«Laboratório vivo» de Alcoutim vai acolher o Observatório Nacional de Combate à Desertificação

O Observatório Nacional de Combate à Desertificação vai ser instalado em Alcoutim, soube o Sul Informação, num processo que tem […]

O Observatório Nacional de Combate à Desertificação vai ser instalado em Alcoutim, soube o Sul Informação, num processo que tem andado a ser preparado entre a Câmara local, a Universidade do Algarve, o Governo e outras entidades de toda a região e do país. Esta segunda-feira, haverá uma reunião dos parceiros em Alcoutim, para consolidar o projeto.

«Espero que, durante o mês de Julho, seja concretizada a criação do centro nacional de competências no domínio da luta contra a desertificação», disse ao nosso jornal Miguel Freitas, secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Regional.

O Observatório terá a função de «monitorizar a evolução do fenómeno da desertificação» em Portugal, começando por «propor um sistema de monitorização» e fazendo «a ponte não só com os países do Mediterrâneo», como com «os países da CPLP», a Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa, no âmbito da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação.

As explicações são da professora e investigadora da Universidade do Algarve Belém Costa Freitas, uma das responsáveis pela candidatura de Alcoutim para receber o Observatório.

«O projeto deve ser autossuficiente», explicou a investigadora em entrevista ao Sul Informação. «Numa primeira fase, de instalação, terá apoio, mas depois o objetivo é ter um projeto que seja autossuficiente, capaz de concorrer a financiamentos, que seja parceiro e capaz de atrair entidades não empresariais do sistema de inovação e investigação».

Ou seja, «numa primeira fase, será um núcleo pequeno, mas que se espera alargar, de modo a gerar a sua própria sustentabilidade», disse ainda a professora Belém Costa Freitas.

Mas não se pense que Alcoutim, um pequeno concelho do Nordeste Algarvio, um dos mais desertificados, sob o ponto de vista natural e humano, de toda a Europa, concorre sozinho para acolher o futuro Observatório.

Osvaldo Gonçalves, presidente da Câmara de Alcoutim, e um dos grandes entusiastas do projeto, revelou que a sua autarquia, «no âmbito da iniciativa de trazer para cá o Observatório, pediu apoios à Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL), que já o deu há um pouco mais de um ano, às Câmaras Municipais nossas vizinhas, que também enviaram cartas de apoio, nomeadamente Mértola, Castro Marim, Tavira e São Brás de Alportel, às Universidades do Algarve e de Évora, às Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve e do Alentejo», bem como a associações de desenvolvimento.

A Câmara de Alcoutim até dispõe de instalações já prontas «que está a pensar ceder» ao Observatório, caso a sua intenção venha a ser aprovada pelo Governo, como tudo indica que acontecerá, acrescentou o edil Osvaldo Gonçalves em entrevista ao nosso jornal. «Temos uma envolvente que nos pode propiciar boas condições para acolher o Observatório», reforçou o autarca.

Para o pequeno concelho algarvio, a instalação deste organismo de âmbito nacional no seu território está a ser encarada como uma oportunidade de ouro, para atrair mais gente e, sobretudo, gente mais qualificada. É que Alcoutim é, desde há décadas, o concelho do país com a mais baixa densidade populacional (número médio de indivíduos por quilómetro quadrado) e aquele que tem das mais baixas a nível europeu. Tudo isto, apesar dos esforços dos vários responsáveis pela autarquia para criar apoios e medidas que atraiam mais população ou que, pelo menos, não deixem continuar a sangria de gente das últimas décadas.

«Em 2011, tínhamos uma taxa de densidade populacional de 4,9. Se calhar neste momento já baixou», lamentou o presidente da Câmara. E baixou mesmo: em 2016, segundo os dados da Pordata, a densidade populacional de Alcoutim era de 4,2, a mais baixa de um país onde a taxa média era de 112 há quatro anos, e mesmo 0,8 pontos abaixo da taxa dos seus vizinhos alentejanos do concelho de Mértola (5,0).

Mas não é só de despovoamento humano que se fala por aqui. A questão mais grave é a da desertificação física. «Queremos que se fale de desertificação, que é um problema em várias zonas do território de Portugal. Mas, se olharmos para o mapa, há uma mancha no Sul interior que se destaca. É uma mancha de clima semi árido», que abarca o concelho de Alcoutim na sua totalidade, explica a investigadora Belém Costa Freitas. «Também há manchas destas no Centro e no Norte Interior, mas não com a mesma dimensão».

O autarca Osvaldo Gonçalves vê com preocupação o que se está a passar no seu pequeno concelho, no ano passado o mais afetado pela seca, em todo o Algarve. Nos últimos anos, a Câmara, os produtores florestais, os proprietários das zonas de caça, os poucos agricultores e criadores de gado que ainda resistem, têm tentado várias estratégias para inverter a situação. Mas os resultados práticos têm sido escassos.

É que, salienta o edil, «a desertificação dos solos está muito ligada à desertificação humana». E vice-versa. Como explica Belém Costa Freitas, «se o solo não tem capacidade para o desenvolvimento de atividades económicas, é difícil reverter o despovoamento. Tem de haver um suporte para a atividade humana».

Miguel Freitas, secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural, nas suas declarações ao Sul Informação, aprofundou a questão: «Porque é que este centro é importante? Porque ele é transversal. Nós temos um problema de escassez de recursos. O que eu vislumbro para o futuro é que cada vez haja menos água, menos recursos humanos e menos recursos financeiros públicos. Portanto, o que é preciso é olhar para estes problemas com mais eficiência».

Ora, salientou o membro do Governo, «este centro de competências vai olhar para os problemas agrários e para a forma como eles podem e devem ser geridos com mais eficiência, usando menos recursos, mas não perdendo valor».

«Hoje, para termos pessoas no meio rural, já não basta dar maior rentabilidade às suas atividades. É preciso, também, dar-lhes mais qualidade de vida. E isso passa pela forma como desenvolvem essa atividade. A agricultura, em muitos desses locais, é uma atividade muito difícil e só atrairá jovens se for capaz de conjugar a rentabilidade com a qualidade de vida», disse ainda Miguel Freitas.

Uma das mais importantes missões do futuro Observatório, que há-de trazer investigadores e massa cinzenta para Alcoutim, é «saber como é que esses fenómenos evoluem, como é que isso pode ser considerado nas políticas públicas, como é que compatibilizamos o horizonte de planeamento das pessoas com o horizonte de evolução dos fenómenos físicos».

«Alcoutim é um caso de estudo, e isto é um bom argumento para trazer para cá o Observatório», frisou a investigadora da Universidade do Algarve.

Ou, como salientou o presidente da Câmara Osvaldo Gonçalves, «para observar a desertificação temos de ir para onde ela existe. E isso é aqui!».

Osvaldo Gonçalves está entusiasmado com a perspetiva de trazer para o seu concelho o futuro Observatório Nacional. «Sediar aqui um laboratório científico, que é uma mais valia nacional, será um grande passo para Alcoutim», defendeu na sua entrevista ao Sul Informação.

«Cinco ou seis postos de trabalho criados em Alcoutim são, em proporção, equivalente a 100 ou 200 criados em Albufeira», insiste o autarca.

E na pequena vila à beira do Guadiana até já há instalações, «praticamente novas», à espera do Observatório Nacional. «Temos um edifício que está subaproveitado e que tem condições excelentes, a antiga Casa das Artes e dos Ofícios. E até tem uma vista para o rio que é qualquer coisa fantástica!».

E este Observatório será só para observar ou para fazer coisas concretas? «Espero que seja para fazer qualquer coisa de concreto!», responde de imediato, convicto, o autarca alcoutenejo.

«Temos um conjunto de coisas a acontecer aqui à volta. A AMAL está a avançar com o plano de combate às alterações climáticas, em Mértola, há um Centro de Competências na área da Caça, em Loulé está a ser criado um Centro de Inovação. Todos esses projetos terão uma ligação, de modo a aproveitarmos o que de melhor cada um desses planos tiver, para extrair daí algumas ideias práticas que se apliquem aos territórios», defendeu Osvaldo Gonçalves.

«Se o Observatório, por si, já tem estrutura física, com meios e pessoas a instalação já será um início do combate à desertificação», acrescentou o autarca, que se recusa a baixar os braços. «Não gosto de olhar para o meu território como sendo a capital da desertificação, mas a verdade é que o fenómeno existe e vamos deixando que nos engula…»

A professora Belém Costa Freitas adiantou que, além de mero Observatório, a nova estrutura deve «constituir-se como entidade do sistema de inovação e investigação, que pode ser parceira de projetos de I&D [Investigação e Desenvolvimento], que atraiam mais gente a este território». «O fenómeno está aqui, este é um laboratório vivo, portanto vamos usá-lo!», concluiu a investigadora da Universidade do Algarve.

«As pessoas têm que ter a certeza de que isto não está no fim, que há esperança», salienta, por seu lado, o edil Osvaldo Gonçalves. É que, resume, em relação ao futuro Observatório Nacional de Combate à Desertificação: «são projetos, são ideias, há esperança».

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