 75%, mas em Portugal temos ainda mais casos que outros países europeus e, sobretudo, continuamos a diagnosticar tardiamente». Essa é uma situação que a médica, com longa experiência na área, se afirma apostada em mudar: «temos que continuar a reforçar a deteção precoce, com todos os meios à nossa disposição», concluiu.

 

Dados nacionais:

>Em 2017, houve 1.068 novos diagnósticos de VIH, o que corresponde a uma taxa de 10,4 novos casos por 100 mil habitantes.

>A idade mediana à data do diagnóstico dos novos casos foi de 39 anos, sendo que, nos casos dos homens que têm sexo com homens, a mediana registou o valor mais baixo de todos os grupos, com 32 anos.

>Em 2017, registaram-se 261 mortes em pessoas com VIH, 134 delas em estádio sida, a fase mais avançada da infeção.

>A idade mediana à data da morte foi de 52 anos.

>Entre 1983 e final de 2017, foram diagnosticados quase 58 mil casos de infeção por VIH, dos quais mais de 22 mil atingiram o estádio de sida, tendo ocorrido mais de 14.500 mortes.

>A área metropolitana de Lisboa acumulou 46% dos novos diagnósticos de infeção por VIH em 2017.

>Há uma diminuição de cerca de 40% do número de novos diagnósticos da infeção entre 2007 e 2016. O total anual de novos casos foi sendo crescente entre 1983 e 1999, ano com o maior valor acumulado, observando-se a partir daí uma tendência de diminuição anual.

Fonte: Estudo «Infeção VIH e SIDA: a situação em Portugal a 31 de dezembro de 2017», do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge

 

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