OE 2019: Qualquer referência ao Algarve é mera coincidência

O economista Raul Luz analisa as propostas do Orçamento para o Algarve e conclui que são poucas. Tenta também explicar porquê

O Orçamento de Estado aprovado na generalidade no passado dia 30 de Outubro não traz grandes novidades para o Algarve. Apesar da região algarvia contribuir, segundo dados da CCDR, em perto de 5% para o Produto Interno Bruto nacional, o OE apenas prevê um investimento público na ordem dos 0,2% do total previsto, o que representa cerca de meros 4% do que a região produz, não obstante as notórias e evidentes necessidades de investimento público!

De facto, não se tratando de uma situação exclusiva do Algarve, mas extensível a todo o interior, os recursos gerados por todo o território nacional são dirigidos quase exclusivamente para potenciar o investimento para Lisboa e Porto, não contribuindo em nada para a diminuição das assimetrias que se registam no panorama nacional que, assim, tenderão a aumentar.

Veja-se o exemplo da redução tarifária prevista para os passes sociais dos transportes públicos, aplicável exclusivamente às áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto.

No que respeita à saúde, nada se encontra previsto relativamente à premente necessidade de construção de um novo hospital central que dê real resposta, quer ao nível de capacitação, quer ao nível de qualificação, apesar de estar identificada como segunda prioridade nacional num estudo técnico de 2006, encomendado pelo governo de então.

Em relação às acessibilidades, o deplorável e gritante estado em que se encontra a EN125 não fez vislumbrar qualquer verba para a sua requalificação, apesar dos inúmeros anúncios de obras que, em termos práticos, pouco ou nada significaram.

Apesar de a alternativa poder passar pela abolição das portagens na Via do Infante, o executivo preferiu ignorar as dificuldades com que os algarvios se deparam nas suas deslocações diárias.

A reduzida oferta de habitação configura um constrangimento regional adicional, provocando aumentos dos valores praticados, já de si inflacionados pelo turismo e pela grande atratividade para residentes estrangeiros.

Trata-se de um obstáculo estruturante, uma vez que o Algarve se depara também com escassez de mão-de-obra, podendo a solução passar pela deslocalização de trabalhadores em situação de desemprego noutras regiões.

No entanto, sendo este um cenário praticamente impossível, por a região não conseguir absorver mais população devido à falta de habitações disponíveis, perdeu o governo mais uma oportunidade para definir políticas de incentivo ao arrendamento e à mobilidade que permitissem conter a especulação e, simultaneamente, reduzir o desemprego a nível nacional.

Quanto ao arrendamento, já se havia optado por encarar o Alojamento Local como a razão do problema, quando este tem contribuído para a reabilitação de prédios que se encontravam devolutos, para a criação de emprego e para a dinamização económica descentralizada.

Apesar do fenómeno já se verificar há vários anos no Algarve, apenas após os primeiros efeitos se fazerem sentir em Lisboa e no Porto se avançou para a sua regulamentação.

E, pese embora nem todas as medidas terem sido negativas, constatou-se que algumas delas são penalizadoras e dissuasoras para o empreendedorismo nesta área.

A questão do arrendamento deverá ser analisada de forma isolada, podendo a solução passar por isentar de IRS, por um período de 3 a 5 anos, as rendas recebidas pelos proprietários que invistam na reabilitação dos imóveis com a finalidade do arrendamento de longa duração.

Esta medida teria muito mais efeitos práticos do que a redução prevista no orçamento de 50% no IRS dos emigrantes que regressarem.

Ainda em relação a esta matéria, optou o governo por reduzir as propinas do ensino superior, o que, apesar de positivo, poderá colocar em causa a situação financeira já debilitada de uma boa parte das universidades e não resolve o problema mais premente da falta de alojamento para os estudantes deslocados, onde Faro não é exceção, não obstante ter sido criada a possibilidade de dedução em sede de IRS dos valores suportados com as rendas.

Outro dos aspetos ignorados neste OE prende-se com o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) e a sua suposta neutralidade fiscal. Com efeito, o imposto havia sido alterado de modo a compensar a redução da receita proveniente do IVA por via da quebra do preço do petróleo e, consequentemente, do preço dos combustíveis.

Assim, sempre que a cotação do petróleo baixasse, o preço dos combustíveis manter-se-ia inalterado, recaindo sobre os consumidores a responsabilidade de garantir ao Estado a mesma receita.

Quando o preço do petróleo aumentasse, o ISP diminuiria, de modo a que os consumidores não sentissem na sua carteira o efeito desse aumento, mantendo ainda assim o governo a receita fiscal.

Atualmente, temos assistido ao aumento do preço do petróleo sem que nada seja feito quanto ao ISP, recaindo exclusivamente sobre os portugueses o efeito daquele aumento.

Ou seja, o Estado pediu aos cidadãos para temporariamente suportarem a manutenção da receita, prometendo que, quando a situação se invertesse, os compensaria e, num cto de discutível boa-fé, não o faz, apesar de mais de 50% do preço de um litro de combustível representar impostos!

Mais, no que respeita ao Algarve e às regiões do interior, a proximidade da fronteira provoca uma deslocalização para Espanha de atividades económicas por via desta diferenciação de preços nos combustíveis.

Com efeito, a diferença ultrapassa em determinados casos 0,30€/litro, o que significa que num depósito de 60 litros, a diferença seja superior a 18€.

Se considerarmos esta realidade com a do gás propano, cujo preço em Espanha corresponde a metade do praticado em Portugal, e ainda que o IVA espanhol na restauração é de 10%, enquanto o português varia entre 13% e os 23%, facilmente se compreende o programa de fim-de-semana de grande parte dos algarvios e o tráfego para as cidades espanholas vizinhas, para desespero dos empresários, comerciantes e lojistas portugueses.

É caso para pensar se o Orçamento de Estado espanhol não produzirá mais efeitos na economia algarvia do que o português!

 

Porquê?

Podemos e devemos perguntar-nos porque razão o Algarve não tem peso suficiente para que lhe seja dada a devida importância pelo poder central.

Afinal, trata-se de uma das regiões mais produtivas e acolhe no Verão uma população que chega a triplicar a sua população residente.

Para além disso, contribui fortemente para a visibilidade e notoriedade externa do país, pelo facto de ser um dos destinos turísticos mais conhecidos e conceituados da Europa. Ainda assim, Lisboa e os seus governantes continuam a desconsiderar o Algarve.

E porquê? Porque, salvo desabafos e “iniciativa cívica” evidenciadas diariamente nas redes sociais, a maioria entende que as questões políticas não são do seu interesse, não os afetam, e não lhe dão a devida importância.

A isto acresce um poder político regional que tem um reduzido peso a nível nacional, desde logo porque não tem demonstrado real capacidade de agregação, sobrepondo-se frequentemente as cores políticas aos interesses regionais.

Apesar da existência de uma Comunidade Intermunicipal, as motivações dos seus representantes seguem muitas vezes princípios de dinâmica de grupo que não divirjam das orientações e políticas centrais, sobrepondo interesses políticos e pessoais àqueles pelos quais foram eleitos.

Certamente que todos reconhecemos estes factos, mas importa relembrar que, nas últimas eleições legislativas, 48,62% dos algarvios não votaram, sendo talvez esta a melhor explicação para o atual rumo dos acontecimentos.

 

Quem é Raul Luz?
Nascido em Faro em 1980, onde atualmente reside, Raul Afonso Luz viveu até aos 24 anos em São Brás de Alportel, onde fez todo o seu percurso escolar.

Em 1998, ingressou na Faculdade de Economia da Universidade do Algarve, tendo terminado em 2002 a sua Licenciatura em Economia.

Iniciou desde logo o seu percurso profissional numa das maiores IPSS nacionais, a Fundação António Silva Leal, tendo desempenhado as funções de Técnico de Contabilidade (2002-2004), Gestor de Clientes (2004-2009) e Diretor de Recursos Humanos (2009-2015), assumindo desde 2014 o cargo de Diretor Financeiro da Instituição.

É Consultor Independente e Contabilista Certificado de várias empresas de diversas áreas de negócio, desde 2007.

 

Nota: artigo publicado ao abrigo do protocolo entre o Sul Informação e a Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas

 

 

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