Como enganar bactérias batoteiras

Cientistas do Instituto Gulbenkian de Ciência exploram interações sociais entre bactérias para manipular patogéneos. Um novo estudo, publicado na revista […]

Caixas de petri com bactérias. Créditos: Roberto Keller

Cientistas do Instituto Gulbenkian de Ciência exploram interações sociais entre bactérias para manipular patogéneos.

Um novo estudo, publicado na revista científica Current Biology, propõe novas estratégias para induzir o colapso de populações bacterianas.

Uma equipa de investigação liderada por Karina Xavier, do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC, Portugal), identificou novas formas de promover a “batota” em comunidades bacterianas, e consequentemente o seu colapso, manipulando simplesmente a composição química do ambiente.

Semelhante às sociedades humanas, as bactérias vivem em comunidades. De forma a melhor se adaptarem ao meio ambiente, as bactérias interagem umas com as outras. Regularmente, produzem compostos que são excretados para o meio circundante e consumidos por toda a população. Estes compostos funcionam como bens públicos uma vez que beneficiam toda a comunidade bacteriana.

No entanto, algumas bactérias têm mutações que as impedem de produzir esses bens públicos. Esses mutantes bacterianos atuam como “batoteiros”, beneficiando dos bens públicos sem contribuir para a sua produção.

“Tal como as sociedades humanas, as populações bacterianas também têm batoteiros. Alguns cidadãos não trabalham e usufruem dos benefícios fiscais proporcionados pelos contribuintes sem terem de pagar impostos. Se muitos cidadãos seguirem esta tendência, todo o sistema económico entra em colapso. O mesmo acontece com as bactérias. As bactérias batoteiras lucram com produtos produzidos por outras bactérias sem contribuir para essa produção”, explica Özhan Özkaya, primeiro autor deste estudo e estudante de doutoramento no laboratório de Karina Xavier na altura em que esta investigação foi conduzida.

“Fazer batota permite-lhes economizar energia, e assim essas bactérias podem crescer mais e mais rapidamente. Em última análise, os batoteiros podem invadir a população, levando à extinção da população já que os bens públicos deixarão de ser suficientes para todos”, acrescenta o investigador do IGC.

Sabia-se que as populações bacterianas podem colapsar na presença de batoteiros para uma tarefa de cada vez. Mas na natureza, num organismo infetado, as populações de bactérias podem incluir vários mutantes com deficiências na produção de tarefas diferentes.

Então, o que acontece se outros batoteiros jogarem o mesmo jogo? Para investigar essas interações sociais, a equipa do IGC usou Pseudomonas aeruginosa, uma bactéria patogénica oportunista que infeta pulmões e é normalmente encontrada em pacientes com fibrose cística.

As infeções crónicas causadas por estas bactérias frequentemente contêm vários mutantes bacterianos. A equipa de Karina Xavier usou tubos de ensaio e placas de Petri para crescer bactérias normais e duas estirpes de bactérias com mutações que resultavam em falhas na produção de dois bens públicos diferentes.

Os investigadores observaram que as interações entre esses dois mutantes e bactérias normais poderiam impedir o colapso da população.

“Os nossos resultados mostram que, quando os batoteiros fazem batota um com o outro, o colapso da população que poderia ser causado por um batoteiro pode ser evitado e a população consegue permanecer estável por mais tempo. Isto pode ser muito bom do ponto de vista das bactérias, mas são péssimas notícias quando se quer eliminar uma infecção causada por um patogéneo indesejável”, diz Özhan Özkaya.

Para poder prever como mudar o destino de populações bacterianas quando diferentes batoteiros estão em jogo, os investigadores criaram um modelo matemático simples.

As previsões deste modelo foram depois testadas, mais uma vez, em tubos de ensaio e placas de Petri. Özhan e outros membros da equipa Xavier mostraram que, alterando os nutrientes dados às bactérias, poderiam mudar o custo dessas ações cooperativas e levar a população estável à extinção.

“Nos últimos anos, avançamos tremendamente no entendimento de como as bactérias interagem umas com as outras. Esta nova abordagem permitiu-nos desenvolver previsões sobre como as comunidades bacterianas podem ganhar com a cooperação ou sofrer com a batota. Na minha opinião, novas drogas que atuem de modo a bloquear os comportamentos sociais das comunidades bacterianas vão ser muito mais eficazes no combate contra infeções do que os antibióticos agora disponíveis. Isto porque vão induzir o colapso das populações bacterianas com menores riscos associados ao desenvolvimento de resistência ao contrário do que acontece com os antibióticos tradicionais”, diz Karina Xavier.

A economia ao serviço da microbiologia

Ao contrário do que se poderia inicialmente pensar, as teorias económicas podem contribuir para entender os comportamentos das comunidades de outros organismos que não os humanos.

Inúmeros investigadores têm vindo a usar conceitos da economia para estudar as interações sociais das bactérias. Dois destes conceitos são a “tragédia dos comuns” e o “teorema do dilema público”.

De acordo com teorias baseadas em economia, esses conceitos estipulam que as sociedades humanas podem sofrer escolhas individuais que negligenciam o bem-estar da comunidade na busca do ganho pessoal, ou seja, quando beneficiam de um bem público.

É o que se observa em comunidades bacterianas que incluem mutantes bacterianos deficientes para a produção de compostos utilizados por toda a comunidade.

Este novo estudo da equipa do IGC exemplifica como esse entendimento pode ser usado para estabelecer estratégias para manipular patogéneos bacterianos.

 

Autora: Ana Mena (Instituto Gulbenkian de Ciência)
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

Comentários

pub