A especialização estúpida (ou como dificultar o desenvolvimento de uma região)*

Mais um artigo publicado ao abrigo do protocolo entre o Sul Informação e a Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas, desta vez da autoria de Hugo Pinto

Será que neste tempo, de informação e conhecimento, onde é suposto tudo ser inteligente, dos telemóveis às políticas públicas, ainda é possível um território especializar-se estupidamente numa determinada atividade económica?

A pergunta é retórica porque todos sabemos que sim. Existem provavelmente múltiplas formas de o fazer. Vamos reter quatro para esta curta reflexão.

Uma primeira forma de especialização estúpida é bem conhecida do leitor algarvio. Trata-se de concentrar a economia em redor de um setor altamente sazonal, dominado por formas precárias e pouco qualificadas de emprego, pouco interligado a outras atividades económicas, onde a larga maioria das decisões estratégicas e os grandes beneficiários são de fora da região.

Neste caso, pensamos no turismo – em particular nas suas formas menos sofisticadas – mas qualquer aposta num setor com estas características pode ser considerada uma especialização estúpida.

Uma segunda é a concentração de recursos numa atividade que se alicerça numa tecnologia ou matéria-prima que está obsoleta ou que devia tornar-se obsoleta.

Este é o caso do petróleo e outros combustíveis fósseis. Face ao muito negativo impacto que têm no ambiente, o investimento nestas tecnologias representa um elevado custo de oportunidade e um custo-benefício incerto, face a outras tecnologias verdes que terão futuro (e já agora, o planeta também).

Uma terceira forma de especialização estúpida é copiar os outros sem critério, porque nos parecem bem-sucedidos. Investir em TIC, nanotecnologias, biotecnologias ou outros domínios de ponta apenas porque estão na moda e foi bom para outras regiões. Sem garantir massa crítica ou recursos de base, como pessoas, organizações e infra-estruturas.

Uma quarta forma de especializar estupidamente um território é apostar estrategicamente numa atividade apenas porque foi uma aposta bem-sucedida da região no passado.

Num contexto altamente cambiante, é fácil perceber-se que tal opção resulta essencialmente de dependências de trajetória possivelmente ineficientes para o desenvolvimento regional.

Note-se, apesar de estúpidas, estas formas de especialização têm também – como tudo na vida – aspetos positivos, particularmente evidentes quando a atividade em questão beneficia de um contexto internacional favorável, que estimule as suas procuras.

Não deixam de ter potencial económico e criam emprego. Mas são estúpidas porque existem alternativas melhores.

Será então possível os territórios especializarem-se de forma inteligente? A União Europeia acredita que sim e que é mesmo desejável que o façam para aumentar a eficácia dos FEEI – Fundos Europeus Estruturais e de Investimento.

Entre 2014-2020, as RIS3 – Estratégias de Especialização Inteligente foram não só importantes no processo de autodescoberta de cada região para direcionar os recursos disponibilizados pelos programas operacionais, mas também um critério ex-ante obrigatório de acesso aos FEEI.

Para terem sucesso na sua RIS3, é fundamental que as regiões consigam definir uma visão sobre o futuro desejável, selecionar prioridades, implementar ações adequadas.

Em Portugal, quer ao nível nacional, a ENEI, quer ao nível regional, as EREIs, foram até agora essencialmente para “inglês ver” e cumprir o critério de acesso aos FEEI criado por Bruxelas.

O principal das estratégias está por concretizar: os projetos identificados como estratégicos, o modelo de governança partilhada, a monitorização.

O Algarve não tem sido exceção. Apesar de ter apresentado um documento em 2014-2020, com um conjunto de ideias que obtiveram algum consenso regional, a operacionalização efetiva tarda em sair do papel.

A implementação de medidas ligadas à RIS3-Algarve não parece estar a ser capaz de quebrar dependências de trajetória para fazer a mudança que a região precisa em termos setoriais. Faltam atores de inovação no ecossistema. A especialização regional continua a ser essencialmente estúpida.

No entanto, as RIS3 serão novamente uma peça estruturante da Política Regional Europeia no período pós-2020. Possam as regiões portuguesas aproveitar as RIS3 melhor, para se especializarem de forma inteligente.

 

Autor: Hugo Pinto
Investigador e Co-coordenador do NECES – Núcleo de Estudos em Economia, Ciência e Sociedade do Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra; Especialista da Comissão Europeia no tema da Especialização Inteligente e membro da equipa que elaborou a RIS3-Algarve

 

*O conteúdo deste artigo não reflete necessariamente a posição do Centro de Estudos Sociais, nem da Comissão Europeia. A opinião  expressa é da inteira responsabilidade do autor.

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