O Ferro é tão importante para a vida como o ADN

“A influência do elemento Ferro, agora, e mesmo antes de haver vida, é pelo menos tão importante como o ADN […]

“A influência do elemento Ferro, agora, e mesmo antes de haver vida, é pelo menos tão importante como o ADN na história da própria vida”. Quem o afirmou foi o químico inglês Robert Williams, num artigo publicado na revista Nature em 1990 (R.J. Williams, Biomineralization: iron and the origin of life, Nature, 343 (1990) 213–214).

De facto, o Ferro é elemento essencial para a produção de energia e bom estado de saúde, por exemplo, nos seres humanos. Todos sabemos que o Ferro presente na hemoglobina, existente nos glóbulos vermelhos, é essencial para o transporte de oxigénio a todas as células do nosso corpo.

A propósito, e numa outra perspetiva, diga-se que o uso do Ferro também influenciou a história da Humanidade.
Mas a importância do Ferro para a vida é muito anterior ao aparecimento desta no planeta Terra. Comecemos por identificar a origem dos átomos de Ferro no Universo.

A mais consensual teoria sobre a origem do Universo diz-nos que o Big Bang terá ocorrido há cerca de 13,8 mil milhões de anos.

Os primeiros elementos atómicos a serem formados, algumas centenas de milhares de anos depois, foram o Hidrogénio (maioritariamente), o Hélio e algum Lítio.

Muito depois, formaram-se as estrelas e a sua evolução levou à nucleossíntese de elementos mais pesados como o Carbono e o Oxigénio.

Estima-se que 200 milhões de anos depois do Big Bang, o Universo terá entrado na “Era do Ferro”: as estrelas, atingindo um determinado estado nas suas “vidas”, começam a produzir ferro.

Com o fim da vida destas estrelas, explodindo em supernovas, o Ferro, assim como muitos outros elementos, ter-se-ão espalhado pelo Universo em nebulosas. Algumas destas nebulosas terão dado origem a sistemas planetários.

Há cerca de 4,6 mil milhões de anos, ter-se-á formado o nosso Sistema Solar a partir de uma dessas nebulosas. E o Ferro terá sido fundamental para a formação planetária.

No caso que nos interessa agora, refira-se que o Ferro é o elemento mais abundante no planeta Terra: é elemento maioritário dos núcleos internos e externos do centro da Terra, e é o quarto elemento mais abundante da crosta terrestre.

As propriedades magnéticas do Ferro estão na origem do campo magnético terrestre. Este campo é fundamental para proteger a Terra das partículas energéticas presentes no vento solar, assim como de outras radiações que, caso chegassem à superfície do planeta o tornariam muito pouco adequado para hospedar a vida tal qual a conhecemos.

Podemos, assim e com alguma certeza, afirmar que sem a presença de Ferro não haveria vida na Terra.

Tanto quanto podemos saber hoje, as primeiras formas de vida na Terra, com vestígios fósseis conhecidos, já existiam há 3,6 mil milhões de anos.

Nesta altura, a atmosfera terrestre era praticamente desprovida de Oxigénio. Curiosamente, esta atmosfera pobre em Oxigénio, associada a temperaturas de cerca de 100 graus Celsius e uma pressão inferior à atual, poderá ter permitido, segundo alguns autores, determinados ciclos de reações químicas que produziriam energia utilizável para a síntese de substâncias hoje ditas orgânicas.

De acordo com o químico alemão Günter Wächtershäuser (1938 – ) e a sua teoria hipotética do “Mundo de Ferro-Enxofre” (G. Wächtershäuser, Evolution of the first metabolic cycles, PNAS, 87 (1990) 200–204), esta química à volta de pirites de ferro, num ambiente consistido por chaminés hidrotermais nos fundos marinhos, terá estado na origem da primeira química da vida.

Esta hipótese postula que uma primitiva forma de metabolismo antecedeu o aparecimento da genética na história da evolução das primeiras formas de vida unicelular.

Muito milhões de anos após, com o aumento de Oxigénio devido à atividade fotossintética de células conhecidas por cianobactérias, o Ferro, reagindo com o Oxigénio, tornou-se muito menos solúvel em água e óxidos de Ferro precipitaram-se nos fundos de lagos e mares.

Isto teve um impacto na evolução da vida e na geologia do planeta. Mas estes são aspectos a desenvolver numa próxima crónica.

 

Autor: António Piedade
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva.

Comentários

pub