Raio-X dos Concelhos: Vila do Bispo é o concelho «onde as vantagens se confundem com as desvantagens»

«As vantagens de viver no concelho confundem-se com as desvantagens – uma natureza extraordinária, um sentimento de que tudo está […]


«As vantagens de viver no concelho confundem-se com as desvantagens – uma natureza extraordinária, um sentimento de que tudo está por fazer, a sensação de que se pode fazer tudo». É assim que Ana Celorico Machado, antropóloga social, avalia o que é viver no concelho de Vila do Bispo, onde reside há anos.

«Ou seja, a ausência de planeamento, de visão estratégia e de supervisão, impõem ao concelho um desenvolvimento empresarial em que as próprias empresas – como o fazem os habitantes – acabam por fazer os caminhos, e não só em sentido metafórico», acrescenta.

«Até agora, e de modo teórico, foi o Parque Natural que traçou algumas regras de desenvolvimento, mas pouco a pouco são as atividades empresariais ligadas ao turismo que lhe vão forçando as regras, algumas já laças ou desprovidas de sentido», diz ainda Ana Celorico Machado.

Partindo dos dados fornecidos pela Pordata e resumidos na infografia que publicamos acima, o Sul Informação pediu à antropóloga social, que nunca tinha estado envolvida na vida política partidária, mas agora faz parte da lista do Bloco de Esquerda à Câmara de Vila do Bispo, que fizesse um retrato do concelho onde reside e trabalha.

Olhando para as estatísticas resumidas na infografia produzida pelo nosso jornal, Ana Machado constata que «o concelho de Vila do Bispo evoluiu nas últimas décadas como uma caricatura demográfica de Portugal – como dizem os locais, “faltam moças”».

É que, explica, «o envelhecimento da população, o abandono dos jovens e a falta duma visão estratégica e de planeamento – se excluirmos a essencial promoção turística – fazem com que o concelho se encontre na vertigem da perda de características próprias, ao mesmo tempo que novos visitantes e habitantes afluem, na busca de autenticidade e qualidade do meio ambiente».

Além disso, acrescenta, «apesar do abandono das atividades mais tradicionais da agricultura e da pesca, o crescimento do turismo, sustentado pelas atividades do surf e do turismo de natureza, tem trazido alguma paz à relação conflituosa que os habitantes do concelho têm com o facto de viverem num município quase totalmente abrangido pelo Parque Natural e pela Rede Natura 2000».

No que diz respeito àquela que é, agora, a maior atividade económica do seu município, Ana Celorico Machado salienta que «vemos um grande dinamismo empresarial nas áreas turísticas, e nas hoteleiras que as sustentam e apoiam, com uma característica diferenciadora: precisam das ondas do mar do concelho para sobreviver».

No entanto, sublinha, «as estatísticas nem sempre refletem este dinamismo», já que muitas das pessoas que aqui trabalham, vivem «no vizinho concelho de Lagos, nomeadamente pelos graves problemas de acesso à habitação no concelho de Vila do Bispo».

Votando aos dados da Pordata, a antropóloga social debruça-se sobre os dados da população estrangeira. «Na minha aldeia, a Raposeira, a população estrangeira já se aproxima em número dos locais».

Apesar de tudo, salienta, «os 19,4% de residentes estrangeiros no concelho deixaram-me estupefacta, sobretudo porque, comparando com outros concelhos algarvios e com exceção de Albufeira, este é o que tem maior percentagem de estrangeiros».

«Do que conheço, a tendência é para aumentar, dado o número de famílias jovens que se têm instalado nos últimos anos, a especulação imobiliária (que exclui os locais do mercado), e o desinteresse dos locais pela vida rural (com raras e honrosas exceções)», considera.

Quanto à dinâmica das associações, tantas vezes capazes de suprir as deficiências da atuação das autarquias, Ana Machado diz que, «nesta ponta do mundo, e sem apoios municipais significativos, a vida associativa e cultural tem dificuldade em se afirmar». Aliás, «algumas atividades culturais e educativas dependem das associações da vizinha Lagos».

Por outro lado, sublinha, «o gigante que é Sagres não conseguiu ainda encontrar uma expressão equilibrada para a sua grandeza».

No entanto, «a instalação duma escola Waldorf, que tem crescido a olhos vistos, tornou-se um polo catalisador para a população, sobretudo estrangeira».

Ana Celorico Machado defende ainda que «a luta contra a prospeção e exploração de petróleo e gás natural em terra e no mar veio pôr em evidência a fragilidade do bem mais precioso desta zona [o seu património ambiental], apanhando desprevenidos os seus habitantes. Mas, finalmente, serviu também para criar um sentimento de unidade entre as pessoas, em defesa do local onde vivem». E isso é muito positivo, considera.

«De resto, a oeste nada de novo», termina a antropóloga social, com algum desencanto em relação à terra que escolheu para viver.

 

NOTA: O Sul Informação está a publicar uma série de 16 artigos denominada «Raio-X dos Concelhos», dedicados a cada um dos 16 municípios algarvios.
As infografias, desenvolvidas pelo nosso jornalista multimédia Nuno Costa, usam dados estatísticos da Pordata.
As pessoas escolhidas para comentar os dados em cada um dos concelhos não estão, tanto quanto possível, ligadas a partidos políticos e residem, têm negócios, trabalham ou nasceram nos municípios em causa.

 

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