Órgão de tubos da Igreja de Portimão estará restaurado a tempo do festival

Quando começou a intervenção, o mestre organeiro verificou que o instrumento precisava de uma reparação mais profunda

Os tubos, o someiro, o fole, cujas peles estavam «completamente podres». Estas foram as principais peças que o mestre Dinarte Machado, o mais famoso organeiro português, teve de reparar no órgão de tubos da Igreja Matriz de Portimão, cujo restauro estará «prontinho» a tempo do concerto do Festival de Órgão do Algarve, marcado para 3 de Novembro.

O restauro do instrumento, construído em 1886, começou no passado dia 13 de Agosto e era para ter sido mais simples e rápido. Mas, segundo revelou ao Sul Informação o padre Mário Sousa, pároco da Matriz de Portimão, o mestre Dinarte «verificou que a intervenção tinha de ser mais profunda», pelo que «levou algumas peças consigo, para as reparar».

Na sexta-feira e sábado passados, o mestre Dinarte e dois dos seus ajudantes estiveram na Igreja a montar as peças que tinham sido levadas para reparação, num trabalho minucioso. «Depois só tenho que vir cá uns dias antes do concerto, para uma afinação final», disse Dinarte Machado à nossa reportagem.

«Quando aceitei este trabalho, porque o órgão tinha sido sujeito a um restauro recentemente, pensei que ia encontrar o instrumento em muito melhor estado. O que estava previsto era fazer uma limpeza e afinação. Mas não estava à espera de encontrar estes problemas, que nos obrigaram a desmontar o instrumento na totalidade», acrescentou.

«Já levo 30 e tal anos de organaria e ainda continuo a deparar-me com estas situações. Que isto sirva de exemplo: quando se faz uma intervenção, sem verbas que permitam uma intervenção de fundo, o pouco que se fizer que seja bem feito. E isso não aconteceu aqui. Até encontrei peças coladas com fita cola…», lamentou Dinarte Machado.

Não admira, assim, que os organistas convidados pelo Festival de Órgão do Algarve para tocar na Igreja de Portimão se queixassem da qualidade do instrumento.

«Nos últimos anos, a Associação Música XXI, em parceria com o Município e com a Paróquia, tem trazido à nossa Matriz o Festival de Órgão do Algarve. No entanto, os organistas sempre se queixaram (e com razão) das condições do órgão. Era uma pena ter um instrumento destes e ele não estar a funcionar bem», disse o Padre Mário Sousa ao nosso jornal.

Dinarte Machado explicou ao Sul Informação que o órgão da Igreja Matriz de Portimão é um «instrumento da segunda metade do século XIX, de construção tipicamente inglesa, o que é normal, devido à nossa grande relação com os ingleses».

«Não sei se antes a igreja não tinha órgão ou se o anterior foi substituído. Essa investigação deixo para os musicólogos». Certo é que este instrumento trouxe «uma nova forma de ouvir, diferente de um órgão português, mais próximo da tradição latina». A substituição aconteceu ao longo do século XIX, noutros locais do país, como Lisboa, a Madeira, Lisboa ou mesmo no sul.

«Um organeiro é um técnico e o objetivo do seu trabalho é recuperar um instrumento ou construir um instrumento novo. Um órgão é um instrumento secular e a sua recuperação é importante pelo peso do seu valor histórico».

Dinarte Machado acrescentou que estes instrumentos de características inglesas eram «construídos sempre ou quase sempre com registos inteiros, ou seja, quando o organista puxava o registo, havia som do teclado todo. Segundo a prática nacional, os órgãos eram construídos com meios registos, o que acontecia só em Portugal e Espanha. Este instrumento foi adaptado quando foi oferecido ou comprado para esta igreja de Portimão, para ter o tal meio registo. Isso proporciona que um órgão de um só teclado [como é o caso] pareça que tem dois teclados».

Para o mestre organeiro, trata-se de uma «adaptação muitíssimo inteligente», porque «aumenta a rentabilidade deste instrumento no conceito concertístico». «Dentro das suas características, este órgão tem uma qualidade excelente», garantiu.

Ora, segundo Dinarte Machado, o órgão tinha sido, recentemente, sujeito a uma «intervenção infeliz», que «não melhorou o instrumento, nem suprimiu os seus problemas. Mas fez com que as pessoas pensassem que o instrumento estava em condições. O certo é que não era possível usar o pleno do instrumento!». E os organistas que por ali passaram nos últimos anos, para os concertos do festival, deram conta disso e queixaram-se.

O restauro do instrumento secular é custeado pela Câmara de Portimão e atinge um montante de perto de 20 mil euros.

A reparação, garantiu o Padre Mário Sousa, «permitirá colocar a cidade de Portimão no roteiro dos concertos de órgão». O primeiro será já a 3 de Novembro, na abertura de mais uma edição do Festival de Órgão do Algarve. Nessa altura, garante o mestre Dinarte Machado, «o organista sabe que poderá utilizar toda a registação do instrumento».

 

Festival de Órgão do Algarve tem papel «absolutamente admirável»

Dinarte Machado, considerado o melhor mestre organeiro do país e um dos melhores da Europa, manifesta-se um apoiante do Festival de Órgão do Algarve desde o seu início.

«Sempre apoiei o Festival, embora de início tenha tido algum medo de que não tivesse sucesso. A Patrícia [Neto Martins] apostou desde o início em organistas jovens, que não eram ainda conhecidos, e isso foi um risco. Mas hoje o Festival tornou-se um evento grande e representativo. Já existe aqui um público e, ao contrário do que eu estava à espera, na sua maioria são portugueses. A cultura vive desta pluralidade e da comunicação».

Este Festival, organizado pela Associação Música XXI, da qual Patrícia Neto Martins é dirigente, «tem incentivado os locais a ter os instrumentos conservados e a restaurá-los».

O mestre Dinarte considera que este órgão de Portimão «encaixa no conjunto dos instrumentos existentes no Algarve».

Além disso, revelou ao Sul Informação, talvez na edição do próximo ano do Festival possa ser acrescentado um novo instrumento e local de concerto. É que o mestre organeiro está «neste momento, quase na fase final do restauro do órgão da Igreja do Carmo, em Tavira. Será um órgão que permitirá alargar o repertório dos organistas, porque tem dois teclados manuais e pedal».

«Há mais órgãos no Algarve, dos séculos XVIII e XIX, além dos que já são utilizados no Festival. Mesmo em Tavira, existem mais dois órgãos em igrejas conventuais, que estão fechadas», acrescentou.

Por tudo isso, e em nome da defesa de um património musical que só enriquece o Algarve, Dinarte Machado salienta o papel «absolutamente admirável» que o Festival de Órgão tem desempenhado.

Pelo 11º ano, a Associação Cultural Música XXI organiza o Festival de Órgão, mantendo uma abrangência geográfica estendida. O evento decorrerá no mês de Novembro, com 14 concertos distribuídos por igrejas de Faro, Tavira, Loulé (Boliqueime) e Portimão.

O Festival de Órgão é um evento que, desde 2007, se tem afirmado como evento âncora e vindo a ampliar a sua abrangência, conquistando público nacional e também estrangeiro. Único na região do Algarve, oferece a possibilidade de fruição de órgãos históricos, com destaque para o da Sé de Faro de referência além-fronteiras.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

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