«O peixe de aquacultura é bom e recomenda-se»

Ana Teresa Gonçalves, bióloga portuguesa que estuda no Chile formas de melhorar a saúde dos animais em aquacultura, garante, em […]

Ana Teresa Gonçalves, bióloga portuguesa que estuda no Chile formas de melhorar a saúde dos animais em aquacultura, garante, em entrevista, que «o peixe de aquacultura é bom e recomenda-se».

Nascida em Lisboa, Ana Teresa Gonçalves trabalha hoje em Concepción, no Chile, onde desenvolve estratégias nutricionais saudáveis para o bem-estar dos animais em cultivo intensivo.

Esta entrevista foi realizada no âmbito do Global Portuguese Scientists (GPS), um site onde estão registados os cientistas portugueses que desenvolvem investigação por todo o mundo.

Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?
Ana Teresa Gonçalves: Sou bióloga marinha e pesqueira, especializei-me em saúde animal em aquacultura e atualmente sou investigadora em nutrigenómica de salmões na Universidade de Concepción no Chile.
O meu trabalho é investigar o potencial de suplementos funcionais, como os pré ou probióticos introduzidos na dieta de salmões em cultivo.
Faço-o através da avaliação do estado de saúde e alterações benéficas na microbiota intestinal e expressão de genes relacionados com funções importantes como o metabolismo ou a resposta imunitária.
A ideia é desenvolver estratégias nutricionais alternativas, livres de químicos e drogas, que aumentem o bem-estar animal e a resistência dos peixes ao stress do cultivo intensivo.
A ferramenta que utilizo para avaliar o efeito das dietas que desenvolvemos é a nutrigenómica, em que aplico técnicas de sequenciação massiva de genes para ter uma avaliação global de como se ativam ou suprimem os processos biológicos mais importantes.
Com esta aproximação temos como objetivo produzir peixes mais saudáveis e resistentes a doenças e a factores stressantes, e desse modo não só reduzir a necessidade da utilização de drogas terapêuticas como os antibióticos, mas também o aumento da sustentabilidade do setor aquícola, não só no Chile mas a nível mundial.

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?
ATG: A ideia é simples: eu hoje tenho a sorte de ainda ter acesso a peixe selvagem que foi pescado (oxalá de modo sustentável) e que não sofreu qualquer intervenção humana no seu percurso de vida, mas infelizmente não sei se a próxima geração vai ter a mesma sorte.
Mas tenho a certeza que vamos querer continuar a comer peixe, quanto mais não seja pela qualidade proteica que representa. Assim sendo, a aquacultura é sem qualquer dúvida a alternativa.
Então, gosto de pensar que, se temos de produzir peixe, eu dedico-me a fazer os possíveis para que esse peixe seja de qualidade e tenha uma vida o mais saudável possível, e dar um contributo para um mundo (alimentar) melhor.
Durante o mestrado e o doutoramento, estudei o efeito de uma bactéria probiótica (que está presente nos iogurtes) na saúde de peixes em cultivo e descobri que esse efeito era ótimo.
A ideia de base é utilizar produtos de origem natural e tentar dar à natureza o que a natureza nos dá. Do mesmo modo que os iogurtes são benéficos para nós, regulando a nossa microbiota intestinal, os probióticos neles presentes são igualmente benéficos para os peixes, porque protegem o intestino, que é um dos órgãos mais importantes nos vertebrados.
Acho fascinante poder fazer algo tão simples como alimentar peixes com uma dieta suplementada com uma bactéria de iogurte ou uma simples levedura de pão, e conseguir que estes peixes tenham um sistema imunitário muito mais ativo e funcional e um intestino saudável, mesmo quando são produzidos em cultivos intensivos.
Infelizmente o setor aquícola não tem ainda a confiança do consumidor que deveria ter, mas através do meu trabalho (e de tantos outros investigadores fantásticos), quando me perguntam, posso dizer que sim: o peixe de aquacultura é bom e recomenda-se!

Por que motivos decidiu emigrar e o que encontrou de inesperado no estrangeiro?
ATG: Em 2005, fiz o meu estágio de licenciatura em Biologia Marinha e Pescas da Universidade do Algarve, numa piscicultura industrial intensiva. Durante esse período, fiquei com a certeza de que o que queria fazer no meu futuro era dedicar-me a encontrar estratégias profiláticas para evitar a utilização de antibióticos em aquacultura.
Para isso, tinha de encontrar algum sítio onde a qualidade do peixe fosse uma prioridade e de preferência onde fosse possível ter uma bolsa e poder dedicar-me a tempo inteiro a estudar e a investigar.
Portugal era uma opção pela qualidade de programas de mestrado, mas não pela parte de financiamento. Idealizei um potencial projeto para mestrado e concorri a uma bolsa de estudo no Japão.
O governo do Japão teve interesse na minha proposta e recebi bolsa de mestrado e de doutoramento na Universidade de Ciências Marinhas e Tecnologia de Tóquio.
Como é possível imaginar, encontrei muitas coisas inesperadas no Japão, mas, ao fim de sete anos de estudo e investigação, posso dizer que o que mais me surpreendeu foram os contrastes. É um país que conjuga harmoniosamente a tecnologia de topo com o tradicional e o natural.
Durante esses anos, pude aprender bastante e construí um caminho que me levou até ao Chile em 2013, mais especificamente, a Concepción. Pouco sabia desta cidade, para além de que foi bastante castigada por um terramoto e tsunami (nada de novo para quem viveu no Japão).
Chegando cá, encontrei um país com um enorme potencial a nível científico, e tive a sorte de integrar um grupo de trabalho jovem e dinâmico com um nível científico de ponta, difícil de encontrar onde quer seja no mundo.

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área, como de uma forma mais geral?
ATG: Na área de nutrição em aquacultura, Portugal exporta conhecimento. É um tremendo orgulho ir a conferências internacionais e encontrar sempre investigadores portugueses a mostrarem o excelente trabalho que realizam, às vezes com grande dificuldade a nível de financiamento.
Somos reconhecidos a nível internacional e o nível científico que há em Portugal é magnífico. Infelizmente, a nível de financiamentos e estabelecimento de prioridades a nível orçamental observo uma letargia crónica nos órgãos governativos, o que impede que se saia do campo da demagogia. Fala-se em mudança e em vontade de dar um passo em frente, mas na prática o estado sub-letal do financiamento mantém-se.
São de louvar os colegas que ficaram e que não baixaram os braços, e que continuam a levantar o nome de Portugal mesmo contra a maré.
São um exemplo e, por eles não desistirem, há esperança de que um dia (oxalá em breve) quem define as prioridades do nosso país se dê conta de que não há avanço nem desenvolvimento sem investigação e que vale a pena investir em ciência em Portugal.

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?
ATG – A possibilidade de criar redes de conhecimento interdisciplinar é, para mim, uma das maiores vantagens que o GPS tem.
Proporciona aos cientistas portugueses conhecer o trabalho de colegas nas mais diversas áreas e, junto com a geolocalização, é uma ferramenta de networking muito poderosa.
Vejo este ponto como muito importante, pois hoje em dia a ciência desenvolve-se a nível global, e, ter uma rede interdisciplinar a dar input de conhecimento, é a base para responder a problemas de magnitude crescente.

 

Clique aqui para consultar o perfil de Ana Teresa Gonçalves no GPS – Global Portuguese Scientists.

Autor: GPS/Fundação Francisco Manuel dos Santos
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

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