Fábrica de salga romana descoberta junto à estação de Faro dará lugar a hotel

No local onde irá nascer um hotel, na rua Francisco Barreto, perto da estação de comboios, em Faro, existiu uma […]

Paulo Botelho

No local onde irá nascer um hotel, na rua Francisco Barreto, perto da estação de comboios, em Faro, existiu uma “fábrica de conserva de peixe” da época romana. Neste sítio, estão a decorrer trabalhos de escavação arqueológica e, para já, foram encontrados quatro tanques de salga de peixe e estruturas de apoio que serviam para produzir o famoso garum na cidade de Ossónoba, há quase 2000 anos.

Paulo Botelho, um dos arqueólogos da empresa Engobe, que está a levar a cabo os trabalhos, explicou ao Sul Informação que as escavações fazem parte das «medidas de minimização de impacto para a construção do empreendimento hoteleiro».

«Realizámos sondagens de diagnóstico e identificámos vestígios, que seriam romanos. Na sequência disto, a Direção Regional de Cultura definiu que deveria ser feita uma escavação integral, dada a relevância», acrescentou.

A escavação, neste caso, é também necessária porque o futuro hotel terá uma cave para estacionamento e «é por isso que tudo isto está a acontecer. Se não tivesse cave, arranjaríamos maneira de minimizar o impacto sobre os vestígios».

Apesar de ainda faltarem «cerca de três semanas para o término dos trabalhos, o nível geológico já está à vista. Não identificámos nada do período moderno ou medieval. Esta zona era ocupada, essencialmente, durante a época romana. São esses vestígios que temos aqui», disse ainda o arqueólogo.

Paulo Botelho revelou que foram identificados «quatro tanques que serviam para fazer preparados de peixe: o garum, muito apreciado pelos romanos, e difundido por todo o Mediterrâneo. Além disso, temos as áreas associadas a esses tanques, com um pátio onde se cortaria e prepararia o peixe e onde seria feita a mistura de vários peixes, vísceras e especiarias».

Nas escavações, foram ainda reveladas «estruturas habitacionais e outras que estarão ligadas ao armazenamento. Há um segundo pátio ao ar livre».

O arqueólogo acredita, apesar de os resultados ainda serem «muito preliminares», que esta “fábrica” será da «fase final do Império Romano. O abandono das estruturas, temos a certeza, aconteceu entre o século IV e o século V. A construção poderá remontar ao século I, II».

Além das estruturas, foi encontrada «cerâmica de uso quotidiano, alguns metais relacionados com a atividade, como anzóis, e algumas moedas. Não foram muitas as moedas e têm pouco valor. Nessa fase final do Império, o valor da moeda era muito frágil e estão em mau estado de conservação».

São estes artefactos que vão ajudar os arqueólogos «a datar o sítio. Usamos essencialmente a cerâmica como elemento datante, cruzando-a com outros elementos como as moedas».

Encontrar estes vestígios naquele local «não é uma grande surpresa», segundo Paulo Botelho. «Já houve outras escavações feitas aqui perto e e Câmara tem prevenido os proprietários que estas são zonas sensíveis», nas quais, se forem escavadas, «vão ser identificados vestígios à mesma profundidade, cerca de 80, 90 centímetros, que seria a cota de ocupação romana, que se estendia ao longo de toda esta área na da zona ribeirinha».

Os trabalhos ainda decorrem

De facto, não muito longe do local onde estão a ser feitas as escavações, foi encontrado o mosaico do Deus Oceano, o mais importante achado romano no concelho de Faro e um dos mais importantes no Algarve. No entanto, não é expectável que um artefacto semelhante seja encontrado nesta escavação.

«É uma zona que, pelas características das estruturas, não será muito rica. Esta zona era conhecida como uma zona industrial. Já tinham sido identificados outros tanques de salga em frente ao Hotel Eva. Uma zona habitacional poderá existir, mas mais a Este», salientou Paulo Botelho.

Apesar de este tipo de estruturas industriais romanas serem «conhecidas por todo o Algarve», uma escavação «em meio urbano é rara na região. Acontece mais em zonas rurais». Por isso, «esta é uma oportunidade de poder fazer uma intervenção em meio urbano, retirando a informação para que seja feita a preservação pelo registo».

Depois de tratada essa informação, sairá o relatório final, «que é o sumo que vai ficar para as gerações vindouras e para outros investigadores».

É com este conhecimento fragmentado, adquirido em escavações pontuais como esta, que, «depois de compilado, se poderá ter uma ideia do que seria Ossónoba», conclui Paulo Botelho.

 

Projeto hoteleiro poderá vir a ser alterado

Uma telha romana também foi encontrada

A Direção Regional de Cultura está a par destes trabalhos arqueológicos e terá uma palavra a dizer sobre o futuro hotel previsto para o local.

Frederico Regala, arqueólogo desta entidade, explicou ao Sul Informação que as estruturas encontradas «são de algum interesse e conhecem-se em várias zonas costeiras do Sul do país. Não são únicas, mas têm interesse para a investigação arqueológica da época romana em Portugal».

Segundo Frederico Regala, «a relevância das estruturas em si é relativamente diminuta, estão muito arrasadas e a sua monumentalidade é muito reduzida. A intervenção que está a ser feita serve, acima de tudo, para recolher e registar toda a informação, para que possa ser aproveitada para estudos futuros».

Ainda assim, isso não significa que os vestígios venham a ser destruídos para a construção da garagem do hotel. «O que se pretende nestas situações é que os projetos de obras sejam adaptados para preservar o máximo das estruturas arqueológicas que se encontram no local, o que normalmente não é impeditivo da realização da obra, embora com algumas alterações».

Nesta situação, «a escavação em larga escala serve para tentar perceber a que profundidade estão as estruturas, para, em função disso, delinear uma estratégia, de modo a que o património arqueológico tenha menor afetação. Se tiver de ser destruído, que seja feito um estudo o mais exaustivo possível, para que a obra possa prosseguir».

Frederico Regala diz que, neste momento, «ainda está a ser feita a análise e há várias possibilidades em aberto: ou há uma preservação dos achados arqueológicos, ou se faz a preservação parcial com uma investigação mais aprofundada, ou, em última análise, opta-se por uma destruição em maior escala, mas com o registo detalhado daquilo que são os bens arqueológicos do local».

 

 

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