Festival Terras sem Sombra estreia-se em Barrancos com o exotismo do Próximo Oriente na música barroca

A vila raiana de Barrancos abre as portas, a 2 e 3 de Junho, para receber, pela primeira vez, o […]

A vila raiana de Barrancos abre as portas, a 2 e 3 de Junho, para receber, pela primeira vez, o festival clássico do Alentejo.

Em palco, um dos mais destacados agrupamentos portugueses de música antiga – o Ludovice Ensemble, que tem triunfado em grandes festivais e teatros do mundo – propõe uma viagem, ao longo de vários séculos, até às míticas fronteiras do Oriente. Este surpreendente programa artístico, jamais ouvido entre nós, é complementado por visitas ao território de Noudar.

Um dos périplos visa a redescoberta do castelo de Noudar, sentinela no coração da Andaluzia, e da povoação (outrora, sede de concelho) existente dentro dos seus muros, abandonada no séc. XIX.

O outro percurso descobre os tesouros da biodiversidade nos campos ao redor, onde é possível estar com um pé em Portugal e outro em Espanha. Pelo meio, vai haver tempo para conhecer um pouco da identidade e da língua barranquenhas.

Estas atividades, organizadas pela associação Pedra Angular, em parceria com o Município de Barrancos e a EDIA, são todas de acesso livre. Trata-se de uma ocasião única para perscrutar uma das regiões mais belas e singulares do país.

Barrancos é uma terra de tradições musicais e que ama verdadeiramente a música. Sábado, 2 de Junho, às 21h30, no Cineteatro, veste as melhores galas para receber um concerto dedicado a uma temática pouco escutada entre nós: o apelo do exótico na vida musical do Barroco.

Ao longo dos sécs. XVI-XVIII, houve um grande entusiasmo, um pouco por toda a Europa, pelas composições alusivas ao Oriente e, em particular, ao Egito, à Pérsia e à Turquia. Estas dão corpo a uma folie musical que marca um dos momentos altos do Terras sem Sombra em 2018.

Situada numa franja privilegiada de contacto entre as culturas ocidental e oriental, a Hungria (tal como a Roménia) cedo captou a atenção dos músicos, que vislumbraram nas suas melodias e danças populares um manancial exótico, com ritmos caprichosos e sequências de rara virtuosidade.

Boa parte deste legado artístico foi associada, nem sempre de maneira fidedigna, ao povo cigano, que se acreditava ter vindo do longínquo Egito. Mas muitas outras peças, gratas à sensibilidade barroca, pertenciam à tradição europeia ou foram pura e simplesmente recriadas por alguns dos mais importantes autores da época.

Sob a direção de Fernando Miguel Jalôto, o Ludovice Ensemble mergulha em pleno nos repertórios deste período para apresentar, em Barrancos, uma perspetiva da antiga música húngara, desde os seus registos mais antigos, até aos grandes mestres de Setecentos, como o príncipe Pál Esterházy.

Este tributo artístico à Hungria, o país convidado do Terras sem Sombra no presente ano, é completado por uma panorâmica da música europeia nesse tempo, com obras de grandes compositores contemporâneos – Rameau, Marais, Haydn, Fux, Telemann – em que transparecem as influências húngaras, sob vestes egípcias, persas ou turcas.

Entre Ardila e Múrtega: a antiga vila de Noudar

Após ter fixado a fronteira de Portugal com Castela, em 1295, pelo Tratado da Guarda, D. Dinis incrementou uma efetiva política de repovoamento dos territórios limítrofes. Noudar, ocupando um ponto dominante da raia, entre o rio Ardila e a ribeira de Múrtega, beneficiou deste plano de valorização: teve foral naquele ano e, em 1303, foi confiada à Ordem militar de Avis.

A vila cresceria à sombra de um extenso recinto amuralhado, em que domina a emblemática torre de menagem, rodeada pelo alcácer, tendo perto a igreja matriz de Santa Maria de Entre-Ambas-as-Águas.

No intuito de atrair novos moradores à localidade, o rei, em 1305, fê-la couto de homiziados – o primeiro do país.

Contudo, o problema demográfico nunca foi resolvido e acabou por ditar o abandono de Noudar: ao redor de 1825, a sede concelhia transitou para Barrancos, aldeia que se impôs, a partir do século XVI, como principal núcleo urbano.

Hoje, dominando uma paisagem de extraordinária beleza, a vila-fantasma de Noudar é um local silencioso, onde já não vive ninguém, mas os seus muros contam muitas histórias.

A tarde de sábado, dia 2, a partir das 15h00, vai ser dedicada ao seu passado e do seu presente. O guia é um grande conhecedor dos mistérios desta velha localidade, o arqueólogo Miguel Rego.

 

A Herdade da Coitadinha e o Parque de Natureza de Noudar

O Parque de Natureza de Noudar localiza-se na Herdade da Coitadinha, ou seja, “Coutada Pequena” – parte do antigo couto da Ordem de Avis –, por “detrás-dos-montes”, entre os cursos serpenteantes de Ardila e Múrtega, que correm no meio de cumes e colinas.

Para a percorrer, atravessa-se uma extensa área de montado de azinho, delimitada pela influência das duas linhas aquáticas. Seguindo velhos trilhos e caminhos de terra batida, descobrem-se outras realidades, como os fundos dos vales onde descansam azenhas, as matas selvagens nas encostas íngremes e as cristas pedregosas que pontuam as vistas.

Montado, pastagens, olival tradicional e pastoreio (ou não estivéssemos no reino do porco preto) são traços comuns às herdades da região.

Na Coitadinha, porém, um relevo mais abrupto e mais rochoso protege enclaves de vegetação em que subsistem azinhais e bosques densos, onde a luz penetra com dificuldade. Redutos únicos numa paisagem muito alterada, em outros séculos, pelo homem, têm agora como protagonista a vida selvagem, o que os torna um notável santuário da biodiversidade.

Domingo, 3, às 10h00, sob a orientação de Diogo Nascimento, Nuno Santos e José Pedro Salema (engenheiros florestais), João Xavier Matos (geólogo) e José Perdigão (técnico de arqueologia), os músicos e espectadores do Terras sem Sombra, a par de voluntários da região, vão descobrir este património natural único e colaborar na sua identificação e defesa.

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