Raio-X dos Concelhos: Viver em Tavira é «uma experiência interessante com altos e baixos»

Tela Leão é brasileira, presidente da associação cultural Partilha Alternativa, e mudou-se para Tavira em 2007, onde reside com o […]

Tela Leão é brasileira, presidente da associação cultural Partilha Alternativa, e mudou-se para Tavira em 2007, onde reside com o marido. Passaram dez anos e, para a encenadora, a «mudança mais significativa no concelho» é a alteração «da belíssima paisagem verde salpicada de flores de amendoeira, que era um deleite para os olhos, para mares de estufas de plástico, cujo branco já se vai tornando acinzentado-poeira».

Viver em Tavira «tem sido uma experiência interessante com seus altos e baixos. Moro com meu marido numa zona rural, mas, por sorte, ainda não temos estufas na paisagem que vemos da janela. Isso tem sido um privilégio e uma delícia. Esperemos que essa situação se mantenha».

Por outro lado, acrescenta, «fizemos poucos, mas excelentes amigos aqui. Outra coisa de se prezar na nossa vida no concelho».

Partindo dos dados fornecidos pela Pordata e resumidos na infografia que publicamos acima, o Sul Informação pediu a Tela Leão que fizesse um retrato do concelho onde reside.

Tela Leão

A alteração da «belíssima» paisagem de Tavira está intimamente relacionada com uma atividade empresarial que «chama a atenção pelo seu crescimento veloz e massivo»: o cultivo de frutos vermelhos «em imensos campos de estufas».

Para Tela Leão, «inegavelmente, as estufas têm trazido ocupação produtiva das terras» e «trazem trabalho temporário, mas como têm, ao mesmo tempo, trazido seus próprios trabalhadores, como que num esquema fechado centrado em trabalhadores asiáticos, não parecem estar a beneficiar muito nem os trabalhadores rurais portugueses, nem os europeus de outras origens».

Segundo a encenadora, «esses trabalhadores vivem agrupados, ou em contentores montados mesmo ao lado das estufas onde trabalham, ou em grandes grupos ocupando casas alugadas. Juntam-se por vezes em grupos à conversa nas praças das aldeias mais próximas do local de trabalho, mas não têm grande contacto com os habitantes locais».

Em relação à restante realidade empresarial de Tavira, Tela Leão diz que tem havido um «aumento paulatino de casas comerciais, de restauração e alojamentos, que estão sempre muito ativos durante parte do mês de Junho, nos meses de Julho e Agosto, e parte de Setembro».

No entanto, «até ao ano passado, chamava a atenção o encerramento de grande parte desses estabelecimentos, a partir do mês de Outubro, e a ida dos trabalhadores para o fundo de desemprego para “passar o Inverno”. Mas, no ano seguinte, em vez de se reabrirem negócios do Verão passado, abrem-se outros diferentes… que durarão um Verão ou dois e depois desaparecem».

A percentagem de população estrangeira em Tavira é de 12,8%, um valor inferior ao que se verificava em 2009 (13,8%), de acordo com a Pordata. Tela Leão diz que essa diminuição é visível no concelho.

«Noto muito a diminuição de estrangeiros residentes, principalmente os trabalhadores que tinham contratos estáveis por conta de outrem (atenção, a estabilidade desses contratos não costumava ultrapassar um ano, mas era o tempo regulamentar para se conseguir visto de residência renovável anualmente)», considera.

Outro indicador que aponta para esta diminuição de estrangeiros residentes é o desaparecimento de «associações que chegaram a ser criadas neste concelho para dar apoio a essas populações de trabalhadores imigrantes que procuravam estabilizar-se e obter autorizações de residência».

Se os estrangeiros residentes diminuíram, o turismo residencial aumentou, principalmente «os residentes estrangeiros reformados do norte da Europa que investem em propriedades e vêm aqui passar a velhice, em geral indo passar os meses mais quentes nos seus países de origem».

Segundo Tela Leão, «há também um visível aumento de reformados ou populações mais jovens de cidadãos franceses, que vêm comprar aqui suas residências de férias, pois sentem mais segurança em fazer aqui este investimento que costumavam fazer no norte de África, agora muito inseguro».

O mesmo se passa «com alguns brasileiros, que têm património a proteger e que preferem investir em propriedades em Portugal do que deixar o dinheiro à mercê da atual instabilidade política brasileira. Creio que os números de aumento do IMI espelham essas situações».

Para Tela Leão, Tavira é «um concelho aprazível e as pessoas tentam conciliar tolerância e respeito com a vida quotidiana, embora por vezes seja sensível uma resistência às minorias, aos “não brancos” ou “não portugueses” e principalmente à população cigana».

Olhando para a dinâmica associativa, a encenadora diz que, «apesar da riqueza no número de associações que conseguem cobrir a maior parte das disciplinas artísticas, apesar da existência de uma academia de música oficial e de várias ações de formação informais proporcionadas por algumas associações, não existe em Tavira o que se poderia considerar profissionalismo nas artes, principalmente nas artes cénicas».

Já sobre as principais qualidades de Tavira, «além do número de dias de sol por ano, da beleza da cidade e das vilas que não admitem edifícios altos, da limpeza das praias e suas águas, do número imenso de pássaros diferentes que cantam para nos acordar, da força natural da Ria Formosa e do impressionante colar de ilhas que protegem a costa, a principal qualidade é ter “nascido” aqui um dos mais importantes heterónimos de um dos maiores poetas portugueses… O que me agrada mais é ser, desde 2007, “vizinha” dessa personagem, que é de todas as criações de Fernando Pessoa, o mais cheio de características humanas: Álvaro de Campos».

«Essa coincidência poética é para mim a maior qualidade do concelho», sentencia Tela Leão.

 

NOTA: O Sul Informação está a publicar uma série de 16 artigos denominada «Raio-X dos Concelhos», dedicados a cada um dos 16 municípios algarvios.
As infografias, desenvolvidas pelo nosso jornalista multimédia Nuno Costa, usam dados estatísticos da Pordata.
As pessoas escolhidas para comentar os dados em cada um dos concelhos não estão, tanto quanto possível, ligadas a partidos políticos e residem, têm negócios, trabalham ou nasceram nos municípios em causa.

 

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