Batas brancas e palavras complicadas não são garantia de fundamento científico

Para nos convencer, há sempre métodos comprovados, especialistas de bata branca, umas quantas palavras complicadas para dar ideia que é mesmo a sério

Nos intervalos publicitários na televisão, oferecem-nos soluções para tudo e mais alguma coisa, com a oferta dos portes de envio. Não há problema que não tenha uma solução simples, rápida, eficaz e sem receita médica.

A cura para a gripe (que passa sozinha), a eliminação de toxinas (basta para isso convencer-nos que a Natureza se esqueceu desse pormenor no nosso corpo) ou uma memória de elefante (desde que se consiga lembrar de tomar o suplemento).

Para nos convencer, há sempre métodos comprovados, especialistas de bata branca, umas quantas palavras complicadas para dar ideia que é mesmo a sério (ómega 3, metabolismo, fósforo, colagénio e o alfabeto inteiro em vitaminas) e celebridades com um ar confiável, que parecem estar contentes com o produto (com os rendimentos da publicidade estarão certamente).

A ideia é que todos estes milagres, que vêm em práticas embalagens de 30 e 60 unidades, têm um fundamento científico.

E não é por acaso que os vendedores o dizem. Hoje as pessoas confiam na ciência. E têm boas razões para isso. É por causa da ciência que vivemos mais e melhor.

Curamos rotineiramente infeções que há algumas décadas seriam fatais, prevenimos muitas através das vacinas, compreendemos os fatores de risco de doenças cardiovasculares e cada vez temos mais respostas para o cancro.

Há 100 anos os nossos telemóveis pareceriam objetos mágicos e tudo o que eles fazem é possível graças à ciência.

Mas nem tudo o que parece ciência é ciência. Há quem queria mascarar a sua banha da cobra de ciência para a vender mais facilmente.

São conhecidos muitos truques para fazer isso. Os dois mais frequentes são o uso de figuras de autoridade (dizer que uma coisa é verdade porque há pessoas muito importantes e sabichonas que dizem que é verdade) e a utilização abusiva de linguagem científica (escolher umas quantas palavras da ciência e usá-las ao calhas, sem qualquer significado).

Mas a ciência não se baseia em nada disso. Baseia-se em provas. Na observação da Natureza e na experiência com um determinado método. Não interessa quem apresenta uma nova ideia, modelo ou teoria. Interessam, sim, as provas que apresenta em seu abono, de modo transparente.

Assim, outros cientistas podem repetir as experiências ou observações, de maneira a confirmar ou refutar os resultados.

É capaz de dizer o nome de um qualquer cientista que tenha participado no desenvolvimento de algum medicamento a sério que já tomou? Alguma vez viu algum desses cientistas num anúncio de televisão ou numa publicação no Facebook?

Provavelmente não. Porque para a ciência e o que interessa são as provas – e no caso da medicina são os ensaios clínicos – e não as garantias de um qualquer guru.

E o uso de palavras da ciência também não é garantia de fundamento científico. “O método epigenético basseado na física quântica garante a eliminação natural de radicais livres através das redes neuronais”. Soa a científico? Não significa absolutamente nada.

Por vezes, não é fácil distinguir ciência de falsa ciência. Há aldrabices com um ar muito credível, apregoadas por pessoas muito simpáticas, que parecem apenas querer ajudar.

Mas questione. Tenha uma atitude cética. Procure recolher informações de forma independente e não aceite apenas aquilo que os vendedores dizem.

Desconfie de produtos cujo suposto fundamento científico é assegurado pela proclamada credibilidade de um qualquer guru ou por celebridade com um ar fofinho. E de rajadas de palavras complicadas para vender um produto muito simples, com desconto se ligar nos próximos 10 minutos.

 

Autor: David Marçal (Bioquímico)
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

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