Obras de ampliação do Lar da Criança aprovadas pela Câmara de Portimão poderão ter de ser «revertidas»

As obras de ampliação do edifício do Lar da Criança, que a Câmara de Portimão aprovou na sua reunião de […]

As obras de ampliação do edifício do Lar da Criança, que a Câmara de Portimão aprovou na sua reunião de 6 de Fevereiro, poderão ter de ser «revertidas», uma vez que já deu entrada na Direção Geral do Património Cultural o processo para a sua classificação como «monumento de interesse nacional».

A Secção Regional Sul da Ordem dos Arquitetos considerou hoje, em comunicado, que as obras aprovadas pela autarquia vão «destruir, subverter e adulterar» o projeto original da autoria do arquiteto modernista António Vicente de Castro.

Mas o Sul Informação apurou, junto da Direção Regional de Cultura do Algarve, que esta entidade «já formalizou junto da Direção Geral do Património Cultural (DGPC) a proposta para a classificação desse edifício como monumento de interesse público». «Esperamos que, com a classificação, haja a possibilidade de recuperar alguns dos aspetos do edifício, que têm vindo a ser alterados ao longo dos anos», disse Rui Parreira, diretor de Bens Culturais da Direção Regional de Cultura.

O pedido inicial de classificação foi enviado à DGPC em Julho passado, pela Decomomo International, o Comité Internacional para a Documentação e Conservação dos Edifícios, Sítios e Bairros do Movimento Modernista, presidido pela portuguesa Ana Tostões. A fundamentação do pedido de classificação, aliás, foi assinada por esta arquiteta especialista naquele importante período da arquitetura mundial.

Rui Parreira adiantou ainda ao nosso jornal que, tendo em conta as ameaças que pairam sobre edifícios construídos nos anos 50 e 60 do século passado, pela geração de arquitetos modernistas algarvios – António Vicente de Castro (1920-2002), Manuel Laginha (1919-1985) e Manuel Gomes da Costa (1921-2016) – a Direção Regional de Cultura do Algarve já iniciou o processo de classificação de uma série de cinco estruturas ligadas à educação e apoio à infância, maternidade e família, nos concelhos de Portimão, Lagos, Loulé, Aljezur e Olhão.

Centro de Assistência Social, mais conhecido como Lar da Criança, em Portimão, em 1959 – Foto de Luísa Castro

Uma delas é precisamente o edifício do Lar da Criança, construído em 1959, em Portimão, da autoria de Vicente de Castro. Mas há ainda a Casa da Primeira Infância de Loulé (Manuel Laginha), que é a única obra já classificada, embora apenas como de Interesse Municipal, bem como as creches de Aljezur (Manuel Gomes da Costa) e de Olhão (Manuel Laginha), e o Centro de Assistência Social Lucinda Anino dos Santos, em Lagos (Vicente de Castro).

«O objetivo é classificar todo esse conjunto coerente da mesma tipologia de edifícios, como monumento de interesse nacional», acrescentou.

Mas enquanto o anúncio da abertura do processo de classificação não é publicado em Diário da República, a verdade é que as ameaças continuam ativas. Depois da recente demolição da antiga Estalagem de São Cristóvão, em Lagos, da autoria de Vicente de Castro, agora foi a vez de a Câmara de Portimão aprovar a legalização de obras já feitas, bem como o projeto de ampliação do Lar da Criança.

A Secção Regional Sul da Ordem dos Arquitectos (OASRS) esteve presente na Reunião Ordinária da autarquia para apelar «à não legalização» e à não aprovação da ampliação. Mas, salienta a OASRS em comunicado enviado hoje às redações,  «contrariando as recomendações da OASRS e os apelos de outras instituições na área da preservação do património, a autarquia licenciou as obras clandestinas, realizadas e denunciadas desde 1999».

A OASRS pretende «impedir a destruição, subversão e adulteração» do edifício, construído entre 1959 e 1962 e considerado, pelo Docomomo, como «uma obra de referência da arquitetura portuguesa no mundo», «de valor inestimável» e «um exemplar da obra excecional do arquiteto António Vicente de Castro».

Além disso, em carta enviada em Setembro passado à presidente da Câmara Isilda Gomes, bem como à Comissão de Coordenação da Região do Algarve e à DGPC, a OASRS expressou «sérias e graves preocupações relativamente às intervenções clandestinas anteriormente realizadas, bem como ao projeto de ampliação solicitado pela atual Direção do “Lar da Criança”».

Nessa missiva, a OASRS lembrava que o edifício assinado pelo arquiteto António Vicente de Castro é «um exemplar da mudança histórica nas preocupações assistenciais nacionais e regionais», símbolo de «um marco geracional de arquitetos» algarvios que tiveram um papel fundamental na «implementação da arquitetura moderna numa região onde predominava o conservadorismo».

Para a Secção do Sul da Ordem dos Arquitetos, o complexo do Lar da Criança «é uma obra com múltiplas referências no panorama crítico da arquitetura moderna em Portugal», considerada um dos «poucos exemplares da Arquitetura Moderna de carácter social em Portimão».

A Ordem recorda que «desde os anos 90 do século passado que sucessivas obras levadas a cabo pelo Lar da Criança são alvo de reclamações, não só pelo próprio autor do projeto ainda em vida, como pela atual detentora dos direitos de autor, a arquiteta Maria Luísa Castro», sua filha.

Projeto do Lar da Criança, de 1959 – foto de Luísa Castro

Em entrevista ao Sul Informação, Luísa Castro recordou que «de cada vez que havia mais obras clandestinas no Lar da Criança, eu fazia uma exposição à Câmara. A primeira ainda foi feita em vida do meu pai».

«Começaram por encerrar o piso térreo, que era assente em pilotis. A nascente, o edifício era todo solto, mas arranjaram maneira de o colar à vizinha Recomar [atual Pingo Doce]. Perdeu toda a plasticidade», comentou a arquiteta, desalentada.

Luísa Castro admite que, quase 60 anos depois de ter sido construído, «haja necessidade de evolução. Mas isso pode ser bem feito ou mal feito, bem pensado ou mal pensado».

A arquiteta também esteve presente na reunião camarária do passado dia 6. «Não sou eu sozinha que me lembrei que a obra do meu pai é importante. É um organismo internacional, o Decomomo, e a Ordem dos Arquitetos que pedem a classificação. A Câmara de Portimão diz, em teoria, que está alerta. No entanto, vai aceitando todas as obras clandestinas e agora até as legaliza».

Apesar das reservas camarárias, a Ordem dos Arquitetos afirma-se «disponível para dialogar com a autarquia no sentido da preservação do património arquitetónico em risco».

A OASRS termina recordando que «o arquiteto António Vicente de Castro dá nome a três ruas da cidade de Portimão e mereceu, em 2010, a medalha póstuma atribuída pelo município pela obra de valor, inovadora e representativa da arquitetura do período Moderno no Barlavento Algarvio».

Além disso, o trio de arquitetos modernistas algarvios foi alvo, em 2004 e nos anos seguintes, de exposições retrospetivas promovidas pela Ordem. No caso de António Vicente de Castro, a mostra esteve patente no Museu de Portimão, com o beneplácito da Câmara Municipal.

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