Sobrancelhas expressivas ajudaram sociedades humanas a evoluir, diz estudo de investigador da UAlg

As sobrancelhas muito móveis e capazes de exprimir emoções subtis poderão ter sido essenciais na comunicação não-verbal na evolução humana […]

Créditos: Professor Paul O’Higgins, Universidade de York

As sobrancelhas muito móveis e capazes de exprimir emoções subtis poderão ter sido essenciais na comunicação não-verbal na evolução humana recente e, com isso, na capacidade de empatia dos seres humanos e evolução das sociedades.

Esta hipótese é sugerida num estudo realizado na Universidade de York por uma equipa onde Ricardo Miguel Godinho, investigador do Centro Interdisciplinar de Arqueologia e Evolução do Comportamento Humano (ICArHEB) da Universidade do Algarve (UAlg), esteve integrado. Esta investigação foi parcialmente financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.

As principais conclusões deste trabalho do grupo de investigadores, intitulado “Supraorbital morphology and social dynamics in human evolution”, foram publicadas, no dia 9 de Abril, na revista “Nature Ecology & Evolution”.

Ricardo Miguel Godinho integrou um grupo de investigadores no âmbito do seu doutoramento na Universidade de York, onde realizou várias simulações, «utilizando um crânio hominíneo fóssil icónico, Kabwe 1, que se encontra depositado na coleção do Museu de História Natural de Londres», segundo a UAlg.

Este exemplar, como os outras espécies ancestrais humanas, apresenta arcadas supraciliares muito proeminentes que, «tal como as armações dos veados, poderiam funcionar como um sinal permanente de dominância e agressividade».

«Na nossa espécie, Homo sapiens, as arcadas supraciliares tornaram-se mais pequenas devido à evolução da testa para uma forma mais vertical e suave, tornando as sobrancelhas mais visíveis e capazes de uma amplitude de movimentos mais diversificada e subtil», explica Ricardo Godinho.

Esta mudança «permitiu o desenvolvimento e refinamento da comunicação não-verbal através das sobrancelhas, sendo esta essencial na transmissão de emoções subtis como a simpatia e o reconhecimento», determinou a investigação. Na opinião dos investigadores «esta capacidade terá permitido uma maior compreensão e cooperação entre pessoas, essencial para a formação de redes sociais de grande dimensão».

Paul O’Higgins, professor na Universidade de York e coautor do artigo, salientou, por seu lado, que «a função de comunicação não-verbal refinada da nossa testa terá inicialmente sido um efeito colateral da redução do tamanho das nossas caras nos últimos 100.000 anos. Este processo de redução facial acelerou nos últimos 10.000 a 20.000 anos, quando mudámos de caçadores recolectores para agricultores – um estilo de vida que resultou em menos atividade física e numa dieta menos variada e mais mole».

Outra coautora do estudo, Penny Spikins, também ela professora da Universidade de York, acrescentou que «os movimentos das sobrancelhas permitem-nos expressar emoções complexas, assim como perceber as emoções dos outros». Isto faz com que as sobrancelhas sejam «essenciais para explicar como os humanos se tornaram tão bons a interagir uns com os outros».

«Erguer as sobrancelhas rapidamente (eyebrow flash) é um sinal intercultural de reconhecimento e de disponibilidade para a interação social. Erguê-las no meio da testa exprime simpatia. Movimentos ligeiros e pequenos das sobrancelhas são essenciais para identificar confiança e engano. Por outro lado, foi já demonstrado que pessoas que têm o movimento das sobrancelhas limitado devido, por exemplo, à aplicação de botox, são menos capazes de causar empatia e de se identificarem com as emoções de outros», explicou a investigadora.

Para chegar a esta hipótese, os cientistas da equipa na qual Ricardo Godinho este inserido, estudaram o crânio do Homo heidelbergensis Kabwe 1, acabando por concluir «que as duas hipóteses mais comuns para explicar a presença de arcadas supraciliares proeminentes, a hipótese espacial e a mastigatória, não são suficientes para explicar a arcada massiva de Kabwe 1», segundo a UAlg.

A hipótese espacial «propõe que as arcadas supraciliares se formam para ocupar o espaço entre a caixa craniana e as órbitas». A hipótese mastigatória «propõe que as arcadas supraciliares se desenvolvem para estabilizar o crânio contra as forças desenvolvidas durante a mastigação».

«Através de software de modelação 3D modificámos a arcada supraciliar massiva de Kabwe 1. Como foi possível reduzi-la significativamente, percebemos que a arcada não é assim tão grande apenas devido ao espaço entre a caixa craniana e as órbitas», explicou o investigador da UAlg.

«Em seguida simulámos mastigação em vários dentes e percebemos que a arcada supraciliar não se deforma significativamente durante a mastigação, sendo os resultados practicamente iguais entre o crânio original e outras versões com a arcada reduzida. Isto significa que a arcada tem relevância limitada para a estabilização do crânio durante a mastigação», acrescentou.

Este estudo contribui, assim, «para o longo debate acerca da razão porque outros hominíneos, incluindo a nossa espécie ancestral (Homo heidelbergensis), tinham arcadas supraciliares tão protuberantes e nós, Homo sapiens, temos uma testa vertical com arcadas muito reduzidas», concluiu a Universidade do Algarve.

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