Crónicas do Sudoeste Peninsular: Competitividade e coesão territorial

Nos dias 4 a 6 de Julho decorreu em Segóvia, Espanha, o XII Congresso Ibero-americano de Estudos Rurais subordinado ao […]

Nos dias 4 a 6 de Julho decorreu em Segóvia, Espanha, o XII Congresso Ibero-americano de Estudos Rurais subordinado ao título genérico “Territórios globais, ruralidades diversas”. Tive o privilégio de participar na mesa redonda final do congresso numa sessão sobre “estratégias de combate contra o abandono rural”.

Da minha intervenção deixo aqui alguns apontamentos.

 

O rural tardio português

Como já escrevi anteriormente, na sociedade do conhecimento todos os problemas, ou quase todos, têm origem na falta de conhecimento. Se não conhecemos bem um território, a sua dotação de recursos estará subestimada e as suas possibilidades de desenvolvimento estarão subvalorizadas.

Por outro lado, somos nós que criamos a escassez pela forma como nos organizamos. É a nossa ganância e arrogância que cria a escassez artificial tendo em vista concentrar a riqueza e a pobreza.

O rural tardio português deve-se à nossa ancestral bipolaridade: de um lado, o centralismo da capital onde se concentra a aristocracia política nacional; do outro, o localismo municipalista rodeado por uma corte de pequenas fidelidades e clientelas que repartem entre si os parcos recursos que a economia e o sistema político-partidário vão administrando.

 

30 anos depois, o nexo de causalidade entre competitividade e coesão

Trinta anos depois da nossa entrada na Comunidade Económica Europeia (CEE), depois de tanto investimento público e privado financiado por fundos europeus, num país tão pequeno como o nosso, os desequilíbrios internos que persistem são o espelho fiel das nossas opções políticas e da nossa trajetória coletiva como país e como nação.

Entre 1985 e 1999, a economia portuguesa cresceu em média anual entre 3 e 4%, o que permitiu financiar a redistribuição e as políticas de coesão territorial. O nexo de causalidade entre competitividade e coesão funcionou positivamente e os índices de convergência regional aumentaram face à média europeia. Entre 2000 e 2015, a economia portuguesa cresceu em média anual entre 0 e 1%, a dívida pública cresceu substancialmente, o país esteve à beira da bancarrota e foi objeto de um programa de ajustamento económico e financeiro por parte da Troika entre 2011 e 2014.

O nexo de causalidade entre competitividade e coesão funcionou negativamente e os índices de convergência regional para a média europeia voltaram a agravar-se. A evidência mostra que as debilidades estruturais da economia portuguesa não estão resolvidas e que, abaixo dos 3% de crescimento do PIB, a economia não gera meios suficientes para alimentar em permanência a política de coesão territorial. Isto quer dizer que a política de coesão territorial perde autonomia e converte-se numa variável endógena da política macroeconómica tal como ela se apresenta hoje no quadro da união económica e monetária da União Europeia.

 

Desequilíbrios, abandono e venda de ativos

Os desequilíbrios territoriais seguem um padrão bem conhecido. De um lado, áreas metropolitanas, suburbanas e periurbanas, acumulando custos externos crescentes de natureza social e ambiental que os contribuintes socializam por via do imposto; do outro, zonas urbanas e rurais desvitalizadas e desertificadas e incapazes de gerar economias de rede e aglomeração suficientes para inverter este círculo vicioso.

O desfecho também é bem conhecido, sobretudo num país que tem uma dívida pública elevada, crédito bancário mal parado muito elevado e uma baixa taxa de poupança interna. A saber: o país fica à mercê dos credores e do capital estrangeiro e largas parcelas do território nacional e outros tantos ativos valiosos passam de mãos, praticamente sem darmos por isso. Não queremos falar sobre o assunto, mas é uma parte substancial da nossa soberania territorial que fica posta em causa.

Com efeito, entre 2000 e 2015, a entrada em vigor da união monetária, do tratado orçamental, a grande crise das dívidas soberanas de 2008, as crises bancárias e os programas de ajustamento da Troika, deixaram-nos uma herança pesada que ainda hoje persiste: baixámos a participação do trabalho no rendimento nacional, baixámos o custo de trabalho, baixámos os níveis de proteção social, aumentámos a carga fiscal, aumentámos a precarização do trabalho, socializámos os prejuízos de bancos e empresas públicas.

As consequências deste programa de ajustamento económico e financeiro e deste empobrecimento geral deixaram uma marca impressiva no território. Os grandes incêndios dos últimos anos devem-se, em boa medida, não apenas às alterações climáticas, mas, sobretudo, ao despovoamento e abandono rural e sua inscrição no ordenamento do território.

 

Coesão territorial, algumas condições necessárias

Não obstante o nexo de causalidade entre competitividade e coesão não ser muito favorável, sobretudo devido a uma macroeconomia europeia muito austera em matéria de equilíbrios financeiros, existem algumas condições necessárias à política de coesão territorial que podemos mencionar desde já:
– Evitar que se crie um novo círculo vicioso, desta vez um défice de infraestruturação digital dos territórios mais desfavorecidos;
– Dada a baixa capitalização dos territórios desfavorecidos, é necessário criar uma discriminação positiva no que diz respeito ao investimento público;
– É fundamental subir na cadeia de valor da programação e do planeamento territorial, promovendo o federalismo autárquico e os territórios-rede e reduzindo a excessiva municipalização;
– É fundamental promover uma “geografia desejada” e um simbolismo sociocultural renovado nos territórios mais desfavorecidos, para lá das nomenclaturas territoriais estatísticas que dividem o país;
– É fundamental criar um centro de racionalidade de políticas de coesão territorial ao nível das CCDR, tendo em vista contratualizar com a administração central um stock mínimo de atribuições, competências e meios financeiros;
– Por último, é fundamental uma alteração da política macroeconómica da União Europeia e uma nova doutrina territorial para a política de coesão com base nas redes de cidades e regiões;

 

A smartificação do território, uma promessa de futuro

Uma nova oportunidade em matéria de coesão diz respeito à chamada smartificação do território. Falamos de territórios inteligentes e criativos e da sua conetividade e interação. No rural tardio português, e por mais paradoxal que tal possa parecer, a melhor solução para as zonas rurais desfavorecidas é o seu enquadramento policontextual por via de redes de pequenas e médias cidades do interior.

A ideia-base é a criação de novos hinterlands e áreas de influência por via de um regime de fluxos que seja capaz de alimentar uma nova economia de rede e aglomeração.

Este policentrismo da rede de pequenas e médias cidades põe em contacto não apenas as diversas “zonas empresariais”, mas, também, as estruturas ecológicas municipais e permite um planeamento mais eficaz de novas “infraestruturas e utilities comuns”.

Desta forma, temos mais cidade no campo e mais campo na cidade, ou seja, uma economia verde muito mais efetiva, seja no plano produtivo ou recreativo. A digitalização do território, utilizando várias tecnologias de localização geográfica, permite-nos, além disso, acrescentar “realidade aumentada e virtual” ao território e alargar, por essa via, a simbologia dos sinais distintivos territoriais que estão na base de uma “geografia desejada”.

 

Nota Final

Há uma relação de causalidade impossível de ignorar, aquela que relaciona a macroeconomia europeia com a macroeconomia nacional e estas com a mesoeconomia regional e a microeconomia local e rural. A chamada governação multiníveis. Na medida em que as primeiras duas prevalecem sobre as restantes temos aqui uma “regra geral de condicionalidade” que faz recair sobre a política de coesão territorial as orientações dominantes no plano europeu.

Falamos da arquitetura da zona euro, das regras financeiras do tratado orçamental, da escassez dos recursos próprios da União, da política monetária do Banco Central e da política de concorrência, para citar as mais importantes. São as decisões políticas nestas matérias que determinam, em boa medida, a competitividade da economia europeia e das economias nacionais e é através delas que se “comunicam os efeitos” para a política de coesão territorial.

Neste contexto, e na margem de liberdade que nos cabe, resta-nos dar azo à imaginação e fazer bem o trabalho de casa. Se formos capazes de aumentar a inteligência coletiva territorial seremos seguramente recompensados.

 

Autor: António Covas é professor catedrático da Universidade do Algarve e doutorado em Assuntos Europeus pela Universidade Livre de Bruxelas

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