Governo aprova primeiro pacote sobre descentralização mas municípios ainda querem “ver” o dinheiro

Generalidade dos autarcas está de acordo com a descentralização de competências, desde que seja acompanhada pelas verbas necessárias para dar conta do recado

Foto: Gonçalo Dourado

O Governo aprovou esta quinta-feira, dia 13 de Setembro, o primeiro conjunto de diplomas da lei que estabelece a transferência de competências do Estado central para as autarquias locais. Os documentos aprovados em Conselho de Ministros são indispensáveis para aplicação da nova lei, aprovada há menos de um mês, e para que os municípios que assim o desejem assumam, já em 2019, alguns dos poderes que serão descentralizados.

Os diplomas aprovados ontem dizem respeito a diversas áreas, entre as quais justiça, policiamento de proximidade, promoção turística, proteção civil, licenciamento de jogos e limpeza de zonas balneares. Ou seja, ainda não foram aprovados os documentos que regulamentarão outros setores, bem mais quentes, como a saúde e a educação.

Da parte das autarquias, nomeadamente as do Algarve, a posição é clara: mais competências só serão bem-vindas se acompanhadas de financiamento suficiente.

Afinal, há muito que os municípios portugueses assumem competências que eram, por norma, do Estado central, como, por exemplo, a gestão das escolas de ensino básico. Mas, até agora, este assumir de responsabilidades era feito no âmbito de uma contratualização. Com a nova lei, passa a ser uma competência geral das autarquias, ou seja, obrigatória.

Ainda assim, haverá um período de adaptação, em que a transferência de competências é voluntária. Até às próximas eleições autárquicas,  que terão lugar no Outono de 2021, as Câmaras e Juntas de Freguesia apenas assumirão aquilo que entenderem – podendo, mesmo, não aceitar nenhuma nova incumbência.

Certo é que a descentralização de poderes é uma exigência que tem vindo a ser feita, ao longo dos anos, por muitos autarcas do país. Daí que esta reforma seja encarada como positiva pela larga maioria dos autarcas do país. Isto, claro, se às novas responsabilidades estiverem associadas verbas em conformidade.

É que, na visão do poder local, tão importante como quais as competências que o Governo quer transferir para as autarquias é o envelope financeiro que será associado a cada um dos diplomas que forem aprovados.

Esta mensagem foi, de resto, transmitida diretamente a António Costa pelo presidente da Câmara de Loulé Vítor Aleixo, aproveitando a presença do primeiro-ministro na inauguração do Conservatório de Música de Loulé, esta quarta-feira. O edil louletano saudou a transferência de competências que se avizinha e afirmou-se «pronto para assumir as responsabilidades nesta área da educação, no pressuposto natural de que os meios a disponibilizar estejam à altura dos desafios».

António Costa também abordou o tema, no seu discurso, elogiando Loulé por «ser desde sempre uma terra de cultura e onde, exemplarmente, o Município tem um compromisso efetivo com a cultura e com a educação, demonstrando bem que a descentralização não é nenhum papão, mas sim uma parceria e uma forma de trabalharmos em conjunto, sabendo que se trabalharmos em conjunto conseguimos fazer muito mais do que se cada um puxar para o seu lado».

No Algarve, há outros autarcas que, como Vítor Aleixo, aplaudem a medida, mas há também quem já tenha decidido recusar, para já, a transferência de competências. E nem sequer é uma questão de orientação política.

O social-democrata Francisco Amaral, presidente da Câmara de Castro Marim, disse ao Sul Informação «estar de acordo com este processo de descentralização», idealizado pelo Governo socialista de António Costa e que teve o apoio do seu partido, na Assembleia da República, já que a transferência de mais competências para o poder local era algo que defendia há muito. «Acho que quem está mais próximo da população é que sabe com que linhas é que se cose e tem melhores condições para decidir», afirmou.

Isto, claro, se as competências «vierem acompanhadas do correspondente pacote financeiro», que é, na visão do autarca algarvio, «o mais importante».

Ainda assim, Francisco Amaral não assume se Castro Marim irá aceitar, desde já, competências que antes eram do poder central. «Ainda estou à espera de que saiam os diplomas setoriais e os envelopes financeiros. De qualquer forma, como não tenho maioria na Câmara, terei sempre de negociar com a oposição», disse, em entrevista ao Sul Informação.

Quem tem a maioria na Câmara de Lagoa e até foi eleito pelo mesmo partido que está no Governo, o PS, é Francisco Martins. Ainda assim, este presidente de Câmara algarvio já fez saber que não irá aceitar a transferência de competências, por considerar «insuficientes» as verbas que lhe estarão associadas.

Em causa estão áreas como a da saúde, já que a nova lei prevê a passagem da gestão das unidades de saúde de proximidade, como os Centros e as Extensões de Saúde, para a esfera municipal.

Jorge Botelho, presidente da AMAL – Comunidade Intermunicipal do Algarve e da Câmara de Tavira, não duvida que, «de uma forma geral, os autarcas consideram a descentralização um bom princípio». O facto de alguns presidentes de Câmara, nomeadamente do seu familiar socialista Francisco Martins, dizerem que não há condições para assumir novas competências é, ainda assim, visto como algo «natural», tendo em conta «o adiantado do ano».

É que os municípios, segundo estipulou a lei aprovada a 16 de Agosto de 2018, tinham até dia 15 de Setembro para se mostrar disponíveis para assumir novas competências. Esse prazo foi, entretanto, prorrogado, tendo em conta que, neste momento, apenas foi aprovada uma pequena parte dos diplomas regulamentadores e nenhum deles nas áreas passíveis de gerar mais dúvidas entre os autarcas.

«Para mim, enquanto presidente da Câmara de Tavira, estas medidas de descentralização são positivas e saúdo-as. Mas é preciso que este processo seja acompanhado de um pacote financeiro adequado», disse ao Sul Informação Jorge Botelho.

Ou seja, é preciso aguardar pela publicação dos diplomas para começar a decidir. «Vamos avaliar as competências que forem descentralizadas e assumir aquelas que acharmos mais pertinentes», disse o edil de Tavira. Isto, claro, até 2021, porque, a partir daí, os municípios deixam de poder optar e terão mesmo de aceitar as novas competências.

Saiba quais as competências regulamentadas pelos diplomas aprovados ontem em  Conselho de Ministros:

Justiça – O decreto-lei aprovado concretiza a transferência de competências para os municípios e para as entidades intermunicipais nas áreas da reinserção social de jovens e adultos, da prevenção e combate à violência doméstica, da rede dos julgados de paz e do apoio às vítimas de crimes.

Policiamento de proximidade – é alterada a composição e funcionamento dos conselhos municipais de segurança, instituindo em cada um deles uma comissão restrita com competências de definição, ao nível estratégico, do modelo de policiamento de proximidade a implementar no município.

Proteção Civil – Entendeu o Governo que, quer as autarquias locais quer as entidades intermunicipais poderão ter um papel mais participativo no apoio aos bombeiros. Neste sentido, o decreto-lei aprovado estabelece que os municípios em cuja área territorial atuem as equipas de intervenção permanente das associações de bombeiros voluntários podem apoiar o funcionamento das mesmas, designadamente comparticipar nos custos decorrentes com seguros de acidentes de trabalho dos elementos que integram as equipa de intervenção permanente e nos custos com a aquisição de equipamentos a elas afetos.

Turismo – Às entidades intermunicipais passa a caber, ainda, o desenvolvimento da promoção turística no mercado interno, em articulação com as entidades regionais de turismo.

Fundos Comunitários – A gestão de projetos financiados por fundos europeus e de programas de captação de investimento passa a ser uma responsabilidade das entidades intermunicipais, atribuindo-se a estas, de acordo com o decreto-lei aprovado, um papel mais ativo na dinamização e promoção, do potencial económico das respetivas sub-regiões.

Jogo – Foi aprovado o decreto-lei que transfere para os municípios a competência para autorizar a exploração das modalidades afins de jogos de fortuna ou azar e outras formas de jogo, nomeadamente rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.

Zonas balneares – a gestão sobre as praias marítimas e sobre as praias fluviais e lacustres integradas no domínio público hídrico do Estado é outra competência transferida para os municípios, passando a caber-lhes, entre outras competências, a limpeza dos espaços balneares e a manutenção, conservação e reparação das infraestruturas e equipamentos aí existentes, bem como a respetiva concessão, licenciamento ou autorização.

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