Há planos para recuperar a “Capela Sistina” de Odemira

A antiga Igreja da Misericórdia de Odemira, classificada como Imóvel de Interesse Público, poderá vir a ser, em breve, alvo […]

A antiga Igreja da Misericórdia de Odemira, classificada como Imóvel de Interesse Público, poderá vir a ser, em breve, alvo de uma profunda intervenção de restauro e conservação. A certeza foi deixada pela vereadora da Cultura da Câmara de Odemira, durante a recente passagem do Festival Terras sem Sombra por esta vila alentejana.

José António Falcão, diretor geral do festival e historiador de arte, classifica a igreja, que começa a atrair as atenções ainda no exterior, pela sua arquitetura, como «o edifício mais espetacular e interessante do ponto de vista da história da arte». Há mesmo quem a considere, pela riqueza dos frescos que decoram o seu interior «a Capela Sistina de Odemira».

Trata-se de um exemplo da «arquitetura mais experimental do Maneirismo português, que chega a um meio pequeno e afastado» como era Odemira, sendo «provavelmente» obra de «um dos muitos arquitetos formados em Coimbra», salienta.

Ainda antes de entrar, o historiador de arte chama a atenção para as urnas que decoram o portal, simbolizando a eternidade, dizendo que se trata de «peças de grande erudição que surpreendem num meio em que predominaria a arquitetura regional».

Mas é lá dentro que os olhos dos visitantes – que, na visita cultural que abre cada fim de semana do Terras sem Sombra, incluía jornalistas, autarcas, técnicos da Câmara Municipal, músicos, amigos do festival e muitos odemirenses – se abrem de espanto.

A igreja, de forma quase oval e hoje despojada por muitas décadas de outros usos e maus tratos, tem um teto com uma forma quase elíptica e as paredes a revelarem vestígios de exuberantes pinturas murais. Um dia, espera-se, tudo isso será alvo de restauro, como revelou a vereadora Deolinda Seno Luís.

 

Ao longo das altas paredes caiadas, veem-se quadrados de pintura mural resgatados a anos e anos de esquecimento. São os vestígios do trabalho dos formandos de um curso de Auxiliares de Conservação e Restauro, promovido pela Direção Regional de Cultura do Alentejo, e em que a conservadora Deolinda Tavares, técnica daquele organismo, bem como outros quatro especialistas foram os formadores. Um trabalho que um dia terá continuidade, através de um projeto que junta a Câmara de Odemira, a Santa Casa da Misericórdia e ainda a Direção Regional de Cultura.

Desde 2015 que, depois de um contrato de comodato por 20 anos, entre a Santa Casa da Misericórdia e a Câmara de Odemira, esta última entidade gere o espaço, onde têm lugar eventos institucionais e exposições.

Mas a vereadora da Cultura revelou ao Sul Informação que, através da concertação entre a Câmara, a Direção Regional de Cultura do Alentejo e a Santa Casa da Misericórdia de Odemira, já está a ser feito o «projeto de arquitetura», que «permitirá definir a intervenção» a fazer no edifício.

É preciso «reabilitar o edifício, bem como os frescos nas paredes», mas também fazer o «arranjo urbanístico da envolvente». Tudo isso, admite a autarca, é uma «intervenção onerosa», porque é necessário «trabalhar num projeto, com técnicos especializados e fazer o levantamento da intervenção artística e de restauro ainda necessária».

Qual o montante a investir? Quis saber o Sul Informação. A vereadora respondeu que, sem o projeto global de intervenção concluído, é difícil definir um montante.

Deolinda Seno Luís acrescentou ainda não haver um prazo para que as obras possam avançar: «no atual quadro comunitário as intervenções no património são mais orientadas para castelos, deixando este tipo de monumentos mais de lado. Mas vamos avançando com o projeto de arquitetura, para termos tudo pronto para uma futura candidatura».

A vereadora da Cultura acrescentou que «é de todo o interesse para Odemira ter o espaço recuperado, para ser mais um local de atração e de visitação».

Para já, sublinhou a autarca apontando para o telhado, «os verdadeiros donos deste espaço não são nem a Santa Casa, nem o Município: é uma comunidade de morcegos que aqui vive». «Talvez um dia possamos colocar aqui morcegários», acrescentou.

 

Os frescos da Igreja da Misericórdia

Dos frescos que em tempos cobriram todas as áreas livres das paredes interiores da Igreja da Misericórdia, veem-se hoje apenas alguns quadrados, como se de uma manta de retalhos se tratasse. É o resultado das sondagens feitas, que permitiram «abrir pequenas janelas» nas paredes caiadas, para perceber o que estava por baixo.

Deolinda Tavares, conservadora da Direção Regional de Cultura do Alentejo, responsável por esse trabalho de sondagem e primeira investigação, contou que «estava tudo caiado de branco e azul, mas as pessoas alertaram-nos dizendo que podia haver alguma coisa escondida». E havia.

«Começámos por abrir pequenas janelas e depois alargámos nos locais onde se revelasse ser mais importante», acrescentou.

Nas paredes da antiga igreja, hoje despojada de altares, cadeiral da irmandade e outros elementos interiores, veem-se agora pequenos fragmentos de cenas bíblicas e religiosas, ainda reconhecíveis: a visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel, cada um dos Evangelistas, Santa Ana e São Joaquim, com um ramo a sair do peito de cada um deles, a Anunciação, um cálice e uma grinalda de anjos sobre uma cena hoje desaparecida, um homem com um turbante, provavelmente simbolizando o resgate dos cativos que era uma das obras da misericórdia. «Algumas cenas ainda nos intrigam», salientou a especialista em restauro.

«Estes frescos não são obra de um curioso, mas de alguém que dominava esta técnica», conclui o historiador de arte José António Falcão.

Se por fora, por vezes, as igrejas do Sul eram discretas, dando pouco nas vistas, «no seu interior era frequente terem estas pinturas murais», tanto no Alentejo como no Algarve, acrescentou o especialista.

Mais tarde, outros gostos, outras prioridades, levaram à destruição ou, pelo menos, a esconder toda esta riqueza. Mas quando um dia estiver recuperada, esta «pérola» será mais uma razão para visitar o centro histórico de Odemira.

 

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