Faro aquece corpo e alma dos sem-abrigo durante vaga de frio

António dorme num vão de escada, nas traseiras de um supermercado, sempre acompanhado do seu cão. Fernando faz de uma paragem […]

António dorme num vão de escada, nas traseiras de um supermercado, sempre acompanhado do seu cão. Fernando faz de uma paragem de autocarro, em Montenegro, a sua casa, onde até estende a mesa do jantar. Já Carlo e António M. são como irmãos e dormem ao pé do Mercado Municipal. Todos são sem-abrigo em Faro. A noite está gélida e nenhum recusa a ajuda de Paulo Albano e Maria José, da patrulha que os apoia durante a vaga de frio.

Do quartel dos Bombeiros Sapadores de Faro, vai sair o carro da Proteção Civil, com sopas, croissants, leites com chocolate, pães com chouriço e agasalhos.

Paulo Albano, que é técnico superior de Educação Social na Câmara de Faro, e Maria José, assistente técnica da autarquia, colaboram com a Proteção Civil, fazendo parte da equipa que foi criada para, durante as noites de maior frio, ajudar os sem-abrigo de Faro.

Até agora, não falharam um único dia de patrulha, que começou segunda-feira, 5 de Fevereiro . «Não é qualquer um que o faz, mas eu sinto-me bem a fazer isto», comenta, ao Sul Informação, Paulo Albano, já ao volante do carro.

Paulo Albano

Sempre de olho atento, o trabalho começa por fazer uma ronda por vários pontos do concelho para encontrar quem precisa de ajuda. Carlos Baía, vereador da Câmara de Faro, explica que «as pessoas estão referenciadas e identificadas e, por isso, não encontramos grandes surpresas».

Mas, por vezes, elas acontecem. É o caso de António, que foi referenciado apenas agora por estas equipas. Atrás do supermercado Pingo Doce, à entrada de Faro, lá está ele, de gorro, num vão de escada. Quando chega o carro da Proteção Civil, levanta-se e sorri, feliz por ter chegado aquela ajuda.

«Eu sou do Norte e apenas estou cá de passagem. Também já estive noutros pontos do país», conta à reportagem do Sul Informação. Ainda assim, não tem dúvidas em dizer que aquela «é uma ajuda importante» nestes dias de maior frio.

Aceita a sopa, a comida e vai guardá-la perto do seu fiel companheiro: um cão. Paulo pergunta-lhe se precisa de comida para o cão, mas António responde logo que «acabei de tratar dele». Ali passam as noites, os dois, acompanhados pelo som de um rádio.

Na capital algarvia, há cerca de «30 sem-abrigo», segundo Paulo Albano. O número tem sido estável, ao longo do tempo. «Houve uma altura em que eram principalmente pessoas do Leste, mas agora nem tanto», explica.

António, com Maria José e Paulo

Paulo Albano explica que a Câmara de Faro tem «mais de 600 pedidos de habitação», não conseguindo «dar resposta a tudo». Também há «quem não queira ter uma casa», preferindo morar na rua, e quem nem sequer aceite a ajuda de Paulo e Maria José.

Em Faro, há um Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo, o NPISA, que junta vários parceiros, para ajudar a combater esta realidade, sinalizando, por exemplo, os sem-abrigo existentes na cidade e acompanhando-os de acordo com as necessidades de cada um.

O senhor Fernando já é um velho conhecido de Paulo Albano e Maria José. Costumava dormir em Faro, mas viu-se obrigado a emigrar para o Montenegro. «Aqui não me roubam», conta, ao Sul Informação. 

Agora, faz de uma paragem de autocarro a sua casa. Mal chega o carro da Proteção Civil, Fernando levanta-se e acena. Aceita as mantas e a comida.

No banco da paragem, põe a mesa do jantar a sorrir. Há sopa quente, para lhe aconchegar o estômago, pão com chouriço e croissants. «Já estou habituado a viver na rua», diz.

A comida que vai sendo distribuída é dada pela Refood, de Faro, parceira destes grupos. Nuno Graça, um dos coordenadores, refere ao Sul Informação que tem havido «situações complicadas». «Existem muitas pessoas com necessidade», diz.

Senhor Fernando recebe uma manta

Nos dias em que não há esta ajuda, um dos sítios onde os sem-abrigo podem ir buscar comida é ao Refood. É o que os amigos Carlo e António M. costumam fazer.

«Quando nos conhecemos, andámos à porrada. Agora somos como irmãos», diz António, olhando para Carlo. Os dois costumam passar as noites junto ao Mercado Municipal. «Este frio é difícil, mas lá nos conseguimos aquecer», conta Carlo, enquanto vai segurando na sopa quente que acabou de receber.

Há cerca de um ano que ambos vivem na rua. «Primeiro, chateei-me com uma namorada. Depois chateei-me com a minha mãe e acabei aqui», diz Carlo, de lágrimas nos olhos. Estão os dois desempregados e costumam ajudar a arrumar as mesas de um café do Mercado, para, em troca, comerem qualquer coisa.

António Martins e Carlo

Os termómetros oscilam entre os 6 e os 9 graus, a noite já vai longa, mas o trabalho ainda não terminou. Há que fazer uma última ronda para saber se mais alguém precisa de ajuda.

Custódio está deitado num banco do Aeroporto de Faro, tapado até à cabeça com mantas. Quando dá conta da presença de Paulo Albano e Maria José, levanta-se e comenta o movimento que há no Aeroporto àquelas horas tardias. «É engraçado o turismo aqui».

Fala com um sotaque francês. «Nasci em Vila Real de Santo António, mas estive em França durante muitos anos», explica.  Desde 1989 que vive na rua, junto ao Aeroporto. «É um daqueles casos que não quer ir para um Centro de Idosos, por exemplo», explica Paulo Albano.

A família de Custódio dá-lhe, por vezes, dinheiro, mas não chega. «Há taxistas que me ajudam, dão-me comida. Passo os dias por aqui, vou tomar café às bombas de gasolina», conta.

Além da comida, não recusa um cigarro de Maria José que, emocionada, o vai ouvindo falar, às vezes com um discurso impercetível.

Na hora da despedida, Custódio pergunta: «amanhã vêm outra vez?». Paulo responde que sim e não consegue esconder a emoção. «É gratificante ouvir esta preocupação», diz ao Sul Informação.

Hoje à noite, Paulo Albano e Maria José vão voltar a sair à rua para ajudar António, o senhor Fernando, os amigos Carlo e António, Custódio e todos aqueles que encontrarem a passar uma fria noite de Fevereiro na rua. Muitos em total solidão.

«Fazemos isto por amor», conclui.

 

 

Fotos: Fabiana Saboya | Sul Informação

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