O mau serviço da CP na região mais turística de Portugal ou o relato real de uma viagem irreal

5 de Junho é, desde 1973, o Dia Mundial do Ambiente. Todos os anos, a efeméride é evocada de diversas […]

Passageiros sentados, à espera e a desesperar, na estação de Cacela

5 de Junho é, desde 1973, o Dia Mundial do Ambiente. Todos os anos, a efeméride é evocada de diversas formas, mais não seja nos telejornais, com notícias sobre a poluição, a pegada ecológica e quase sempre acerca da utilização de transportes públicos/carro individual.

Na verdade, o Algarve, ou melhor os algarvios, até têm sido notícia mais amiúde, por não usarem os transportes públicos, com a perplexidade característica dos autores desses trabalhos, ou mesmo de quem os noticia, sempre externos à realidade regional.

A história que a seguir narro aconteceu ontem, justamente dia 5 de Junho e teve como panorama o transporte ferroviário.

Cerca das 16h30, cheguei à estação de Cacela, onde pretendia apanhar o comboio das 16h49 para Faro, com ligação ao Intercidades, que teria como última paragem Lisboa-Gare do Oriente, prestando serviço em diversas gares intermédias. Importa dizer que não uso com muita frequência o comboio no Sotavento e, não obstante saber que, à partida, o edifício da estação foi fechado há alguns anos, dirigi-me a ele.

Notei desde logo alterações na gare, nomeadamente nas plataformas que foram sobrelevadas, bem como a instalação de um vasto gradeamento que separa a plataforma do edifício da estação, o que impede, injustificadamente, o acesso a esta última.

Como cheguei cedo, tal não me causou qualquer constrangimento, apenas tive de voltar para trás de forma a aceder ao cais de embarque. Mas, se fosse em cima da hora de partida, certamente fazia adeus ao comboio.

A interminável grade que divide a estação da plataforma

Já no outro lado na plataforma, logo me assaltou uma dúvida: qual seria a linha em que o comboio pararia, a 1 ou a 2? Os carris da 1 estavam mais lustrosos e o balastro da via impregnado em óleo, ao contrário do que sucedia na linha 2. Bom devia ser na 1, intuí.

Daí a momentos, chegaram outros passageiros, cinco adultos e quatro crianças, que permaneceram junto à linha 1. Tinha acertado, era aquela a linha! Ali ficámos a aguardar a composição, que me havia de levar a Faro. Mas… 16h50, 17h00 e comboio nada…

Olhávamos uns para os outros, para o relógio, para a linha e nada… 17h05, consigo o primeiro contacto com a linha de apoio CP, pois na estação não há qualquer equipamento de sonorização que avise os passageiros, ou intercomunicador, ao contrário do que acontece em Messines-Alte, por exemplo.

Fui informado que a chamada vai ser gravada, mas, caso não aceite, devo contactar uma bilheteira (ou coisa parecida), bem como que tenho bilheteiras à disposição na internet, e um e-mail, que posso utilizar…

Depois, fui informado que o tempo previsível para a referida chamada ser atendida era de 6 minutos. Como cada minuto tem um custo de €0,25, logo desliguei, aguardando. Tento então ligar diretamente para a estação de Vila Real de Santo António, mas, na internet, somente, o mesmo número de apoio, à exceção de Tavira, dado que a Câmara Municipal disponibiliza no seu site o número fixo da estação.

Estabeleço contacto com Tavira, mas (há sempre um mas…) ninguém atende. Volto a insistir várias vezes, mas nada.

Duas linhas em Cacela e comboio de Faro para Vila Real de Santo António

E eis que se aproxima um comboio…só que este vai em sentido contrário, para Vila Real, mas ainda assim precipito-me para o revisor, que me informa, a mim e aos presentes, que o comboio de ligação ao Intercidades fora suprimido.

Por motivos da greve? Perguntou um outro passageiro. Ao que o revisor respondeu: não, a greve foi ontem…

Questionei-o sobre se o Intercidades aguardaria a próxima composição com partida de Cacela, às 18h17, para Faro. Disse-me que em princípio não, mas não sabia.

Às 17h33, estabeleço novo contacto com a Linha de Apoio, e sorte, a chamada ia ser atendida, no prazo de um minuto. Relatei a situação e a senhora, do outro lado, confirmou-me que o comboio das 16h49 havia sido suprimido, mas, quanto ao Intercidades e feita a pergunta várias vezes, sossegou-me: como era o último comboio para Lisboa, o Intercidades aguardaria a composição proveniente de Vila Real de Santo António. Entretanto, a gare ficou deserta, só lá fiquei eu…e os passarinhos…

Às 18h17, o comboio entra em Cacela e partimos para Faro à tabela. Logo indaguei o revisor sobre se o Intercidades estava a aguardar. Dificilmente, foi a resposta. Contei-lhe a certeza da colega da Linha de Apoio e prosseguimos viagem.

Na Fuzeta-A, alguns passageiros comentavam já os constrangimentos da supressão do comboio anterior, a tentativa de contacto com a Fuzeta, também ela encerrada, e por fim a Linha de Apoio.

À esquerda, o comboio para Lagos. À direita, o comboio que veio de Vila Real de Santo António

Em Faro, desci apressadamente e corri para a plataforma, para entrar no Intercidades. Mas…comboio nada, ou melhor até havia lá um, mas ia para Lagos.

Às 19h12, já o Intercidades apitava lá para os lados de Amoreiras-Gare (em Odemira), e eu acabadinho de entrar em Faro.

Corri para as bilheteiras, aguardei a minha vez e questionei a funcionária: onde estava o Intercidades? Atónita, informou-me que partira para Lisboa à hora habitual…

Porque não esperou pela ligação de Vila Real? retorqui. Respondeu-me, surpreendida, que esse comboio fora suprimido e o outro partiu! Para me acalmar, apresentou-se duas hipóteses: devolvia-me o dinheiro do bilhete ou revalidava-o para o dia seguinte.

Respondi-lhe que a estação de Cacela estava fechada, pelo que não tinha bilhete. Adverti que, na Linha de Apoio, tinham-me garantido que o comboio esperaria, ao que a funcionária da bilheteira me respondeu: é um serviço call center, não sabem.

Pedi-lhe responsabilidades. Respondeu-me que dela não eram, retorqui-lhe que minhas também não, para concluirmos: não são de ninguém…ou melhor, problema meu!

Estrangeiros a entrar para o comboio para Lagos

Com alguma frequência, comenta-se a degradação do serviço ferroviário na região do Algarve, isso apesar das boas intenções das autarquias. A supressão de um comboio regional, apesar de todos os inconvenientes que acarreta, pode ser substituída pelo próximo, uma a duas horas depois, mas uma ligação ao Intercidades e a Lisboa não. Mas disso não quer saber a CP.

Gastei €1,25 + IVA em telefonemas para a Linha de Apoio, que de apoio só tem o nome, pois, na verdade, fui enganado por um serviço que não existiu e burlado por um outro que existe para roubar os passageiros incautos que se aventuram a viajar de comboio na região mais turística de Portugal.

É óbvio que reclamei, porque não reclamar é que não resolve coisa nenhuma. Para nós que ninguém nos ouve, fico à espera de ser ressarcido do roubo que constitui a Linha de Apoio ao cliente. É que, afinal, para «garantir a qualidade do serviço», a chamada até tinha sido gravada.

Quanto à viagem, teve sorte a CP! É que eu ia só para Messines, porque, se fosse para Lisboa, ficava apeado em Faro, e palpita-me que ia exigir alimentação, hotel e indemnização.

Assim, lá fui para Tunes, numa composição sujíssima, com lindos grafitti, acompanhado com dezenas de passageiros incautos, que, momentos antes, desceram no Aeroporto de Faro, como denunciavam as suas bagagens, boquiabertos com um serviço do 4º mundo.

E não imaginam eles o que os espera nos caminhos de ferro portugueses… Mas, algures em Lisboa, alguém esfrega as mãos com o mealheiro da Linha de Roubo ao cliente. É que, se os portugueses caem na esparrela, os estrangeiros então…

No fim da viagem, só pensava: porque não andam os algarvios de transportes públicos? É que, sinceramente, não sei explicar porquê…

Mas de uma coisa estou certo: viajar de comboio só com uma bola mágica, para adivinhar. O pior deve ser encontrá-las, mas nisso a Linha de Apoio ao Cliente deve saber ajudar…

 

Autor: Aurélio Nuno Cabrita é engenheiro de ambiente e investigador de história local e regional, bem como colaborador habitual do Sul Informação

 

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