Crónicas do Sudoeste Peninsular: “Os territórios não são pobres, estão pobres”

A valorização do interior está na ordem do dia. Em três escritos anteriores (Público, 11 de Janeiro, Público, 23 de […]

A valorização do interior está na ordem do dia. Em três escritos anteriores (Público, 11 de Janeiro, Público, 23 de Janeiro e Público, 29 de Janeiro) abordei o recém-criado Programa de Revitalização do Pinhal Interior (PRPI) e dois instrumentos de intervenção territorial que eu considero fundamentais para a valorização do interior, a saber, o laboratório colaborativo e o parque agroecológico municipal.

Estas duas aproximações são, porém, duas visões meramente instrumentais e “concetualmente curtas” em reação a uma tragédia que acaba de acontecer.

Numa aceção mais larga e mais longa, “valorizar o interior” significa colocar questões fundamentais e dar-lhes uma resposta apropriada, por exemplo: que modelo de desenvolvimento territorial, que tipologia de bens e serviços, quais os beneficiários do novo modelo, qual o seu escalonamento temporal, que parcerias e modelo de financiamento, que papel para as tecnologias digitais, que modelo de governação do território?

 

As Grandes Opções para a valorização do interior
Não vou, agora, responder a todas estas questões, mas posso adiantar algumas variações em redor das grandes opções de investimento disponíveis para a valorização do interior e que são outras tantas estratégias de atuação:

– Em primeiro lugar, podemos optar por “pequenos investimentos cirúrgicos de reposição” tendo em vista repor equipamentos, infraestruturas, serviços e empresas que foram destruídos pelos acontecimentos;

– Em segundo lugar, podemos optar por reforçar uma “rede de vilas, cidades pequenas e médias do interior” tendo em vista consolidar a sua malha, aumentar os seus efeitos de aglomeração e, portanto, a sua área de influência;

– Em terceiro lugar, podemos optar por um “plano de infraestruturas de rede”, por exemplo, a renovação da ferrovia, o reforço da rede de barragens, o saneamento das bacias hidrográficas, o melhoramento da rede rodoviária, novos centros hospitalares, a renovação do parque escolar;

– Em quarto lugar, podemos optar pela instalação de uma “rede digital de alta velocidade”, acabando com esta discriminação territorial e assim contribuindo para a smartificação dos territórios do interior;

– Em quinto lugar, podemos optar por “investimentos agroambientais e agroflorestais de ordenamento do território”, tendo em vista reduzir os riscos ambientais e climáticos destes territórios;

– Em sexto lugar, podemos optar por um “sistema de incentivos fiscais e financeiros às empresas” que se queiram instalar nos territórios do interior e que são variáveis com o número de empregos criados;

– Em sétimo lugar, podemos optar pela prioridade ao “turismo de vilas e aldeias”, às suas redes e valorização dos seus sinais distintivos territoriais, tendo em vista atrair novos residentes e visitantes;

– Finalmente, e porque todas estas opções não são exclusivas, podemos sempre optar por um mix de todos estes instrumentos de intervenção territorial. É, de resto, na composição deste mix instrumental que está o segredo da estratégia de desenvolvimento territorial, uma vez que não há utilities sem smartificação, que não há consolidação das áreas de influência sem o reforço das redes urbanas, que não há gestão do risco sem planos verdes, que não há investimento empresarial sem o reforço da economia de visitação e residencial.

Este inventário de opções de política dirigido à valorização do interior serve apenas para ilustrar a minha tese inicial enunciada no título deste escrito “Os territórios não são pobres, estão pobres”, uma vez que é “a engenharia da nossa vontade”, traduzida em obra, que acaba por determinar o curso dos acontecimentos. A dificuldade, porém, reside no “combinado de opções”, no seu envelope orçamental e, especialmente, no sistema operativo de governação territorial.

Na mesma linha de raciocínio, e com ele intimamente relacionado, acresce um fator que eu julgo ser um dos grandes obstáculos aos programas de valorização do interior, a saber, a sua particular socio-demografia e o grau de sociabilidade do seu capital social ou, de forma mais simples, a intensidade-rede das suas relações sociais, transformadas e traduzidas em competências especificas dos seus recursos humanos em ordem a uma mudança longa e estruturada no seu modo de vida.

Por que é que alguns territórios do interior “aparentam ter parcos recursos”? Em parte, por que as suas relações de sociabilidade apresentam baixos índices de intensidade-rede, isto é, revelam uma “sociabilidade fraca”. Os territórios não são pobres, “estão pobres” em determinada circunstância ou conjuntura histórica porque os seus responsáveis primeiros e atores principais não estiveram à altura das suas responsabilidades políticas e públicas Os territórios são construções longas e delicadas que atravessam muitas vicissitudes e contrariedades.

O seu capital social é fruto dessa história vivida e dessa sociabilidade histórica muito particular e é dessa experiência histórica concreta que se geram, emergem e estruturam os recursos de um território. Por maioria de razão, na sociedade do conhecimento em que vivemos os novos problemas emergentes devem-se, em boa medida, a um défice de conhecimento. Por isso nós dizemos, os territórios não são pobres, estão pobres.

 

As condições gerais que devem ser observadas
Não temos dúvidas, no próximo futuro teremos mais campo na cidade e mais cidade no campo. Os princípios informadores da 2ª ruralidade serão cada vez mais atendidos.

Por exemplo, as circulares verdes e os corredores periurbanos serão equipamentos essenciais, assim como o “parque agroecológico municipal ou intermunicipal”, uma infraestrutura polivalente e multifuncional com o objetivo principal de ordenar o “caos periurbano” da 1ª ruralidade e delimitar uma rede de mosaicos agroecológicos e paisagísticos com funções produtivas, pedagógicas, terapêuticas e recreativas.

Tendo estes exemplos bem presentes, vejamos algumas condições gerais que precisam de ser observadas, no momento de pensar os programas de valorização dos territórios do interior.

– Os programas de intervenção territorial não podem ser reduzidos a um elenco de medidas, necessitam de uma intencionalidade estratégica e operacional e de um calendário de execução;

– Os territórios não podem ser reduzidos a “nomenclaturas territoriais estatísticas” ou comunidades de municípios que não se sentem fazendo parte de uma comunidade de destino ou de um território-desejado;

– Os atores-principais não podem ser reduzidos a departamentos da administração pública local e regional, os territórios necessitam da mobilização da inteligência emocional e a criatividade dos cidadãos;

– Os controladores do processo de seleção e decisão não podem ser reduzidos a templates e algoritmos, os territórios necessitam de um ator-rede que in situ seja o “principal cuidador”;

– A economia local e regional não pode ser reduzida a uma sucessão de eventos, é necessário que esses eventos sejam integrados em “atos orgânicos” de estruturação longa da economia local;

– A inovação territorial não pode ser reduzida à informática de gestão e administração, é necessária uma nova cultura de ordenamento urbanístico com relevo para as pequenas e médias cidades do interior no que diz respeito ao seu autogoverno, em formatos socioinstitucionais inovadores como são a economia dos contratos, das convenções, dos clubes e dos territórios-rede;

– A inovação agroecológica não pode ser reduzida a umas medidas difusas de natureza agroambiental, sem verdadeiro impacto, é necessário defender no âmbito da PAC pós-2020 uma nova geração de bens públicos rurais, tais como infraestruturas verdes, corredores ecológicos, equipamentos agroecológicos e ecossistémicos e pagamentos por serviços ambientais prestados;

– O capital social não pode ser reduzido a uma sociabilidade fraca ou cooperação de baixa intensidade, de resto, não se compreende que sendo a cooperação um recurso abundante e barato não seja usado com mais frequência e intensidade pelos territórios do interior.

 

Notas Finais
Como se observa, a valorização do interior e a composição dos novos territórios dependem de um mix de opções de desenvolvimento, escalonadas no tempo e no espaço, com protagonistas muito variados, com realizações muito condicionadas e com impactos sociais, ambientais e culturais de grande amplitude cujos efeitos ninguém sabe, muito bem, onde e como são projetados.

Por outro lado, importa evitar a todo o custo que “os silos ministeriais” descarreguem as medidas em stock sobre os territórios, sem cuidar da territorialização dessas medidas e da retenção dos seus efeitos de aglomeração.

Com efeito, uma consequência é o impacto territorial das políticas sectoriais, outra é a territorialização das políticas públicas sectoriais, outra, ainda, são as políticas públicas de base territorial. Para isso, precisaríamos de um “modelo revolucionário de governação territorial”. Mas esse já é outro assunto.

 

Autor: António Covas é professor catedrático da Universidade do Algarve e doutorado em Assuntos Europeus pela Universidade Livre de Bruxelas

 

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