Crónicas do Sudoeste Peninsular: Os Territórios de Baixa Densidade

Entre 2011 e 2014, durante o período de intervenção da Troika em Portugal, e na sequência do Projeto Querença (Loulé), […]

Entre 2011 e 2014, durante o período de intervenção da Troika em Portugal, e na sequência do Projeto Querença (Loulé), tive a oportunidade de acompanhar vários projetos (oito projetos) de micro desenvolvimento territorial todos eles localizados em territórios de baixa densidade.

O período Troika foi, como sabemos, um período excecional de austeridade e ajustamento financeiro, razão pela qual o nexo de causalidade entre competitividade e coesão territorial não foi bem-sucedido.

Quer dizer, em vez de termos desenvolvimento territorial tivemos, apenas, mitigação de danos, não obstante a metodologia utilizada ter produzido resultados positivos no curto espaço de tempo em que operou (12 meses). Isto serve para dizer que as políticas de coesão e desenvolvimento para territórios de baixa densidade têm de ser muito rigorosas no seu desenho territorial, arranjo institucional, esquema de financiamento e modelo de implementação, sob pena de serem arrastadas por políticas macroeconómicas mais contingentes e de natureza conjuntural.

Os projetos que acompanhei, todos eles em zonas rurais, levaram-me a aprofundar uma linha de trabalho e pesquisa que eu denominei de “2ª ruralidade”, um dos meus temas preferidos de reflexão e escrita. Volto ao assunto para trazer ao leitor uma breve reflexão acerca da valorização do interior, desta vez para atualizar a metodologia de intervenção em territórios de baixa densidade, à luz dos ensinamentos então obtidos, mas, também, das novas aquisições teóricas e práticas que a sociedade do conhecimento e a revolução digital nos aportam.

Antes de me debruçar sobre a metodologia de intervenção em territórios de baixa densidade, vale a pena lembrar alguns pressupostos que me parecem pertinentes nesta circunstância.

Em primeiro lugar, na sociedade do conhecimento todos os problemas têm a sua origem num défice de conhecimento. Se não conhecemos bem um território a sua dotação de recursos estará subavaliada e as suas possibilidades de desenvolvimento estarão subvalorizadas.

Em segundo lugar, num país tão pequeno, com pouco mais de 200 quilómetros de largura, os territórios do litoral e do interior terão tendência para serem funcionalmente complementares, isto é, a 2ª ruralidade estará funcionalmente encaixada no universo urbano e será uma espécie de periurbano extensivo com uma estrutura em rede arterial e capilar e um tráfico de fluxos cada vez mais intenso.

Em terceiro lugar, a smartificação do território, a formação de ecossistemas e ambientes inteligentes, a criação de plataformas regionais e locais para a produção de bens e serviços comuns serão instrumentos de criatividade territorial à nossa disposição que nós temos a obrigação de utilizar para alargar o leque de bens e serviços ao dispor das populações.

Dito isto, vejamos, então, a metodologia que eu proponho para os territórios de baixa densidade.

Metodologia para os Territórios de Baixa Densidade

1 – A configuração de um território-rede (T-R) de geometria variável

Qual é o território objeto da nossa intervenção? Para o efeito, devemos formar uma comissão promotora – uma universidade ou politécnico, uma ou mais associações empresariais, um agrupamento de municípios – com o objetivo de realizar um estudo prévio de delimitação de um território de intervenção que eu designo de território-rede (T-R) de partida. O território assim delimitado deve possuir uma dotação suficiente de recursos, os chamados signos distintivos territoriais, e os seus limites podem ser ajustados ao longo do projeto, assumindo, portanto, geometria variável.

2 – Um arranjo institucional para constituir o ator-rede (A-R)

Uma vez delimitado o território-rede de partida, a comissão promotora deve transformar-se em ator-rede, através de um arranjo institucional (um protocolo) entre os parceiros. O ator-rede assume a forma de uma estrutura de missão dedicada que assume o objetivo de elaborar a convenção de desenvolvimento (a partir do estudo prévio) e criar as condições para a sua realização em concreto.

3 – Uma convenção de desenvolvimento para um projeto mobilizador

O território-rede tem de corresponder a uma geografia desejada e a um projeto mobilizador. Os signos distintivos territoriais têm aqui um papel fundamental, eles formam o colar de pérolas do território e o seu “princípio de identidade” e é a partir deles que a Convenção Local aprova o projeto de desenvolvimento e assina o contrato de desenvolvimento territorial (CDT) com o estado-administração.

4 – Uma pool de atribuições e competências multiníveis

Há um limiar mínimo de atribuições, competências e recursos abaixo do qual o projeto de desenvolvimento não é viável nem mobilizador, porque a sua capacidade de alavancagem é muito reduzida. Oterritório-rede deve possuir e mobilizar um stock de atribuições e competências de vários níveis de governo e administração que no contrato de desenvolvimento territorial são transferidos para esse efeito, bem como os recursos públicos correspondentes.

5 – Uma engenharia financeira multivariada

O território-rede, através do seu ator-rede, tem a liberdade e a competência para utilizar uma engenharia financeira multivariada, que irá dos capitais próprios aos institucionais, do capital de risco ao financiamento participativo, do capital bancário aos apoios do mecenato. O contrato de desenvolvimento territorial pode consagrar algumas regras de disciplina financeira, mas não deve impedir o T-R de inovar em matéria de engenharia financeira de participação e colaboração.

6 – A comunicação simbólica e o marketing do projeto de desenvolvimento

O território-rede tem de ser um território-desejado, por isso a comunicação simbólica é um dos seus centros nevrálgicos e é através dela que se constrói o projeto mobilizador e colaborativo. As redes sociais e os meios de comunicação terão um papel central na divulgação e conhecimento do projeto e na sua projeção virtual, assim como na constituição do círculo de amigos e os embaixadores do projeto.

7 – A smartificação do território e a cartografia das redes inteligentes

A smartificação do território e, em especial, a cartografia ou mapeamento de redes inteligentes locais são elementos fundamentais do projeto de desenvolvimento que o projetam para fora das suas fronteiras. Refiro-me às redes de serviços mais convencionais de natureza pública – digital, energética, hídrica, saneamento, cuidados de saúde, proteção civil e segurança pessoal – mas, sobretudo, às redes colaborativas e solidárias de natureza itinerante e ambulatória que promovem a inclusão social e a qualidade de vida, como são o abastecimento local, os produtos de nicho, ambiente, turismo e alojamento local, envelhecimento ativo, artes e ofícios, eventos culturais, etc – que na sua imensa variedade definem o padrão de qualidade de vida das populações. A estas redes acrescento algumas estruturas ligeiras de uso comum onde podem ser incubadas microempresas locais.

8 – O sistema integrado de incentivos à valorização do interior e aos CDT

Tudo o que fica referido são apenas as condições necessárias. Sem um instrumento financeiro de apoio à valorização do interior e aos contratos de desenvolvimento territorial (ver artigo no Público de 16.12.2015) não creio que esta metodologia de intervenção tenha condições para funcionar satisfatoriamente. A assinatura de um CDT com o estado-administração estabelece um horizonte temporal de 3 a 4 anos e um envelope financeiro indexado a uma programação de resultados contratualmente estabelecidos. Esta programação contratualizada e globalmente subvencionada visa “dispensar” os processos burocráticos de candidatura que geralmente acompanham os concursos respetivos.

Notas Finais

Uma linha de reflexão muito prometedora no futuro próximo diz respeito à smartificação dos territórios e à digitalização das políticas do território, em especial para perceber se é possível fazer o desligamento entre competitividade e coesão sem penalizar as regiões e sem sobrecarregar as finanças públicas. Vejamos algumas condições necessárias para o efeito.

Em primeiro lugar, é necessário evitar um novo círculo vicioso nas áreas de baixa densidade, desta vez o défice de infraestruturação digital destes territórios desfavorecidos.

Em segundo lugar, e dada a baixa capitalização destas áreas, é necessário que o investimento público esteja disponível para fazer uma incursão nestes territórios, em especial as ligações periurbanas.

Em terceiro lugar, é necessário reduzir a dependência excessiva da municipalização e avançar para o federalismo autárquico e para os territórios-rede de geometria variável.

Em quarto lugar, é fundamental constituir um centro de racionalidade, um ator-rede, que seja capaz de contratualizar com a administração central uma estratégia de desenvolvimento num horizonte dilatado e dotado de competências alargadas e recursos próprios.

Em quinto lugar, é necessário dotar este ator-rede de um talento criativo mínimo, em íntima articulação com os setores das artes, da ciência e da investigação, com o objetivo de gerar um território-desejado e um espaço simbólico e, assim, atrair novos fluxos de visitantes e residentes.

Finalmente, cabe, também, ao ator-rede articular as redes convencionais de bens e serviços públicos com as novas redes de bens comuns e colaborativos e através dessa associação gerar uma nova economia de aglomeração nos espaços periurbanos e multilocais. A smartificação do território pode ajudar bastante nesta tarefa.

Autor: António Covas é professor catedrático da Universidade do Algarve e doutorado em Assuntos Europeus pela Universidade Livre de Bruxelas

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