Unidade de Terapia Familiar “cura” através do diálogo

Tudo se faz cara a cara. Num sofá estão os terapeutas, no outro os casais. As conversas giram sempre à […]

Tudo se faz cara a cara. Num sofá estão os terapeutas, no outro os casais. As conversas giram sempre à volta do mesmo: os problemas inerentes a qualquer relação, seja entre o casal, seja no seio da família. Na Unidade de Terapia Familiar (UTF) da Administração Regional de Saúde (ARS) do Algarve, em Faro, “curam-se” pessoas, sem recurso a medicamentos. A receita é só uma: o diálogo.

Raquel Medeiros e Pedro Teigão são dois dos quatro terapeutas familiares que trabalham nesta Unidade. «Já passámos por tantas coisas», começa por desabafar Raquel à reportagem do Sul Informação. 

«Uma vez, numa terapia com um casal, ao fim de 24 consultas, a mulher confessou que nunca tinha tido prazer com o homem. Todos percebemos o que se quis dizer, mas eu e o Pedro não soubemos como reagir», conta.

Mas comecemos pelo início. A Unidade de Terapia Familiar nasceu há 10 anos, pelas mãos do médico de família Pedro Teigão e da assistente social Alexandra Alvarez, numa iniciativa pioneira. É que se trata de um serviço de saúde público.

«Nós recebemos pessoas de todo o Algarve. Embora estejamos ao nível de um centro de saúde, respondemos apenas ao conselho diretivo da ARS, e isso é uma mais valia porque somos um serviço autónomo», enquadra o coordenador Pedro Teigão.

Pormenores nas paredes

Os utentes que podem ali chegar de várias maneiras. Alguns são encaminhados pelos médicos de família, outros pelo tribunal ou pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ). E o rol não acaba aqui: também há quem se auto-referencie para começar a ter consultas de terapia familiar.

Quanto ao problema que mais leva as pessoas à UTF, Pedro Teigão e a psicóloga Raquel Medeiros não têm dúvidas: «a falta de comunicação».

Nas consultas, que são mensais, até um total de 24, o modelo usado é o da co-terapia. «Isso permite uma maior riqueza. Idealmente, os terapeutas devem ser sempre um homem e uma mulher, para que haja tanto a perspetiva feminina como masculina. Isto mesmo em casais homossexuais», explica Raquel, sentada no sofá dos terapeutas, como se de uma consulta se tratasse.

O ambiente que se tenta recriar é de paz, tranquilidade e felicidade, contrastando com o estado de espírito dos doentes da UTF. Na parede da sala de terapia, há quadros de famílias alegres, por exemplo. Mesmo o facto de a consulta se desenrolar num espaço com sofás dá essa ideia de conforto que os terapeutas querem fazer transparecer.

«Nós aqui falamos de relações entre pessoas», diz, assertivamente, Pedro Teigão. Os terapeutas querem sempre que as suas ações tenham um determinado impacto, mas, no mistério que são as relações humanas, as contas podem sair furadas. Quando tal acontece, «temos de avaliar e regular», explica o coordenador.

Desde que nasceu, a Unidade de Terapia Familiar já ajudou 750 famílias e casais, mas o número há de crescer. J. Silva e A. Sousa (nomes fictícios) são exemplo disso. O casal vai para a nona consulta. «Estamos aqui devido aos vários problemas que surgem em qualquer relação de longos anos, dadas também as especificidades de cada personalidade», conta A. Sousa ao Sul Informação.

Sentado no sofá, frente a frente com os terapeutas Pedro e Raquel, mas ainda antes do início da terapia, J. Silva confessa: «o balanço está a ser muito positivo. A terapia ajuda-nos a lidar com situações para as quais não tínhamos uma resposta correta ou imediata».

O outro membro do casal não podia corroborar mais. «É como se levássemos o tópico para pensar e tentar mudar na relação com o outro», diz.

O entusiasmo e o à vontade entre o casal e os terapeutas são evidentes. A. Sousa não hesita em exclamar: «eu adoro-os! São super simpáticos, disponíveis, mas também provocadores qb, o que promove o diálogo. Espicaçam-nos para a ação e eu considero isso muito importante».

É que, segundo Pedro Teigão e Raquel Medeiros, «o espaço terapêutico é mesmo muito revelador». Ali dizem-se sempre «coisas ao outro que nem sempre se dizem noutro contexto».

Os terapeutas dão, a partir das 17h00, entre três a quatro consultas por dia. O trabalho é sempre em horário pós-laboral. «Nós somos trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Se não fosse prazeroso, não estaria aqui, pois não é pelo dinheiro», conta, entre risos, a terapeuta Raquel.

O modelo português de família é, tradicionalmente, composto pelo casal e filhos, pelo que, em média, os terapeutas recebem famílias compostas por três pessoas.

Do outro lado do espelho

Pelas consultas da UTF, já passaram utentes dos 20 aos 80 anos, sendo que já houve casos de famílias que pediram para voltar, mas com outros problemas.

«De acordo com os ciclos de vida familiar, a temática de maior preocupação vai mudando. Se, no início, será o casal, o grande enfoque depois são os filhos», enquadra Raquel Medeiros.

Naquelas consultas, abordam-se temas por vezes delicados. Conquistar os doentes é um dos primeiros passos dos terapeutas. Também por isso, todas as pessoas que vão à Unidade de Terapia Familiar têm direito ao sigilo. E há mais particularidades.

Na sala de terapia, há um grande espelho ao fundo. Atrás, num pequeno escritório, é habitual estarem outros terapeutas, alguns ainda em formação, a assistir às consultas que são filmadas. Desta maneira, há mais “olhos” postos no que se está a passar.

«As famílias sabem de tudo isto e podem recusar, se quiserem», explica Raquel Medeiros. Depois, os discos com as gravações são armazenados em grandes caixotes, que Pedro Teigão exibe com orgulho.

«No final, o que importa é que haja solução para a família. Nós somos terapeutas familiares. Isto não é uma consulta e não tem nada a ver diretamente com medicina», explica.

A. Sousa e J. Silva ainda estão em terapia, mas, se tudo correr bem, sairão da UTF com uma “cura” para os problemas da relação. Por agora, A. Sousa já tem uma certeza: «sem isto, continuávamos enrolados em situações menos positivas e não estaríamos a lidar com elas de maneira salutar».

Comentários

pub