Feldspato em Monchique: é bom? É mau? E quem é o vilão?

Dez novos postos de trabalho, dinamização do comércio local em Monchique, impostos pagos à Câmara e a possibilidade de divulgar […]

Alegados trabalhos de prospeção de feldspato em Monchique, em 2016

Dez novos postos de trabalho, dinamização do comércio local em Monchique, impostos pagos à Câmara e a possibilidade de divulgar o Algarve a nível mundial como «um polo de exploração de uma matéria-prima “rara”». Estes são alguns dos alegados benefícios elencados no Estudo de Impacte Ambiental (EIA), encomendado pela empresa Sifucel, para a instalação de uma mina de feldspato na Serra de Monchique, na Corte Pequena. 

No entanto, estes são argumentos que não convencem a população, nem o presidente da Câmara Rui André, que diz que «o retorno desta atividade para o concelho é inferior ao prejuízo».

O processo – e o braço de ferro entre a empresa e a autarquia – é longo e começou em 2010, quando a Sifucel submeteu à Direção Geral de Energia e Geologia um pedido de prospeção e pesquisa de feldspato, num terreno adquirido pela empresa, que foi aceite em 2011.

No entanto, lê-se num esclarecimento anexo ao EIA, a Sifucel, devido à «excessiva morosidade que esta abordagem processual implicava, sem se poder avançar para a sua exploração num médio prazo, e também pressionada pela elevada procura das indústrias consumidoras», solicitou a extinção do processo e fez um novo pedido, mas de exploração experimental, «que encurta significativamente o tempo do procedimento administrativo e do consequente arranque da produção».

No mesmo documento enviado à Agência Portuguesa do Ambiente (APA), é dito que a Sifucel adquiriu, ao longo de vários anos, resíduos da pedreira de rocha ornamental existente em Monchique, na Nave, «realizou várias análises e ensaios industriais» e concluiu «ser uma matéria-prima de elevado interesse» para as indústrias do vidro e da cerâmica.

Por isso, «não faria qualquer sentido perder três ou mais anos numa fase de contrato de prospeção e pesquisa. Por outro lado, e em termos de reservas existentes na área solicitada, a questão também não se colocava, uma vez que, no local selecionado para o pedido de concessão, as reservas estão à vista de todos».

Confrontado com este conteúdo do documento, Rui André, em declarações ao Sul Informação, comenta que o que é dito «não faz sentido, até porque o tipo de pedra existente na Nave [onde se localiza a pedreira de onde foram alegadamente retiradas as amostras] e naquele local [na Corte Pequena, no outro lado da serra] é diferente. Os trabalhos de prospeção e pesquisa foram feitos – e temos provas – no terreno, com máquinas, sem autorização, e foram embargados pela Câmara e pela CCDR». A Câmara interpôs, nessa altura, um processo no Tribunal Administrativo de Loulé, que continua a decorrer.

Rui André, presidente da Câmara de Monchique

Mas os pontos de discórdia entre o EIA e a Câmara de Monchique não ficam por aqui. No aditamento ao EIA, é escrito que, desde 2013, a DGEG terá tentado marcar várias reuniões com o executivo, uma intenção que não obteve resposta, e que os documentos enviados para a autarquia se pronunciar sobre o pedido de exploração experimental também não tiveram feedback do Município.

«Face à ausência de resposta por parte da Câmara Municipal de Monchique, a DGEG acabou por nunca se pronunciar sobre o pedido de exploração experimental, o que levou a Sifucel a decidir avançar com a elaboração dum Estudo de Impacte Ambiental», diz o documento.

Estes dados também são desmentidos por Rui André, que diz nunca ter sido contactado pela Direção Geral de Energia e Geologia sobre a questão.

Discórdias à parte, o Estudo de Impacte Ambiental permite perceber algumas das intenções da empresa em relação à possível exploração desta mina.

O documento refere que «a implementação do projeto tem benefícios/mais-valias a três níveis: locais, regionais e nacionais. A nível local, a implementação do projeto irá permitir criar postos de trabalho [dez], estando previsto dar prioridade aos residentes no concelho de Monchique».

A implementação da mina iria também «contribuir para a dinamização do comércio local», uma vez que, promete a empresa, «todo o material para o correto funcionamento da mina (peças para os equipamentos, material para o escritório, etc.) será adquirido localmente».

Além disso, «havendo uma estrada que passa nos terrenos da empresa, a manutenção do respetivo troço ficará à sua responsabilidade, reduzindo assim inclusive os custos da Câmara com a sua manutenção. A empresa também irá assumir os impostos relativamente à valorização industrial dos terrenos a serem explorados, bem como a respetiva % de IRC e Derrama, o que implica mais rendimento para a Câmara Municipal».

A nível regional, os promotores dizem que «a região do Algarve será divulgada a nível mundial como sendo um polo de exploração de uma matéria-prima “rara” no mundo que são os sienitos nefelínicos, o que poderá tornar o concelho como um destino de investimentos internacionais na área industrial».

E a nível nacional, «haverá também um impacte económico positivo significativo», a Sifucel «irá pagar royalties ao Estado, que podem variar entre 3 e 4% do valor do minério à “boca da mina”».

Atual pedreira de Sienito Nefelínico em Monchique

Até a nível ambiental, o estudo encomendado pela Sifucel conseguiu encontrar benefícios. De acordo com o documento, «a utilização do sienito como fundente feldspático das indústrias do vidro e da cerâmica leva a uma redução significativa na temperatura do ponto de fusão dos fornos levando por isso a uma considerável poupança de energia nesse processo e daí à consequente redução de emissões de CO2 para a atmosfera, contribuindo assim de forma positiva inequívoca na problemática do aquecimento global».

Perspetiva bem diferente tem o autarca monchiquense. «Ainda que criem dez postos de trabalho, destroem 100 na área do Turismo de Natureza», garante Rui André, nada convencido com as “maravilhas” que o «ouro do século XXI», como é apelidado o feldspato, trará para o concelho.

De acordo com o EIA, a mina deverá ser explorada durante 15 anos, sendo que a grande maioria dos seus impactos negativos a nível de paisagem e de influência na fauna e flora é apresentada, por essa razão, como «temporária».

Desde que surgiu a possibilidade de a mina se vir a localizar na Corte Pequena, uma área REN, Rede Natura e num perímetro de proteção de captações, Rui André garante que a exploração irá afetar o abastecimento de água à aldeia de Alferce, devido à proximidade do local onde é feita a recolha.

No entanto, o EIA consegue arranjar maneira de também negar que isso possa acontecer: «relativamente à eventual interferência com as captações de abastecimento público, a mesma não tem qualquer possibilidade de ocorrer, não só pela profundidade máxima a que a exploração está prevista, ao longo da qual não interferirá com qualquer aquífero, mas também pelo relevo acentuado de toda a Serra de Monchique, cujas descontinuidades dos diferentes maciços rochosos impedem qualquer interferência direta ou indireta entre eles».

Por outro lado, acrescenta o documento, a «exploração não irá gerar qualquer resíduo para além dos restos de rochas ou de terras que existam no próprio local e também não será utilizado qualquer produto poluente que possa interferir na qualidade das águas das chuvas que se venham a infiltrar no solo. Fica assim demonstrado, que também não existe qualquer impacte no que respeita à preocupação expressa neste ponto».

Feldspato é utilizado na indústria vidreira

Ao nível dos impactos visuais, os promotores dizem que irão plantar vegetação  para «criar uma cortina arbórea densa, minimizando o impacte visual sobre a povoação de Alferce». Esta é, aliás, uma obrigação legal tanto em minas, como em pedreiras, mas, como sabe quem já foi a Monchique, não quer dizer que seja cumprida e, muito menos, que seja uma medida eficaz em termos de paisagem.

Também «as estruturas associadas ao equipamento industrial deverão ser de cor verde, integrando-se assim em termos cromáticos na paisagem envolvente».

Apesar de a área concessionada à Sifucel ser de 17,35 hectares, para explorar cerca três mil toneladas de rocha, a área de exploração será de 5,9 hectares.

Esta medida foi tomada «de modo a minimizar os impactes sobre a fauna e flora».

Nas conclusões do relatório não técnico do EIA,  é explicado que o sienito nefelínico tem «características químicas e composição mineralógica direcionadas principalmente para a indústria do vidro, sendo que poderá também ser aplicada noutras indústrias, nomeadamente da cerâmica, cimentos cola, rebocos, fundição e tintas».

O EIA assume que «a exploração de recursos geológicos são sempre objeto de contestação por parte das populações e por associações ambientalistas», mas estes «devem ser encarados como bens escassos, não renováveis e imprescindíveis para os mais variados tipos de indústria».

Já em relação a impactes negativos da mina, «mas pouco significativos e minimizáveis, ocorrem ao nível do PDM, dado que a área da mina localiza-se em espaço florestal» e, «de acordo com este artigo, não se encontram contempladas a exploração de recursos minerais metálicos e não metálicos».

No entanto, prossegue o documento,«a alteração à classe de espaço decorrente da mina será temporária, retomando o uso florestal após a recuperação da mina, conforme proposto no Plano de Recuperação Ambiental».

Relativamente às restrições de utilidade pública existentes (REN e Perímetro de Proteção de Captações), os promotores dizem que estas «são salvaguardadas através das medidas de minimização propostas no EIA».

A exploração da mina, a ser autorizada, será feita de forma faseada, sendo que, de acordo com o documento, «no final da exploração, toda a área estará completamente recuperada, minimizando assim todos os impactes negativos significativos causados na paisagem».

Este é um ponto que também levanta dúvidas à Câmara de Monchique, uma vez que Rui André diz estar «farto de maus exemplos de pedreiras no concelho que destroem a paisagem e não a recuperam».

O Estudo de Impacte Ambiental está em consulta pública até 17 de Maio e a autarquia garante estar a trabalhar com técnicos para tomar posição, que será sempre desfavorável à exploração de feldspatos no concelho.

«Vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para que a mina não avance. Se for preciso, dentro das minhas competências, coloco um sinal de trânsito proibido a pesados na estrada que serve o local, para que os camiões não possam lá chegar. Se estes “garimpeiros do século XXI” conseguirem “passar por cima de tudo”, para avançar com este projeto, terei de usar as minhas armas», conclui o autarca, ao bom estilo western.

 

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