Morreu José Manuel Tengarrinha

José Manuel Tengarrinha morreu esta sexta-feira, 29 de Junho, às 14h30, em Lisboa, vítima de doença prolongada. Tinha 86 anos. […]

José Manuel Tengarrinha morreu esta sexta-feira, 29 de Junho, às 14h30, em Lisboa, vítima de doença prolongada. Tinha 86 anos.

O corpo vai estar em câmara ardente na Basílica da Estrela a partir das 18h00 de domingo, de onde sairá no dia seguinte para ser cremado em cerimónia reservada à família e amigos próximos.

Nasceu em 12 Abril de 1932 em Portimão, no seio de uma família reconhecida na região. Era o irmão mais novo da ex-deputada comunista, resistente anti fascista e artista Margarida Tengarrinha.

Segundo escreve António Melo numa nota publicada no Facebook, o pai de José Manuel Tengarrinha, «de pendor democrático, era gerente da filial do Banco de Portugal e assumiu uma atitude pró-aliada durante a 2ª Guerra Mundial».

Essa posição «influenciou a formação de José Tengarrinha, que aos 15 anos se empenhou na atividade cívica e integrou o Movimento de Unidade Democrática (MUD-J), surgido em 1945, no pós-guerra, e com a finalidade de instituir em Portugal um governo democrático».

Aos 16 anos, foi estudar para Lisboa, para evitar ser detido em Portimão, mas sem deixar de intervir no MUD-J, tendo pertencido à sua comissão central.

Inscreveu-se na Faculdade de Letras de Lisboa, para frequentar o curso de Histórico-Filosóficas, que «teve de interromper no início da década de 1950 por ter sido conscrito para cumprir o serviço militar na Companhia Disciplinar de Penamacor».

Matriculou-se como aluno voluntário e em 1958 concluiu o curso, quando era já, desde 1953, jornalista na República.

O seu compromisso político com a oposição democrática levou-o à detenção na cadeia do Aljube, onde se encontrava quando do assassinato do pintor José Dias Coelho, companheiro de Margarida Tengarrinha, sua irmã, na noite de 19 de Dezembro de 1961.

A sua intervenção política na frente antifascista foi constante, sendo natural que viesse a liderar o Movimento Democrático Português (MDP) e a participar na intervenção e denúncia dos atos eleitorais do Estado Novo.

A Revolução de Abril levou-o ao parlamento, onde foi deputado constituinte, ao mesmo tempo que retomava a sua função docente na Faculdade de Letras.

Esta segunda vertente de professor acabou por sobressair na sua carreira, quando, como ele disse em entrevista, teve de optar pela atividade política ou pela docência, «pois não podia estar de manhã na Assembleia e à tarde na Faculdade» ou vice-versa.

O seu trabalho académico desenrolou-se entre a investigação da história da imprensa e da origem dos movimentos populares agrários em Portugal. «Nas duas vertentes, desenvolveu um trabalho pioneiro que baliza ainda hoje o estudo na academia portuguesa na definição dos conceitos de povo e opinião pública», acrescenta António Melo.

A monumental obra «História da Imprensa Periódica Portuguesa, das Origens a 1865» e, em segundo volume, de 1965 e 1989, Ed Temas e Debates, reedição 2013, «constitui uma referência básica para compreender os modelos jornalísticos em Portugal e como construíram e foram construídos num espaço público, em determinados quadros culturais e económicos».

A sua tese de doutoramento, «Movimentos Populares Agrários em Portugal – 1750-1825», editada em 1994 pela Europa-América, «varreu a tese de que em Portugal as insurreições rurais não tinham existido e estabeleceu, mediante exaustiva investigação, como elas ocorreram desde o período pombalino até à revolução liberal».

A mesma atitude no estudo da imprensa e no seu contributo para a formação de um espaço público, só possível depois da vitória do movimento liberal de 1820.

Em 2006, fez uma análise histórica dessa ligação entre a imprensa e espaço público, que vai da revolução liberal ao Estado Novo, em «Imprensa e Opinião Pública em Portugal», Edições Minerva, Coimbra, 2006, onde distingue um «bloco noticioso» no primeiro período, e um «bloco autoritário», no segundo, que caracteriza através do modo como a informação global circula no espaço público.

Naturalmente, o povo tem neste contexto o papel central, mas para isso há que saber o que é essa entidade. Foi o que fez Tengarrinha no seu ensaio «E o Povo onde está?», editado pela Esfera do Caos, em 2008, onde define passou a passo como se construiu historicamente esse conceito de povo português, que a maioria considerava como uma revelação natural.

O Diário de Notícias recorda que «foi já com 82 anos» que José Manuel Tengarrinha decidiu retomar uma vida política ativa há muito adormecida, aproximando-se do então recém-criado Partido Livre durante a campanha de 2014 para as eleições europeias.

Rui Tavares, líder daquele partido, recorda, em declarações ao DN, que José Tengarrinha lhe disse que «queria apoiar o Partido Livre porque se sentia livre naquele momento».

O legado de cidadania de José Manuel Tengarrinha foi além da atividade política, tendo fundado o Centro Internacional para a Conservação do Património e liderado o Instituto de Cultura e Estudos Sociais, com sede em Cascais, onde promoveu “cursos breves” sobre vários temas.

«José Manuel Tengarrinha foi uma personalidade política do século XX português e um professor para as gerações do século XXI», conclui a nota de António Melo.

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