A escritora algarvia Lídia Jorge, o realizador António-Pedro Vasconcelos, bem como Ricardo Paes Mamede ou Viriato Soromenho Marques são apenas algumas das personalidades que assinam a carta aberta hoje entregue, em mãos, ao ministro do Ambiente, exigindo a sua demissão, na sequência da decisão de isentar o furo de propeção de petróleo ao largo de Aljezur de Avaliação do Impacte Ambiental.
A carta aberta é assinada por 30 movimentos ambientalistas e de defesa do património natural, apoiados por personalidades de várias áreas, que exigem também a demissão de Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que tomou a decisão contestada.
«Encontrámo-nos com o senhor ministro com uma posição muito dura. Pedir a demissão de um ministro não é algo que se faça de ânimo muito leve. Eu acho que ele ficou chocado com esta nossa atitude, mas a verdade é que está perdida a confiança», afirmou aos jornalistas a escritora Lídia Jorge, que integra o movimento Futuro Limpo.
«Consideramos inadmissível e irresponsável que o Sr. Ministro tenha homologado o parecer que decidiu não submeter à Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) o Projeto Sondagem de Pesquisa Santola 1X, popularmente conhecido como “furo de Aljezur”», salientam os signatários da carta aberta.
»O futuro do Algarve e Alentejo Litoral está em perigo e V. Exª, bem como a APA, Instituto Público que tutela, demonstrou que considera que tal não merece sequer uma avaliação séria e estruturada dos riscos inerentes a uma prospeção petrolífera», acrescentam.
«No furo de Aljezur, em última instância, o que está em causa, para além da defesa do ambiente e de um modelo de desenvolvimento sustentável para Portugal, é a qualidade e o futuro da nossa democracia», concluem.
Leia a carta entregue ao ministro do Ambiente, na íntegra:
«Exmo. Sr. Ministro do Ambiente
Dr. João Pedro Matos Fernandes
Nós, cidadãos portugueses, apoiados por dezenas de movimentos ambientalistas, de defesa do património natural e outras associações de vários âmbitos, exigimos que V. Exª apresente a sua demissão do cargo de Ministro do Ambiente do XXI Governo de Portugal. Mais ainda, exigimos que se demita igualmente o Presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), o Dr. Nuno Lacasta.
Consideramos inadmissível e irresponsável que o Sr. Ministro tenha homologado o parecer que decidiu não submeter à Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) o Projeto Sondagem de Pesquisa Santola 1X, popularmente conhecido como “furo de Aljezur”.
Como é do seu conhecimento e do conhecimento público, a missão da APA, instituição tutelada por V. Exª, é “propor, desenvolver e acompanhar a gestão integrada e participada das políticas de ambiente (…), tendo em vista um elevado nível de proteção e de valorização do ambiente e a prestação de serviços de elevada qualidade aos cidadãos”.
Ora, entendemos que a decisão de não sujeição a AIA de um furo prospetivo de petróleo, em mar, a 46 km da costa até 3000 metros de profundidade, não garante a prossecução da sua missão de Ministro do Ambiente. Como tal, exigimos que se demita!
Consideramos que o seu papel na defesa do ambiente e dos interesses dos cidadãos foi desvirtuado. O Ministério que V. Exª tutela presta um serviço público e existe para defender o interesse do Estado que é, por definição, o interesse dos cidadãos. Este serviço público não está a ser prestado, por isso exigimos que se demita!
Não se compreende, e não se pode aceitar passivamente, que uma consulta para auscultação da opinião pública sobre um assunto tão premente e fraturante, que recolheu um número elevadíssimo de contribuições, todas unidas pelo apoio à realização de uma Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), foi totalmente desconsiderada no parecer da APA, transformada em decisão pela injustificável concordância de V EXª. Também por isso exigimos que se demita!
Fizemos chegar a V. Exª todas as razões – devidamente apoiadas por estudos científicos e casos de estudo – que demonstram inequivocamente que há impactos significativos associados à fase de prospeção de um furo petrolífero, bem como as razões porque esses impactos devem ser descritos e acautelados.
Todas estas razões e provas foram ignoradas. V Exª assinou um parecer que vai, consciente e deliberadamente, contra a opinião unânime dos cidadãos, das associações e Organizações Não Governamentais do Ambiente, mas também contra as recomendações da própria Assembleia da República.
O futuro do Algarve e Alentejo Litoral está em perigo e V. Exª, bem como a APA, Instituto Público que tutela, demonstrou que considera que tal não merece sequer uma avaliação séria e estruturada dos riscos inerentes a uma prospeção petrolífera.
Acresce ainda que as cinco maiores associações empresariais da Região se uniram para condenar a decisão do Governo. ACRAL, AHETA, AHISA, CEAL e NERA – associações de comerciantes, de empresários de turismo e de agricultores. Por último, todas as Câmaras Municipais do Algarve e Sudoeste Alentejano e respetivas Associações de Municípios, manifestaram a sua frontal oposição a este furo em Aljezur.
Não se admite que desacredite os processos democráticos, ao desprezar a vontade dos cidadãos e das populações, as recomendações da Assembleia da República e a posição das Autarquias Locais, descuidando o mesmo Ambiente que se comprometeu a proteger. Por isso demita-se!
Como Ministro do Ambiente, V. Exª sabe perfeitamente que todos os contratos de prospeção e exploração de petróleo e gás se apoiam juridicamente num ultrapassado Decreto-Lei 109/94, com quase 25 anos, e que estendia um tapete vermelho às petrolíferas, num momento em que pouco se falava de alterações climáticas.
No entanto, nunca pugnou pela alteração desta lei, nem nunca escutou os argumentos, os protestos e as petições da sociedade civil que têm repetidamente exigido o cancelamento destes contratos, protestos estes que originaram 3 providências cautelares e outras ações jurídicas, interpostas por diversos movimentos e associações, designadamente a PALP – Plataforma Algarve Livre de Petróleo, a Câmara Municipal de Odemira e a AMAL – Associação de Municípios do Algarve. Pela sua repetida recusa em escutar a sociedade civil e defender o Ambiente, demita-se!
O contrato de prospeção e exploração em questão, assinado com a ENI e a GALP, por José Sócrates e Manuel Pinho, ambos ex-ministros sob investigação pela Justiça portuguesa, é um contrato ruinoso para o país, sem quaisquer contrapartidas económicas palpáveis, criando um manto de suspeição sobre a sua celebração.
Devido a estas circunstâncias, V. Exª deveria ser a primeira pessoa a pugnar pela transparência de todo este processo e, no entanto, isentou o designado “furo de Aljezur” da AIA que, no mínimo, se impunha. Também pela sua obstinada defesa deste contrato lesivo, exigimos a sua demissão!
Todas estas decisões vêm no seguimento de uma política ambiental que tem, ao longo dos últimos anos, desrespeitado a vontade do povo português e os compromissos internacionais do Estado, algo que V. Exª deveria acautelar, nomeadamente na implementação dos acordos de Paris (COP 21) e Marraquexe (COP 22), assinados pelo Sr. Primeiro Ministro, Dr. António Costa.
A exploração de hidrocarbonetos é a maior causa das alterações climáticas, um problema com enormes impactos no nosso país, onde um aquecimento descontrolado torna cada vez mais difícil o combate aos incêndios rurais, promovendo secas persistentes e outros fenómenos climáticos extremos, ao mesmo tempo que ameaça as cidades e infraestruturas do litoral com uma mais severa erosão costeira, exponenciada pela rápida subida do nível médio do mar, fatores que deveriam merecer uma atenção prioritária por parte de um Ministro do Ambiente.
Por incumprir na sua missão de defender os que o elegeram, bem como o interesse de todos os portugueses, defraudando a luta contra as alterações ambientais, demita-se!
Os subscritores desta carta têm plena consciência de que a demissão de quem deu o rosto por uma decisão inaceitável deve ser, apenas, o primeiro passo para a alteração do próprio conteúdo da decisão.
O que está em causa é a responsabilidade política do Primeiro-Ministro e do Governo no seu conjunto, bem como a própria capacidade do Parlamento controlar a ação do Executivo, garantindo que interesses particulares, por mais poderosos que sejam, não se sobreponham à Constituição, às leis e ao interesse geral.
No furo de Aljezur, em última instância, o que está em causa, para além da defesa do ambiente e de um modelo de desenvolvimento sustentável para Portugal, é a qualidade e o futuro da nossa democracia.
Os subscritores,
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