Os cuidadores de pessoas com demência também têm de cuidar de si próprios

Acordar de manhã e ver o chão da casa de banho imundo porque a nossa avó se esqueceu do objeto […]

Acordar de manhã e ver o chão da casa de banho imundo porque a nossa avó se esqueceu do objeto próprio para o efeito não é fácil.

Receber um telefonema da polícia a dizer que o nosso pai se perdeu no meio da cidade e não sabe o caminho de volta a casa não é fácil.

Acordar diariamente dez vezes durante a noite porque o nosso avô se engana na porta do quarto de cada vez que vai à casa de banho não é fácil.

Ler um email de um médico a pedir que, enquanto única filha do casal, assine um documento para dar a guarda total da minha mãe ao meu pai não é fácil.

Estes e outros exemplos são cada vez mais frequentes entre nós. Por um lado, vivemos mais anos, por outro somos mais atacados pelas demências: Alzheimer, Vascular, Parkinson, Corpos de Lewy, Frontotemporal, Huntington, Korsakoff, Creutzfeldt-Jacob, entre outras. Em 2050, vamos ser mais de 100 milhões de pessoas no mundo com demência. O triplo de hoje.

Ver um familiar que outrora era um profissional ativo, um velejador experiente, o pronto-socorro ou o elo de ligação da família ou mesmo o guardião das memórias familiares, a perder as suas capacidades, não é fácil. Nada fácil.

Vivemos mais, mas ainda não somos treinados para lidar com a demência, algo que muitas vezes vemos a desenvolver-se a uma velocidade galopante. É uma profissão para a qual não fizemos estágio. Vamos fazendo, por tentativa e erro, o melhor que sabemos. E desgastando. Sim, desgastando-nos incrivelmente.

É certo que existe uma variedade de sintomas e a progressão da demência pode variar bastante entre diferentes pacientes da mesma idade. A investigação sugere até que se defina cada vez mais subtipos para um tratamento de mais qualidade.

Voltando aos cuidadores, surge o isolamento social, o stress, a depressão, o burnout. A falta de confiança e o medo de perder o controlo tornam-se por vezes assustadores.

Cuidadores com depressão podem sentir falta de interesse e prazer em atividades diárias, perda ou ganho de peso significativo, insónia ou sono excessivo, falta de energia, incapacidade de concentração, sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva e pensamentos recorrentes de morte ou suicídio.

Estes cuidadores muitas vezes precisam de ajuda psicológica. Quanto mais cedo procurarem ajuda profissional, melhor. Psicólogo ou também, juntamente, um psiquiatra. Há casos em que uma combinação de terapia e medicação antidepressiva pode ajudar a garantir a recuperação.

Felizmente, a depressão é tratável. O isolamento social aumenta o risco de depressão. Mas acontece que passar muito tempo a discutir problemas também pode aumentar a depressão.

Gostaria de salientar que hábitos saudáveis, como a prática de exercício físico e uma dieta saudável, são um tratamento efetivo e económico para a depressão e podem ajudar na prevenção e tratamento de outras doenças, como por exemplo a obesidade.

Mas surge também a paz quando, por morte natural, perdemos a pessoa com demência, porque fizemos tudo o que estava ao nosso alcance.

Aprendemos a paciência, a humildade, o carinho, a fragilidade. Já para não falar das vantagens intergeracionais: transmissão bidirecional de atitudes, orientações, comportamentos, saberes, valores, códigos, mitos, segredos, pontes sociais, interventores na crise.

Apesar da perda da pessoa com demência ser um processo que varia entre todos nós, são menos comuns os sentimentos de raiva e de culpa e o estado de choque quando cuidámos da pessoa com demência diretamente.

Então, sermos o cuidador de uma pessoa com demência é uma situação temporária dolorosa ou uma oportunidade?

O cuidado como uma oportunidade consiste em 3 passos:
1. criar um ambiente seguro, interessante e positivo;
2. ser disciplinado e ter expectativas realistas;
3. cuidar de si enquanto cuidador.

 

Autora: Marta Pimenta de Brito (Psicóloga)
© 2018 – Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva

Marta Pimenta de Brito é membro efetiva da Ordem dos Psicólogos Portugueses, com três especializações:
1. Psicologia clínica e da saúde
2. Psicologia do trabalho, social e das organizações
3. Psicogerontologia
Licenciada pela Universidade do Porto em Psicologia – consulta de jovens e adultos; Doutorada pela Universidade de Zurique (Suíça) em acesso à saúde mental; Pós-doutorada pela Universidade de Harvard (EUA) em retenção de pacientes; Formação executiva em comunicação, média e advocacy em Harvard (EUA) e Bruxelas (Bélgica); Eleita por Bruxelas (Bélgica) como uma das “best Spokesperson Europe”.
Autora do blogue: https://martapimentadebrito.wordpress.com/

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