Foi você que pediu…hidrocarboneto?

Tornou-se desde há muito visível, até para os distraídos e para os voluntária e obstinadamente cegos, que o Governo Português, […]

Tornou-se desde há muito visível, até para os distraídos e para os voluntária e obstinadamente cegos, que o Governo Português, bem como a tríplice entente parlamentar que o suporta, não é nada avesso à exploração de hidrocarbonetos em Portugal e, solidária e consequentemente, ao modelo energético que tal representa.

Simplesmente tem alguma vergonha de o assumir, eventualmente devido ao rótulo “de esquerda” (e as esquerdas querem-se sempre “amigas” do ambiente) e às expectativas ideológicas que o mesmo gera numa parte mais incauta do seu eleitorado tripartidário.

Pesa-lhe também o receio de que se torne demasiado visível o processo orwelliano em que as suas feições governativas se começam a assemelhar cada vez mais com as do executivo anterior, que juravam representar tudo o que de mal havia…

No entanto, e porque pluralismo não é haver muita a gente a dizer o mesmo, mas muitas coisas diferentes a ser ditas por gente também ela distinta, confesso que vejo nisso um normal exercício de opção política – no sentido da gestão da coisa pública, livre dos tais perversos rótulos partidários ou de facção.

Discordo frontalmente, mas respeito uma posição oposta à minha.

Não consigo encaixar tão bem a falta de argumentação que apresenta para sustentar a sua pretensão. Por outro lado, diverte-me (tenho um humor negro) a contradição face aos compromissos climáticos internacionais assumidos, principalmente de “descarbonização da economia”.

Já a dissimulação e falta de respeito que demonstra a tábua rasa que faz, de forma despótica, da expressão da vontade popular de toda uma região, invulgarmente unida contra esta possibilidade, como demonstrou a sessão do passado dia 22 de Fevereiro, em Loulé, testa-me a paciência.

Porque o Algarve, a sua população, os seus agentes políticos – mesmo os que partilham as cores governativas – e os seus agentes económicos estão a ser mantidos num sórdido banho-maria, muito alimentado pelo estéril debate em torno das avaliações de impacte ambiental e do papel decisivo que desempenham na decisão.

Uma avaliação de impacte ambiental é uma ferramenta técnica para informação e apoio à decisão… política. Numa matéria como esta, é mais ou menos óbvio que a decisão política está mais do que tomada, e não será a técnica a influenciá-la – estamos em Portugal, lembrem-se.

Até porque, e deixando-nos daquilo a que tecnicamente se chama tretas e, principalmente, de tratar as pessoas como se fossem atrasadas, a avaliação de impacte ambiental das prospecções e explorações de hidrocarbonetos foi sempre obrigatória, à luz do disposto na alínea c) do nº 3 do Art.º 1º do Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de Outubro, que estabelece o regime jurídico da avaliação de impacte ambiental (AIA).

De forma muito simples, é determinado que estão sujeitos a AIA, entre outros, projectos que em função da sua localização, dimensão ou natureza sejam considerados, por decisão conjunta do membro do Governo competente na área do projecto em razão da matéria e do membro do Governo responsável pela área do ambiente, como susceptíveis de provocar um impacte significativo no ambiente, tendo em conta critérios devidamente estabelecidos.

Ora, esses critérios eram coisas como as características dos projectos – onde devem ser consideradas questões como utilização dos recursos naturais, produção de resíduos, poluição e incómodos causados ou o risco de acidentes, atendendo sobretudo às substâncias ou tecnologias utilizadas – ou a sua localização – destacando-se a riqueza relativa, a qualidade e a capacidade de regeneração dos recursos naturais da zona ou a capacidade de absorção do ambiente natural, com especial atenção para zonas como áreas costeiras e oceânicas.

Identificam algum projecto com tais características ou localização? Pois é…

Portanto, o que não houve nunca foi vontade política de decidir ou de fazer algo diferente deste lamentável empurrar com a barriga que vai resultar, inexoravelmente, na materialização dos interesses das empresas envolvidas.

É certo que está neste momento em consulta pública o processo de apreciação prévia e decisão de sujeição a AIA do projecto “Sondagem de Pesquisa Santola 1X”, que é nada mais, nada menos, do que o resultado de uma cínica alteração legislativa introduzida ao regime jurídico da avaliação de impacte ambiental, em finais de 2017.

Graças a essa alteração, feita à exclusiva medida dos processos de prospecção e exploração de hidrocarbonetos, abre-se um período de consulta pública, para dar ao povão a hipótese de barafustar à vontade, num patusco convite do Estado à população, para se substituir à Administração e ao Governo, pedindo-lhe que “decida” se a lei deve ser cumprida.

Um referendo ad hoc, se quisermos, mas que, embora giro, é obviamente inócuo e completamente inconsequente.
É por isso que, embora enternecedora, esta oportunidade adicional de ser ignorado, nestes termos, parece-me algo fora de moda. É que, bem vistas as coisas, o “Agora Escolha” já saiu do ar há quase 15 anos.

E, de ladrar enquanto a caravana passa, estamos todos fartos.

 

Autor: Gonçalo Gomes é arquiteto paisagista, presidente da Secção Regional do Algarve da Associação Portuguesa dos Arquitetos Paisagistas (APAP)
(e escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico)

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