Coronel

Não me lembro com precisão, mas julgo que conheci José Rosa Pinto há cerca de 18 anos. Era estudante na […]

Não me lembro com precisão, mas julgo que conheci José Rosa Pinto há cerca de 18 anos.

Era estudante na Universidade do Algarve e, no contexto de uma cadeira que arrisco ser Ecologia – mas que pode bem ter sido outra – acompanhou-nos numa saída de campo, destinada a fazer um reconhecimento das espécies vegetais presentes nas imediações do campus de Gambelas.

Um coronel do Exército, diziam-nos.

Estranha e invulgar premissa para uma saída de campo. Um homem literalmente de armas seria o nosso cicerone numa prospecção botânica.

Do perfil militar apenas lhe retive o rigor e a disciplina. No mais, poderia perfeitamente ser um poeta, tal a sensibilidade e a generosidade do que, naquela tarde, nos ofereceu, a nós, soldados rasos do conhecimento. A idade, é fácil de imaginar, não permitiu naquela altura interiorizar ou absorver na plenitude, e com a devida consciência, tal oferta.

Mas marcou.

Mais tarde, através do núcleo regional do Algarve da Liga para a Protecção da Natureza, tive oportunidade de usufruir do seu fantástico saber e poder de comunicação, expresso nas entusiasmantes explicações e histórias acerca das espécies vegetais com que silenciosamente nos cruzamos, mas que através da sua voz demonstraram ter tanto para contar.

Botânica e fitossociologia deixavam de ser matéria de recheio de calhamaços maçudos, animando-se com uma dinâmica pela qual era impossível não ser cativado.

Ainda mais tarde, a sua generosidade estendeu-se à sua pronta e entusiástica aceitação do convite (mais um rogado pedido) que lhe enderecei para guiar o primeiríssimo passeio interpretativo de uma então recém-criada associação chamada Al-Portel. Guardo, com estima, as folhas de conteúdos que preparou e disponibilizou para autêntica ilustração do percurso.

Depois desse, muitos outros convites se seguiram, em diversas circunstâncias. Recebidos sempre com a mesma disponibilidade, com o mesmo entusiasmo, paciência e sorriso.

O Coronel, mais como alcunha carinhosa e respeitosa do que patente.

Com ele aprendi muito acerca de flora, vegetação e ecologia, e muito do que aprendi tentei passar em passeios que, sem brilhantismo ou sapiência sequer na sua proximidade, tive a ocasião de guiar.

Seguramente muitos outros testemunhos há, um pouco por toda a parte, mais profundos e apropriados, do convívio com o sábio, com o comunicador e com o homem que foi José Rosa Pinto.

No entanto, neste momento triste da sua partida, que empobrece o Algarve e todos nós, impõe-se um modesto mas sincero testemunho de reconhecimento e gratidão.

A ele, ao seu trabalho, à sua partilha.

Deixou-nos.

Mas a Primavera não tarda está a chegar.

Com ela, as flores e a vida que anima as nossas paisagens e que, graças à generosa partilha do conhecimento do Coronel Rosa Pinto tivemos o privilégio de aprender a conhecer e compreender melhor.

Com saudade, será isso que celebraremos.

Em cada passeio.

 

Autor: Gonçalo Gomes é arquiteto paisagista, presidente da Secção Regional do Algarve da Associação Portuguesa dos Arquitetos Paisagistas (APAP)
(e escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico)

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