Todos podem ser Guardiões e continuar a ajudar na conservação dos charcos temporários

Projeto termina este mês e o balanço «é muito positivo» nos charcos intervencionados

projeto LIFE Charcos termina no final deste mês de Setembro, mas todos podem ajudar a que a conservação dos charcos temporários mediterrânicos na Costa Sudoeste continue. A rede de custódia “Os Guardiões dos Charcos” quer juntar particulares, escolas ou até entidades públicas e privadas para que o muito que foi feito, ao longo dos cinco anos de projeto, não vá por água abaixo. 

A sessão pública de encerramento do projeto LIFE Charcos decorreu na passada quinta-feira, 20 de Setembro, em Odemira, e juntou todos os parceiros deste projeto: a Liga para a Proteção da Natureza (LPN), as Universidades de Évora e do Algarve, a Câmara de Odemira e a Associação de Beneficiários do Mira.

O Sul Informação também marcou presença e falou com a bióloga Rita Alcazar, técnica da LPN e uma das responsáveis pelo projeto, que fez um balanço «muito positivo» deste projeto, mas, alertou, «temos de esperar para ver o impacto daquilo que fizemos».

E é aqui que entra o objetivo da rede de custódia “Guardiões dos Charcos Temporários”, na qual todos se podem inscrever, clicando aqui.

«Esta é uma forma que encontrámos de dar continuidade ao projeto. Um guardião dos charcos pode ser o proprietário de um terreno onde haja este habitat, uma escola ou até um cidadão comum. É uma nova etapa de maior envolvimento. Só assim é que conseguimos sensibilizar todos para a proteção e necessidade de conservação deste habitat», explicou Rita Alcazar.

Rita Alcazar

A colaboração passa por participar na sensibilização ambiental e na disseminação de boas práticas relacionadas com os charcos, em divulgar a Rede de Custódia ou até em apadrinhar um charco temporário.

«Gostaríamos de ter muitos guardiões. Temos a noção de que, se calhar, há mais pessoas que assumem esse papel do que aquelas que assinam mesmo o compromisso connosco. É que temos verificado que existe alguma dificuldade de as pessoas darem este passo de compromisso», lamentou a bióloga.

Mas aderir à rede de custódia não tem custos alguns. «Pode ir de coisas tão simples como falar com os amigos sobre a questão ou ir ao charco temporário para verificar se tem água ou não», disse.

Desde Julho de 2013 que este projeto está ativo e, segundo a responsável, há resultados à vista.

«Conseguimos cumprir o que estava previsto e, em alguns casos, até ultrapassámos as metas. Tínhamos previsto intervir em 10 a 15 charcos e conseguimo-lo em 26. São intervenções de gestão do habitat que vão agora perdurar no tempo e esperemos ter capacidade para continuar a monitorizar os resultados», explicou.

Todo o projeto teve o objetivo de conservar os charcos temporários mediterrânicos, um habitat considerado prioritário, pois reúne as condições favoráveis a um elevado número de espécies raras e ameaçadas, como é exemplo o Triops Vicentinus, uma espécie endémica e a mais emblemática dos Grandes Branquiópodes.

Este Triops vicentinus é mesmo considerado um fóssil vivo, pois persiste desde os tempos em que surgiram os dinossauros (entre 199 milhões e 145 milhões de anos atrás).

«Conseguimos alcançar algum conhecimento base, nomeadamente em termos de uma cartografia atualizada e cientificamente validada de todos os charcos temporários. Esta é uma ferramenta de base para as entidades que trabalham na gestão e ordenamento de território para melhor garantirem uma preservação dos charcos», adiantou Rita Alcazar.

Além disto, o projeto LIFE Charcos permitiu a criação de uma «base de dados com informação da biodiversidade de cada charco temporário, que nos sirva de referência para, em trabalhos posteriores, se poder fazer comparações para ver se piorou ou melhorou».

Uma das mais valias de toda a iniciativa, no entender de Rita Alcazar, também foi o facto de o conhecimento sobre os charcos temporários se ter expandido. «No meio académico, era um tema de que já se falava, mas o projeto permitiu que outros públicos começassem a ouvir falar desta questão», nomeadamente as escolas, disse.

Por isso, um dos pontos importantes foi a criação «de um manual de reconhecimento simplificado, para que pessoas que não sejam especialistas consigam, no campo, fazer uma identificação e serem vigilantes do estado de conservação deste habitat». Também foi feito um banco de germoplasma, numa salvaguarda genética para o futuro.

E a verdade é que já «começamos a ter os primeiros resultados». «Quando estamos a falar de sistemas naturais, são sistemas que demoram tempo a reagir e não é nunca muito imediata a resposta. Se calhar, precisávamos de outro tanto tempo de projeto para continuar, mas temos bons indícios de que as intervenções que fizemos são adequadas, porque contribuíram para melhorar o estado de conservação dos charcos temporários», explicou Rita Alcazar.

Segundo os investigadores deste projeto, no global, há «uma maior riqueza de plantas» nos charcos, um resultado que já era esperado porque parte das intervenções foram dirigidas à reposição da topografia.

«Agora, os charcos intervencionados apresentam uma topografia mais adequada, com melhor distribuição e estruturação das cinturas de vegetação, o que permite que as espécies recolonizem o seu habitat natural, melhorando assim o seu estado de conservação», explicam os investigadores.

Num dos charcos, por exemplo, não havia nenhum exemplar de Grandes Branquiópodes e as ações de conservação permitiram que surgisse um camarão-fada (Branchipus cortesi), de acordo com dados divulgados pela investigadora Margarida Cristo, da Universidade do Algarve.

Quanto às monitorizações de anfíbios nos charcos intervencionados, estas terminaram no fim de Maio passado, tendo sido detetadas 10 das 13 espécies conhecidas na Costa Sudoeste, nomeadamente salamandra-de-costelas-salientes, salamandra-de-pintas-amarelas, tritão-pigmeu, rã-de-focinho-pontiagudo, sapo-comum, sapo-corredor, rã-verde, sapo-de-unha-negra, rela-meridional e o sapinho-de-verrugas-verdes-lusitânico. As últimas três foram as espécies mais detetadas.

«No geral, as ações de restauro e recuperação dos charcos tiveram um efeito positivo nas comunidades de anfíbios, tendo-se verificado não só um aumento do número de espécies, mas também da abundância, quando comparado à análise antes das intervenções. Também houve um aumento do número de espécies a reproduzirem-se dentro destes charcos intervencionados», acrescentam os investigadores ligados a esta componente.

No caso dos morcegos, a monitorização foi efetuada através da colocação de gravadores especiais que registam as frequências sonoras que os morcegos emitem para se orientar, sendo que se recolheu um elevado número de registos, que ainda se encontram em análise.

Quanto aos crustáceos, a chegada tardia da chuva baralhou um pouco as coisas: «apesar do regime pluvial deste último ano ter sido um pouco atípico, o que fez com que o hidroperíodo começasse mais tarde, em Março. em vez de Novembro, como é normal, as comunidades dos crustáceos de Grandes Braquiópodes encontram-se estáveis».

O único facto a assinalar é que foram encontrados exemplares adultos da espécies Tanymaxtix stagnalis num charco temporário do concelho de Vila do Bispo, «onde já se tinha encontrado cistos [ovos] desta espécie no sedimento, mas nunca antes se tinha visto exemplares adultos

No que diz respeito aos micromamíferos, nomeadamente para as duas espécies amostradas, o rato-de-Cabrera e o rato-de-água, a sua frequência continua a ser «relativamente escassa».

Estes são os dados e agora, para Rita Alcazar, o pós projeto «tem de ser pensado muito numa ótica de trabalhar em articulação ainda com mais entidades».

«Há trabalho como fiscalização e monitorização que pode ser feito por entidades oficiais ou pelas universidades através dos seus estudantes de doutoramento e mestrado», considerou.

Também podem vir a ser implementadas medidas agroambientais, que prevejam financiamento aos proprietários que têm, nos seus terrenos, charcos temporários, para que utilizem o dinheiro na preservação deste habitat. Só que tais medidas ainda não existem e terão de ser «trabalhadas agora».

Certo é que as ameaças à conversação dos charcos temporários continuam. A fertilização e uso de agroquímicos, trabalhos de drenagem e as próprias alterações climáticas podem afetar este habitat natural tão importante, bem como a agricultura intensiva, de que são exemplo as estufas, um fenómeno que tem vindo a crescer no Sudoeste Alentejano. E nem o facto de grande parte da área onde decorreu o LIFE Charcos se situar em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina diminuiu essas ameaças.

«Não é possível compatibilizar esse tipo de agricultura com os charcos. Os agroquímicos acabam por afetar o seu estado de conservação», explicou Rita Alcazar, apesar de «a maior parte da área dentro do perímetro de rega do Mira não ter charcos temporários. Há alguns na área de irrigação, mas não são muitos», revelou.

Quanto à conservação dos charcos temporários, é preciso ter sempre em atenção «cada caso», como explicou, na sessão de encerramento, Carla Pinto Cruz, da Universidade de Évora.

«Tudo tem de ser feito em resultado de uma análise que não pode ser igual para todos os charcos. Os resultados dizem que é possível correção, mas com alguma cautela», disse.

Ainda assim, há algumas normais gerais de boas práticas, como, por exemplo, fazer o pastoreio só na época de Verão, não drenar os charcos, nem os encher artificialmente.

Estas medidas vão estar incluídas num Manual de Boas Práticas para a Conservação dos Charcos Temporários, a ser ainda editado.

Além da já falada rede de custódia, espera-se que perdure no tempo e dê frutos a sensibilização ambiental feita em 26 escolas, dos concelhos de Vila do Bispo, Odemira e Sines, num total de 149 turmas e 3060 alunos.

«Houve uma forte componente de educação ambiental. Esperamos ter deixado aqui uma semente forte para as gerações futuras», concluiu Rita Alcazar.

O Projeto LIFE Charcos, que termina no final deste mês de Setembro, é coordenado pela Liga para a Proteção da Natureza, em parceria com a Universidade de Évora, Universidade do Algarve,  Município de Odemira e Associação de Beneficiários do Mira e conta com cofinanciamento da Comissão Europeia.

 

Fotos: Pedro Lemos | Sul Informação

 

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