Há um português que analisa a psicologia tanto de criminosos como de polícias

Entrevista a Francisco Gonçalves, doutorando em criminologia e psicologia clínica na Universidade de Leicester, no Reino Unido

«As pessoas têm prazer em apoiar investigação e existem bastantes ONG que trabalham em parceria com universidades em áreas específicas», diz Francisco Gonçalves, doutorando em criminologia e psicologia clínica na Universidade de Leicester, no Reino Unido.

GPS – Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?

Francisco Gonçalves – Sou psicólogo clínico e forense e trabalho como tal. Realizo a prática da psicologia e psicoterapia de apoio na área clínica. Faço avaliações de personalidade na área forense.
Até ter iniciado o meu doutoramento, digamos que sempre estive numa espécie de linha da frente da intervenção.
Durante o meu doutoramento em criminologia e psicologia, podemos dizer que conheci o back office de uma investigação criminal, i.e., como funcionam todos os procedimentos que são necessários desde que uma investigação forense começa até que a mesma se finde num relatório e seja encaminhada a um tribunal.

GPS – Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

FG – Existem dois trabalhos distintos de que posso colocar o chapéu: o de psicólogo clínico e forense, onde a parte mais interessante é de facto a avaliação da personalidade de cada pessoa. E onde o mais importante, para mim, é saber o porquê, não se foi a pessoa que cometeu determinado crime ou não, mas sim o que aconteceu a nível emocional e cognitivo para que isso acontecesse.
Por outro lado, enquanto investigador em criminologia e psicologia, a parte mais entusiasmante do meu trabalho não é a pequeníssima parte que se assemelha ao que vemos em séries de televisão como o CSI, NCIS, o Criminal Minds ou Hunter.
A parte mais interessante é conseguir perceber todos os procedimentos que são necessários a que uma investigação criminal aconteça. Muitas pessoas imaginam que uma investigação criminal é feita com tecnologia totalmente automatizada. Isso não é verdade. Há uma grande parte que continua a ser realizada com a expertise humana.
A interação Homem-Máquina e os outros procedimentos que acontecem no dia-a-dia de uma investigação criminal podem, por vezes, levar a que se cometam erros, devido a enviesamentos cognitivos, a área em que me tenho vindo a especializar dentro da criminologia.
Essa é a parte interessante. Perceber quais são os erros que se cometem ao longo do caminho e o porquê, acima de tudo. Uma prova disso mesmo é o facto de, durante o meu doutoramento, ter sido convidado a fazer tarefas como recrutamento e seleção de peritos de polícias judiciárias a nível internacional, ter feito parte de grupos que desenvolveram planos de formação para acreditação de laboratórios forense e ainda ter conhecido prisões de alta segurança.
Algo que em Portugal infelizmente nunca aconteceu.

GPS – Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?

FG – Eu conheci a Lisa Smith, a minha supervisora de doutoramento, numa conferência da Sociedade de Ciências Forenses Britânica. Fiquei com uma excelente impressão e vontade de trabalhar com ela. Parecia-me uma daquelas pessoas brilhantes que encontramos poucas vezes pelo nosso caminho.
Após essa conferência, vim a saber que havia uma ITN da Marie Curie aberta para 10 bolsas de doutoramento na University of Leicester. Sendo Leicester um dos maiores marcos na história das ciências forenses e uma bolsa Marie Curie uma das melhores bolsas existentes a nível mundial para realizar um doutoramento, a resposta era sim ou sim!
Durante a minha estadia no Reino Unido, tive a oportunidade de visitar vários parceiros académicos e stakeholders da minha investigação.
A realidade académica que encontrei foi uma realidade mais meritocrática e eventualmente com uma organização mais rígida. Isso tem as suas coisas boas e as suas coisas menos boas, claro.
Senti também que o apoio da sociedade à investigação era bastante forte. As pessoas têm prazer em apoiar investigação e existem bastantes ONG que trabalham em parceria com universidades em áreas específicas.
Percebi que trabalhar em conjunto é algo que acontece na maioria das vezes e já faz parte da máquina académica. É fácil de perceber. Uma pessoa publica o dobro se trabalhar com outras pessoas.
Em alguns países guardam-se as ideias e depois as mesmas acabam por nunca sair da gaveta. Ainda, senti que em alguns países, achar-se que se é um excelente académico é algo que faz parte e é bem visto.
Talvez seja controverso, mas acho que os britânicos têm algo (talvez em excesso por vezes) que os Portugueses têm em defeito. Chamemos-lhe orgulho no que fazem. Claro que o apoio do Estado e da sociedade ajudam muito a que isto aconteça.

GPS – Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

FG – Acredito que não tenho uma opinião tão fundamentada como a de alguém que esteja há mais tempo na academia. Estive três anos e meio fora e conheci muitas realidades.
É fácil dizermos “ali faz-se assim e é melhor” sem conhecer os meandros da nossa casa. Em todos os países que visitei, o Estado tem um papel fundamental no apoio à investigação.
Por exemplo, na Suíça, é (na maioria dos casos) impensável um aluno de doutoramento trabalhar sem receber um ordenado.
Parece-me que trabalham mais, mas estão a trabalhar na academia, a desenvolver investigação e a receber um ordenado pago pela universidade.
No Reino Unido, membros do governos que não sejam apenas os ligados ao ensino superior interessam-se pela investigação. Há um interesse genuíno em conseguir saber mais, ir mais além na barreira do conhecimento.
Acho que isso é algo cultural e que promove posteriormente o tal orgulho que se tem. Pessoas na rua, num pub dizem-te “deves estar orgulhoso de estar numa universidade onde foi descoberto o DNA Fingerprinting” e nós na verdade temos de concordar. Estamos, e muito!
E tanto falam connosco sobre investigação pessoas que trabalham com prémios Nobel, como falam pessoas que trabalham num café. É algo intrínseco. Em Portugal, tenho sido muito bem recebido no meu regresso. Fui convidado para colaborar com o CIS-IUL no ISCTE-IUL e a equipa que até agora conheci é muito boa. Não tem a ver com as pessoas. Tem a ver com uma camada maior, o Estado e a Sociedade.
Na minha área em concreto, acredito que o investimento na área das ciências forenses e da justiça tem sido maior do que no passado, mas na verdade não sei qual a resposta certa.
Existem concursos, por exemplo, que demoram muito tempo a abrir; em contraste, todas as semanas recebo notícias de outros países sobre fundos académicos e/ou concursos públicos para trabalhar na área.
Acredito que o caminho para reter pessoas com uma experiência semelhante à minha ainda vai ser longo. Quero acreditar que isso acontece por variáveis que me ultrapassam, mas seria ótimo ver Portugal a investir na área académica, e especificamente na área da Justiça, um dos pilares de uma sociedade.

GPS – Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

FG – Quando ouvi falar do GPS, foi através do David Marçal e do Carlos Fiolhais. Eu pertencia à Comissão Executiva da PARSUK e durante um dos eventos que realizámos, o LUSO, ouvimos falar da iniciativa.
Pareceu-me algo excelente, a possibilidade de ter numa rede de investigadores portugueses que se podem conhecer e saber onde cada pessoa está. Penso que haverá um obstáculo apenas, o facto de existirem já inúmeras redes sociais e a GPS ter de se incluir como um ponto-chave para académicos portugueses. O trabalho, pelo que tenho visto, está a ser bem feito e, passo a passo, a aumentar o seu impacto.
Um coisa que não vi acontecer ainda é haver eventos presenciais com maior regularidade, onde académicos se juntam e discutem.
Outra possibilidade será abrir caminho para que académicos mais novos cheguem junto de académicos mais experientes. Vê-se muito isso fora de Portugal. Toda a gente sabe que professor X tem título de Sir da Royal Academy of Sciences, mas ele não tem qualquer problema em ser desafiado por pessoas mais novas.
Acho que, da mesma forma que o orgulho deveria ser adotado, esse orgulho deveria ser contra-balanceado com uma boa dose de humildade, para que não se caia, eventualmente até sem querer, numa espécie de arrogância, que leva os mais novos a ficarem afastados de pessoas com maior impacto na ciência.

 

Consulte o perfil de Francisco Gonçalves no GPS.
GPS é um projeto da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a agência Ciência Viva e a Universidade de Aveiro.

 

Autor: GPS/Fundação Francisco Manuel dos Santos
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

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