Torre da Lapa volta a ser atalaia na costa de Lagoa após restauro cuidado

A Torre da Lapa, uma antiga atalaia no litoral de Lagoa que estava arruinada, foi agora alvo de obras de […]

A Torre da Lapa, uma antiga atalaia no litoral de Lagoa que estava arruinada, foi agora alvo de obras de conservação e restauro, numa iniciativa da Câmara local, enquanto também decorre o seu processo de classificação como monumento de interesse público.

Durante centenas de anos, lá no alto, os homens das redondezas revezavam-se a cumprir quartos na vigilância da costa, sempre de olhos nos barcos dos corsários, na sua maioria provenientes do Norte de África. Em caso de perigo, era também lá no alto que se tocava um sino, se fazia sinais de fumo ou, durante a noite, se acendia uma fogueira, para que as populações tivessem tempo para pôr os seus haveres, e vidas, em lugar seguro.

Mas a Torre da Lapa, talvez construída no século XVI como parte desse sistema de torres de atalaia que ajudava à defesa da costa algarvia, acabou por perder a sua utilidade e a degradação começou.

Situada à beira da arriba, na costa de Lagoa, a curta distância a pé da Ponta do Altar (Ferragudo), a secular torre, batida pelo vento, pela chuva e pela salsugem do mar foi-se desmoronando. E tudo fazia crer que, deste testemunho da história do Algarve, em breve não restasse mais do que um monte de pedras.

Torre da Lapa, arruinada, antes da intervenção de conservação e restauro

No ano passado, a Câmara Municipal de Lagoa deitou mãos à obra e, com o acompanhamento técnico da Direção Regional de Cultura do Algarve, promoveu o restauro cuidadoso da Torre da Lapa, que agora volta a erguer-se inteira e pronta para arrostar com mais umas centenas de anos de sol, sal e vento.

O arquiteto paisagista José Fernando Vieira, técnico superior da Câmara de Lagoa, foi o responsável pelo acompanhamento dos trabalhos, por parte da autarquia. E conta como a obra, apesar de todo o estudo prévio feito, trouxe algumas surpresas.

«Quer eu, quer a empresa especializada que fez esta obra, quer até os técnicos da Direção Regional de Cultura, estávamos convencidos que a torre era maciça, que o preenchimento do seu interior era maciço. Mas acabámos por constatar que, na origem, a torre era oca. E foi ficando com o interior preenchido ou porque, ao longo dos séculos, os materiais da sua construção foram caindo lá para dentro ou porque, num determinado momento da sua utilização, alguém resolveu torná-la maciça», explicou ao Sul Informação.

Uma das provas de que, na origem, a torre teria sido oca foi o arbusto descoberto no seu interior e «que não teria ali crescido se fosse maciça, com tudo preenchido».

Mas, interrogou José Vieira, «para que raio seria a torre oca se não tinha nem portas, nem janelas, para aceder ao seu interior?». Terá sido apenas para poupar na quantidade de material necessário à sua construção?

Para já, não se sabe. De qualquer modo, além do trabalho de levantamento e enquadramento já feito por Natércia Magalhães, técnica superior da Direção Regional de Cultura, para dar suporte ao pedido de classificação da torre, também Ismael Medeiros, o jovem arqueólogo da Câmara de Lagoa, que fez o acompanhamento de toda a intervenção já se prontificou a continuar a investigação sobre as origens e a história da Torre da Lapa.

Torre da Lapa, após o restauro

José Vieira contou ainda à reportagem do Sul Informação que a reconstrução do monumento foi feita «pelo testemunho que havia, pela altura que a torre apresentava. Talvez tenha sido, na origem, ainda mais alta, há exemplos, nomeadamente aqui no Sul de Espanha. Mas nós não temos evidências disso, portanto a torre ficou com a altura para a qual temos certezas».

«O principal está feito, que era impedir a derrocada completa da torre», salientou o arquiteto paisagista. «Agora, com a devida calma, vamos ver se conseguimos refazer melhor a história desta torre, saber se era mais alta».

Outra curiosidade deste restauro é que a torre foi agora deixada sem reboco, embora na origem tivesse sido rebocada. Aliás, ainda hoje são visíveis na superfície da parede pedaços de reboco, não se sabe se original. «Num local como este, tão exposto aos elementos, de certeza que uma construção deste tipo era rebocada, para durar mais tempo. Mas, quando agora se falou disso, houve logo vozes que se levantaram, porque as pessoas têm, hoje, a ideia romântica da pedra à vista…para já fica assim».

A Torre da Lapa é, sublinhou José Vieira, «um marco na paisagem. Vê-se muito bem a partir de outros pontos da costa, como de Carvoeiro. Mas é também um marco interessante do que era a vida dos algarvios nos séculos XVI, XVII, XVIII. Havia aqui uma importante produção agrícola e pescas com alguma prosperidade, o que motivava os constantes ataques da pirataria, que vinha aqui também pelos cativos e pelos resgates que podia obter com eles».

«Quem era esta gente, quer a os que eram assaltados e que tinham que estar sempre vigilantes, quer os que nos assaltavam?». Ainda são perguntas para as quais não há todas as respostas.

A ideia de classificar a Torre da Lapa, como forma de chamar a atenção para ela e assim tentar evitar a sua degradação total, partiu da Junta de Freguesia de Ferragudo, então presidida por Luís Alberto. A intenção inicial era classificar como imóvel de interesse concelhio, mas, graças à intervenção da Câmara de Lagoa e da sua vereadora Anabela Simão, em 2015, a Direção Regional de Cultura do Algarve decidiu avançar para uma classificação de grau superior, como monumento de interesse público.

A abertura do processo de classificação, por parte da Direção Geral do Património Cultural, já foi publicada em Diário da República a 18 de Agosto do ano passado.

«No concelho de Lagoa, não temos valores monumentais de grande monta, mas temos estes pequenos objetos que são marcos da nossa história e que têm de ser valorizados», explicou José Vieira.

Terminada que está a obra de restauro, a cargo da empresa Monumenta – Reabilitação do Edificado e Conservação do Património, não se pense que a intervenção fica por aqui. Junto ao futuro monumento, será instalada sinalética informativa, enquanto o espaço envolvente será tratado «com a gentileza que o sítio exige».

Torre da Lapa, inserida no futuro percurso pedestre do «Caminho dos Promontórios»

E a Torre da Lapa passará ainda a estar integrada no novo percurso pedestre costeiro que a Câmara de Lagoa está a criar: o «Caminho dos Promontórios».

«Será um novo trilho pedestre, entre o molhe de Ferragudo e a praia do Paraíso, já em Carvoeiro, inserido, como o dos Sete Vales Suspensos, nos percursos de património promovidos pela Câmara de Lagoa», acrescentou o arquiteto José Vieira. Tal como o anterior, terá a mesma filosofia, de disciplinar os trilhos e o pisoteio sobre a arriba, com a colocação de sinalética direcional, mobiliário rural para descansar e observar a paisagem. A Torre da Lapa será um dos marcos nesse novo «Caminho dos Promontórios».

Mas ainda há mais novidades sobre a Torre da Lapa. É que está a ser produzido um documentário sobre este edifício emblemático da costa de Lagoa, a sua história, a intervenção de restauro, e o seu futuro. O documentário destina-se a ser divulgado quer no website da Câmara de Lagoa, quer em fóruns e iniciativas temáticas.

Para já, mesmo sem que o «Caminho dos Promontórios» e o documentário estejam prontos, a Torre da Lapa já se ergue imponente, no topo da arriba, a convidar a um passeio pela costa de Lagoa.

 

A Torre da Lapa, durante as obras de conservação e restauro

Excertos da fundamentação do valor histórico-cultural da Torre da Lapa

(documento da Direção Regional de Cultura, assinado pela sua técnica superior Natércia Magalhães, enviado à Direção Geral do Património Cultural, para abertura do processo de classificação)

«Em todo o litoral português, do rio Minho ao Guadiana, mas particularmente na costa algarvia, nos pontos de onde se pudesse ver ao longe no mar, foram instaladas torres de vigia, que as populações conheciam como fachos, almenaras ou atalaias.

Não eram fortificações, mas apenas pontos de vigilância, no cimo dos quais, de dia e de noite, homens para esse fim pagos pelo imposto da Imposição, em geral nos meses de Verão, quando os piratas, na sua maior parte norte-africanos, chegavam em embarcações às praias, com a finalidade não só de fazer guerra de corso, como de, por surpresa, saltarem em terra e praticarem nas povoações ribeirinhas ou nas habitações isoladas, o roubo e a captura de escravos para venda nos mercados de Tunes, Argel, etc.

No alto das torres de vigia, os facheiros, em caso de avistarem embarcações tidas por inimigas, faziam sinais, de dia, por meio de fumos ou sons, e, de noite, com fogos ou luzes, alertando assim os povos do lugar e das povoações vizinhas para o perigo que corriam.

Em caso de desembarque dos piratas, das torres seriam dados tiros de arcabuzes, para os homens válidos seguirem para as praias, a combater os corsários, enquanto os velhos, as mulheres e as crianças se procuravam pôr a salvo.

(…)

É provável que uma rede muito organizada de postos de vigia tenha sido criada durante o reinado de D. João III, altura em que se edificaram várias torres-atalaia, por toda a costa sul, com particular relevo para Lagos, Portimão, Faro e Tavira.

(…)

O aumento dos ataques de pirataria deve ter sido então bem evidente por toda a costa algarvia. Em 1558, assinala-se a presença de 17 galeras turcas junto ao Algarve e, em 1569, três religiosos que vinham a caminho do Algarve, são despidos, torturados e roubados por ingleses luteranos, em frente a Odemira. E, por fim, em 1596, dá-se o ataque do Conde de Essex a Faro, roubando este corsário inglês a biblioteca do Bispo do Algarve.

(…)

Ultrapassada a situação estrutural de pirataria, na costa, perdida a sua funcionalidade, as torres de atalaia que, durante séculos, estiveram no cerne da vida quotidiana e das preocupações das populações ribeirinhas e da coroa, que se empenhavam, concomitantemente, na sua construção, reconstrução e manutenção, ficaram abandonadas em definitivo e na situação de candidatas à ruína.

O seu abandono é agravado, na atualidade, pelo desconhecimento histórico da população em geral, não apta a identificá-las e a dar-lhes qualquer significado, e pelo interesse só ocasional de uma qualquer entidade pública».

 

 

 

 

Nota: corrigido o nome da empresa responsável pela obra de conservação e restauro, às 17h33 do dia 13 de Fevereiro.

 

 

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