Imagens de um singular Algarve – as platibandas

“Para que exista património reconhecível, é preciso que ele possa ser gerado, que uma sociedade se veja o espelho de […]

“Para que exista património reconhecível, é preciso que ele possa ser gerado, que uma sociedade se veja o espelho de si mesma, que considere seus locais, seus objetos, seus monumentos reflexos inteligíveis de sua história e sua cultura”.
JEUDY, Henri-Pierre, Espelho das Cidades; Tradução Rejane Janowitzer, Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005

 

Presente em todo o território algarvio, com especial incidência na litoral fímbria e estendendo-se para norte, abrangendo as terras ricas do barrocal – com poucos exemplares em territórios serranos -, a platibanda caracteriza uma arquitetura regional produzida na primeira metade do século passado, logo marcando a paisagem de forma indelével.

A platibanda encontra-se presente nas fachadas das habitações, viradas portanto para o espaço público, para as vias de comunicação, emoldurando de forma impercetível os dias.

Possui uma residual função utilitária, dado que a edificação da mesma ocultava a calha para escoamento das águas pluviais.

Julga-se que regulamentos municipais possam ter contribuído para a sua expansão (neste caso, mais em ambiente urbano, onde, com sua implementação, se evitava a queda de água proveniente das coberturas diretamente para a via pública ), porém tal facto não justifica a sua ampla disseminação em todo o território, não justifica a adoção por parte de quem por cá morava, elevando-a ao delírio, quer pela unicidade de cada peça, quer pela quantidade que se adivinha ter existido até um recente passado.

Platibanda em Santo Estêvão – foto: Filipe da Palma

Funcionando como tela cénica, várias foram as influências que receberam. Assim, coloridas e multiformes – em que umas ostentando motivos Art Déco, outras motivos naïf, outras padrões geométricos simples, outras ainda motivos de significados esotéricos vários e outras barrocos ornatos – não existindo dois exemplares iguais, a platibanda atingiu no Algarve sua expressão maior.

Plasmadas de encontro a um azul algarvio, as platibandas são o testemunho quer de uma manifestação de maior desafogo económico de seus proprietários, quer de sua efusiva ostentação perante os outros, chegando, nalguns casos, a derramar-se, contaminando toda a fachada, cobrindo-a.

A platibanda foi propositadamente ignorada e remetida para o esquecimento ou para o campo do exótico, deitando por terra qualquer séria abordagem que nela pudesse recair, tendo o primeiro estudo sido elaborado por Jacinto Palma Dias em “Algarve Revisitado”, editado no ano de 1994.

De facto, nas décadas do Estado Novo, a platibanda não teve lugar na fictícia imagem que o mesmo pretendia criar e dar da região do Algarve. Posteriormente, também ignorada por construtivistas e funcionalistas, a platibanda nunca viu reconhecida a sua existência enquanto elemento de uma determinada arquitetura produzida na região, num determinado espaço temporal.

Ao contrário da chaminé, cuja existência foi verticalmente elevada a ícone da região, mas igualmente carecendo de aprofundados estudos, capacitando a jusante uma conversão das mesmas em património alvo de carinho e proteção, a platibanda tem sido, ao longo de muitas décadas, completamente marginalizada, quedando-se numa horizontal imutabilidade de esquecimento, restando nos dias de hoje alguns tangíveis testemunhos da riqueza existente no passado.

Levando em linha de conta as vastas mudanças ocorridas no Algarve a partir da década de sessenta do século passado, nem nos ocorre as inumeráveis perdas neste processo de metamorfose do território.

Para além de necessário, urgente se torna o estudo da platibanda enquanto sinal do sentir e do viver, de criar uma estreita relação entre o território e a história, capacitando quem aqui vive de uma história, da sua história.

 

 

Autor do texto e das fotos (todos os direitos reservados): Filipe da Palma, fotógrafo

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