366 dias a fotografar (quase) a mesma coisa só podia dar em exposição

Exposição patente no CC Lagos pode ser vista até 29 de Dezembro. E merece mesmo uma visita.

Todos os 366 dias de um ano bissexto, entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro e entre as 8 e as 9 horas da manhã, João Mariano pegou na sua máquina e fotografou a paisagem da várzea que se avista da sua casa, em Aljezur, sempre exatamente do mesmo ângulo. A fotografia é sempre igual, poderia pensar-se, mas, na realidade, é sempre diferente.

Dessas 366 fotografias, uma vintena está agora exposta no Centro Cultural de Lagos. A mostra chama-se precisamente «Trezentos e Sessenta e Seis» e abriu no sábado ao final da tarde, numa inauguração concorrida, que contou com a presença dos presidentes da Câmara de Lagos e da Junta de Freguesia de São Gonçalo de Lagos, entre muitos amigos e demais público.

São fotos a preto e branco, já que João Mariano tem preferido trabalhar o monocromatismo em grande parte das suas exposições e livros, desde o já mítico «Guerreiros do Mar» até ao seu trabalho mais recente.

O exercício de fotografar todos os dias, à mesma hora e com o mesmo ponto de vista, exatamente a mesma coisa, não é propriamente original. João Mariano admite que se inspirou numa personagem de um filme de Wayne Wang e Paul Auster. Mas as suas fotos, essas, são totalmente originais e únicas.

«No filme Smoke, realizado por Wayne Wang e Paul Auster (com argumento deste último), Augustus “Auggie” Wren (Harvey Keitel), trabalha na Brooklyn Cigar Store e todos os dias, às oito da manhã, fotografa a sua esquina de Brooklyn (a esquina da Third Street com a Seventh Avenue), Nova Iorque. Não vai de férias, não sai para lado nenhum devido ao seu hobby. Quando mostra as fotografias todos lhe dizem que são iguais… e ele fica altamente indignado, pois todas são, a seu ver, bastante diferentes. Este meu projeto tem nele a sua grande fonte de inspiração», explica o artista no catálogo da exposição.

Este é, acrescentou na inauguração, «um projeto que pretende refletir sobre as mutações infinitas da paisagem. Um projeto sobre ciclos. Ciclos que tendem a parecer idênticos e que visualmente até se podem aproximar, ser semelhantes, mas… nunca iguais».

«É também um exercício sobre a irrepetibilidade do ato de fotografar. Sobre a efemeridade. É um trabalho que apela, também ele, à reflexão sobre a passagem do tempo (o tempo físico, o tempo de observação, o nosso tempo, o tempo dos ciclos da natureza…), sobre a infinita diferenciação e o desencadear das mutações paisagísticas provocada pelos elementos».

As vinte fotografias monocromáticas mostram todo o encantamento da paisagem, as marcas que as estações do ano, o tempo, os trabalhos agrícolas nela vão deixando. E a mais surpreendente talvez seja mesmo aquela foto opaca de uma manhã de nevoeiro.

A exposição justifica uma visita ao CC Lagos, estando patente até 29 de Dezembro. Pode ser vista de terça-feira a sábado, das 10 às 18h00.

João Mariano nasceu em Lisboa, em 1969, mas as suas raízes familiares estão em Aljezur. Durante os últimos anos, tem dedicado especial atenção ao SW português, em particular à área abrangida pela Costa Vicentina.

Publicou já diversos livros sobre esta região. Em 2014 desenvolveu o projeto “O Conhecido Desconhecido”, uma abordagem muito pessoal ao litoral do concelho de Lagoa e no final de 2016 foi publicado “Costa do Mar”, um grande volume síntese dos seus projetos mais pessoais desenvolvidos no extremo sul de Portugal.

Tem vindo, igualmente, a desenvolver vários outros estudos e ensaios que têm sido editados e expostos um pouco por todo o lado.

Atualmente, para além de se dedicar a projetos pessoais na área da fotografia, desempenha funções de CEO e diretor de arte na 1000olhos, uma agência de Imagem e Comunicação, sediada em Aljezur, que fundou com a sua mulher em 2001.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

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