Foram precisos 14 dias de muita martelada para fazer a «maior cataplana do Algarve»

Com «10 a 12 quilos de marisco» e aquela que é – provavelmente – a «maior cataplana artesanal alguma vez […]

Com «10 a 12 quilos de marisco» e aquela que é – provavelmente – a «maior cataplana artesanal alguma vez feita no Algarve», se serve um grupo de comensais de «70 ou 80 pessoas». O  empreendimento turístico Vila Vita Park investiu numa cataplana “gigante”, com 90 centímetros de diâmetro, feita “a pulso” (leia-se, à martelada) por Analide Carmo e Francisco Dias, os últimos caldeireiros de Loulé. A peça até já foi utilizada.

A passada sexta-feira foi especial na antiga Caldeiraria Louletana, situada na rua da Barbacã, junto à muralha do Castelo e em pleno centro histórico, que voltou a ser uma oficina de caldeireiros há alguns meses.

Este foi o dia em que os dois artesãos entregaram a sua obra-prima ao cliente, uma peça que demorou 14 dias a ser moldada a partir de duas lâminas de cobre de um metro quadrado. E foram precisos «muitos milhares de marteladas» para que a volumosa cataplana ganhasse forma e ficasse pronta a ser usada.

Especial ou não, o dia, para Analide Carmo, foi também de trabalho. Enquanto os clientes chegavam e não chegavam, o mestre caldeireiro ia adiantando outra cataplana, esta de tamanho “normal”, com marteladas certeiras e ritmadas e concentração máxima.

Os cumprimentos aos que chegam são lançados entre pancadas, com um sorriso nos lábios. Mas há também tempo para conversar, tanto com os clientes que entretanto chegaram, como com o Sul Informação, já com as ferramentas a descansar sobre a bancada – «deixe-me só acabar esta carreira».

«Foi muito trabalho que aqui tivemos. Foi a maior que fizemos até hoje e não acredito que haja no Algarve outra deste tamanho, feita à mão», diz Analide Carmo. O mestre caldeireiro até ganhou um apelido: «quando foi a Noite Branca, as pessoas que passavam aqui à porta chamavam-me o Rei da Martelada. Foi a noite toda a martelar», disse, bem disposto.

Tanta canseira e o epíteto compensaram, tendo em conta a reação de Paulo Fortes, chef executivo do resort de luxo Vila Vita Park, e de Óscar Correia, diretor de Food & Beverage desta unidade hoteleira. Elogios não faltaram ao trabalho dos caldeireiros louletanos e à peça que, no dia seguinte, seria o elemento central de um jantar que foi servido a um grupo de 300 pessoas.

«Nós já temos a cultura da cataplana, faz parte do menu de um dos nossos 10 restaurantes. Mas são cataplanas para duas, quatro, oito pessoas. Queríamos ter algo mesmo grande, para proporcionar aos nossos hóspedes, em grandes grupos, a possibilidade de provar esta iguaria», explicou, acrescentando que foi o chef Manfred Kickmaier que seguiu de perto a elaboração da peça.

«Com esta cataplana, se for o único prato a ser servido, dá para alimentar 70 a 80 pessoas. Se for parte de um menu com outras coisas, dará para muitas mais», acrescentou Paulo Fortes.

A encomenda desta peça resulta de uma parceria entre o Vila Vita Park e os caldeireiros louletanos, mediada pelo projeto TASA.

«Nós queremos trazer o que é português para dentro do Vila Vita. E pensámos sempre em aproveitar o que a comunidade local tem para oferecer e apostar numa cultura de tradição, para melhor dar a conhecer o que se faz na região», explicou Óscar Correia. No fundo, trata-se de ter «histórias originais para contar», usando «matérias primas da região».

Para os caldeireiros de Loulé, esta foi «uma primeira experiência», que foi, acima de tudo, «uma ação de marketing», através de uma parceria com uma das mais conceituadas unidades hoteleiras da região, bem conhecida pela sua qualidade gastronómica (um dos seus restaurantes tem duas estrelas Michelin). Mas Analide Carmo não enjeita fazer outras cataplanas deste tamanho ou mesmo maiores, embora neste momento as condições não o permitam.

«Teríamos de ter bigornas mais altas. Teríamos de as estar a levantar para as conseguirmos bater», explicou.

Além desta encomenda especial, a Oficina de Caldeireiros de Loulé tem tido muita solicitação. Há as peças que os clientes que vão entrando regularmente levam, entre as que se encontram expostas nas paredes, há encomendas, como a que o mestre Analide estava a despachar antes de se pôr à conversa com o Sul Informação.

Neste caso, foi «uma senhora que pediu duas cataplanas, uma pequena e a outra maior, para 8 ou 10 pessoas». E há mais trabalho na calha – daí a constante presença do som do martelo.

«Tem corrido bem. Também temos aqui uma grande ajuda da Câmara de Loulé, pois não pagamos as instalações, nem a luz, nem a água. De resto, do que tenho feito, tenho vendido praticamente tudo. Vêm aqui muitos estrangeiros. Os que mais compram são os holandeses, os alemães, os americanos e os ingleses. Já os franceses e os espanhóis é mais para ver», revelou.

Analide Carmo recordou, ainda, como chegou à fala com o cliente Vila Vita Park, resort de luxo situado no litoral do concelho de Lagoa. «Foi aqui o senhor João [Ministro], do TASA, que os trouxe e nos veio ajudar. O chef veio aqui perguntar se éramos capazes de fazer, nós respondemos que sim, e assim se fez, com as medidas exatas que eles pediram», segundo Analide Carmo.

A recuperação deste ofício, que estava em vias de extinção neste concelho e no Algarve, foi conseguida através do projeto Loulé Criativo. Foi no âmbito desta iniciativa da Câmara de Loulé que foi promovido um curso de caldeireiros, para tentar encontrar interessados em manter viva esta arte.

Numa primeira fase, os responsáveis por este projeto descobriram o mestre Analide Carmo, que foi aprendiz de caldeireiro na sua juventude, e Francisco Dias, que também tinha experiência a trabalhar o cobre. Agora, o saber continua a ser passado aos seus aprendizes no curso de caldeireiros, que também trabalham na oficina e se espera que sejam o garante da continuidade deste ofício, em Loulé.

 

Fotos: Hugo Rodrigues|Sul Informação

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