Municípios a gasóleo

A discussão em torno da potencial exploração de hidrocarbonetos no Algarve tem sido, como não podia deixar de ser, considerando […]

A discussão em torno da potencial exploração de hidrocarbonetos no Algarve tem sido, como não podia deixar de ser, considerando o tema, escorregadia.

Muita agitação, algumas bravatas, alguns progressos de circunstância, mas nada de muito conclusivo.

Bastará recordar que o próprio cancelamento do contrato com a Portfuel, foi uma vitória de secretaria – aspectos burocráticos – e não um derrube por KO.

Para tal, seria necessária uma inequívoca afirmação política por parte do Governo ou da Assembleia da República, no sentido de recusar taxativamente qualquer modelo energético e económico assente na exploração de hidrocarbonetos, não apenas para esta região, mas para todo o País.

Daí que, volta ou não volta, surjam no horizonte notícias preocupantes que indiciam um ressurgimento da questão e de interessados na mesma.

Em boa parte, isto deve-se à ambiguidade que demasiadas vezes caracteriza os nossos decisores. E dizer ambiguidade é ser simpático, pois quem tiver ainda na retina e no tímpano a figura da Ministra do Mar a vender, mentindo, Portugal como gado apático à indústria dos hidrocarbonetos em Nova Iorque, balbuciando enormidades num inglês socrático, seguramente terá outra adjectivação a que recorrer. Isto, claro está, dentro do discurso do Primeiro-Ministro, orientado por promessas de descarbonização da economia portuguesa.

Enfim, os mimos do costume.

No entanto, e numa tentativa de colocar alguns pontos nos is, pelo menos a nível local, um conjunto de movimentos, plataformas e associações lançou uma campanha cívica, denominada “Autarquias livres de petróleo e gás”, destinada às candidaturas ao poder autárquico nos municípios abrangidos por potenciais concessões de prospecção e exploração de hidrocarbonetos.

Assim, a 22 de Junho de 2017 tiveram início tentativas de contacto que procuraram alcançar todas as candidaturas oficiais, convidando-as a subscrever o seguinte texto: “Assumo publicamente a minha oposição à prospecção, pesquisa, desenvolvimento e produção de combustíveis fósseis em Portugal e concretamente na autarquia à qual me candidato, comprometendo-me a tomar todas as medidas possíveis para travar iniciativas ligadas a estas actividades”.

No que diz respeito ao Algarve, os resultados (apresentados no passado dia 23 de Setembro, e que podem ser integralmente consultados em https://autarquiaslivresdepetroleo.pt/) são inquietantes para os 15 concelhos abrangidos – Alcoutim não fez parte da consulta.

Das 72 candidaturas, apenas 6 (8,3%) não foram contactadas. Das restantes 66 candidaturas, 29 (40,3%) assinaram o compromisso, enquanto 37 responderam indicando não o subscrever.

Ou seja, a maioria (51,4%, para ser mais exacto) das candidaturas aos órgãos autárquicos destes 15 concelhos não assume uma posição clara de oposição à exploração de hidrocarbonetos. Em S. Brás de Alportel e Monchique, verificou-se mesmo que nenhuma candidatura aceitou assumir esta posição contra a exploração de hidrocarbonetos.

No geral, fica demonstrado que não há um padrão identificável, já que subscrições e recusas abrangem todo o espectro partidário e também candidaturas independentes. Exceptuam-se, por razões opostas, a uniformidade na Coligação Democrática Unitária, em que nenhuma das 14 candidaturas contactadas (uma não o foi) aceitou subscrever o documento, e no Bloco de Esquerda e Partido Pessoas – Animais – Natureza, em que todas as candidaturas assumiram o compromisso.

Não é que haja, neste tema, posições ilegítimas. Cada um concorda com os modelos de desenvolvimento que lhe pareçam melhores.

Mas há temas que, por esta altura, deveriam já estar noutro nível de consolidação. O impacto do modelo energético assente nos combustíveis fósseis sobre o equilíbrio ambiental deveria ser um deles.

Até os Estados Unidos da América, sob a batuta eco céptica de Trump, quando confrontados com os efeitos do quadro de alterações climáticas, estão a equacionar reentrar no Acordo de Paris…

Haverá quem possa discordar do acerto ou assertividade da redacção da questão apresentada, ou até da idoneidade dos promotores. Facciosismos ou disputas localizadas e pontuais são coisas giras para entreter. Mas não constroem bases para qualquer futuro.

Por isso é pena constatar que um número tão grande de candidaturas (e até concelhos inteiros) não tenha assumido este compromisso, legitimando o entendimento de que estarão abertos a outros, em sentido contrário. Mesmo numa região onde a sociedade civil e o tecido empresarial já se manifestaram veementemente contra.

Não sendo esta iniciativa vinculativa a não ser pela honra da palavra dada, seria uma oportunidade para afirmar uma posição inequívoca relativamente a uma matéria que, estando para já afastada – graças à iniciativa cívica – não está completamente fora de questão.

É que melhor do que estar disposto a meter-se à frente das máquinas e outros sound bites impactantes, é estar empenhado em que elas nem sequer tenham a oportunidade de ir para o terreno.

 

Autor: Gonçalo Gomes é arquiteto paisagista, presidente da Secção Regional do Algarve da Associação Portuguesa dos Arquitetos Paisagistas (APAP)
(e escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico)

 

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