A sério Sr. Ulrich, como é que aguenta?

Soube-se anteontem, 8 de fevereiro, que o Sr. Ulrich está de saída do lugar de presidente executivo do BPI, agora […]

Soube-se anteontem, 8 de fevereiro, que o Sr. Ulrich está de saída do lugar de presidente executivo do BPI, agora que o banco passa a ser totalmente controlado pelos espanhóis do CaixaBank.

Com certeza muita tinta correrá sobre as implicações que esta viragem histórica terá no mundo da banca, agora que o único banco que se mantém sob controlo nacional é, imagine-se só, a Caixa Geral de Depósitos, ou, traduzindo, o banco público.

Mas não é esse o mote desta crónica. A isso, se dedicarão os entendidos nos números e no dinheiro. Esta crónica é sobre um pequeno detalhe sem importância, que me chamou a atenção. A mim, que não tenho que trabalhar as mesmas horas que o Sr. Ulrich trabalha e por isso tenho tempo para me dedicar a pormenores sem importância.

Ontem ouvi com toda a atenção o Sr. Ulrich partilhar, na televisão, a notícia da sua saída do cargo, notícia que o Público mais ou menos resumiu desta forma: «Ulrich quer “continuar a trabalhar muito, mas com menos stress”». Mas o pequeno pormenor que me chamou a atenção não teve lugar de destaque na notícia do Público, com certeza devido a um momento de distração do/a jornalista.

Quando lhe perguntaram se teria saudades, Ulrich tranquilizou-nos a todos dizendo que não, “porque continuaria a trabalhar no BPI”, mas não disse só isso. A parte da declaração que é omitida na notícia do Público é que Ulrich não terá saudades porque continuará a trabalhar as mesmas horas que trabalhava até aí, esperando apenas um pouco menos stress, até porque terá 65 anos em breve. Estou a citar de cor e pode ser que haja aqui alguma imprecisão, mas pesquisem os noticiários, que, com certeza, encontrarão esta referência.

Que alívio! O homem não desiste e continua a aguentar. Aguentará as mesmas horas de trabalho que tem aguentado até aqui. Para além do óbvio alívio, fiquei a pensar exatamente no que o Sr. Ulrich nos estaria a querer dizer ao deixar escapar aquela frase. E esta curiosidade não me larga.

A sério que fiquei aliviada, porque às vezes é preciso agarrarmo-nos aos bons exemplos para continuar a acreditar. Se ele consegue, porque não hei-de eu conseguir? Fiquei com tanta pena de não ser jornalista numa daquelas conferências de imprensa para lhe fazer as dezenas de perguntas que me saltam à cabeça. A mim, que tenho tempo para me preocupar com pormenores sem importância.

À falta de melhor opção, aproveito este espaço para partilhar essas inquietações de quem tem tempo a perder e deixo aqui algumas das minhas dúvidas. Quem sabe se um dia, daqui a muitos anos, quando o Sr. Ulrich já for mesmo muito velhinho e trabalhar um pouco menos de horas, tenha tempo para as ler, e até me responda, ajudando-me a compreender:

Sr. Ulrich, pelo que sei tem 3 filhos e os filhos dão trabalho em todas as idades. Quando são pequenos, são as noites sem dormir, as doenças recorrentes típicas do crescimento e as consequentes idas ao médico e às urgências. Os dias a tomar conta até passar a febre ou passarem os vómitos e a diarreia. Depois vêm a escola e os trabalhos de casa, que nos obrigam a estar por perto e acompanhar o estudo e sabemos os dois que parece fácil, mas não é, sobretudo para quem trabalha muitas horas como o Sr. Ulrich.

Continuando, uma vez que em Portugal não há ensino artístico e quase nenhuma prática desportiva regular no ensino oficial público, é preciso ter tempo (e algum dinheiro claro, mas é melhor não ir por aí) para os levar e buscar às atividades extra-curriculares, ou ter avós que nos possam ajudar nestas tarefas. Felizmente, no meu caso há a ajuda preciosa de uma avó, sem a qual não sei o que faria. Mas não posso deixar de pensar como conseguiu, com três filhos e tanto trabalho, Sr. Ulrich?

É certo que eles acabam por crescer e ser mais autónomos, mas sabemos os dois que há sempre uma queda na escola ou uma entrada na adolescência mais atribulada que nunca nos deixam descansar por completo. Ainda assim, continuo com dúvidas sobre como consegue fazer tudo.

A casa por exemplo. Tempo para aspirar, limpar o pó, lavar e estender roupa, passar a ferro – tarefa que é tanto mais hercúlea quanto maior é a família – as idas ao supermercado, o tempo necessário para preparar as refeições, e os lanches das crianças se não os queremos a lanchar bolicaos e outras soluções rápidas. Nem quero imaginar como tem estado a sua casa todos estes anos, com tanto trabalho que o banco lhe deu e continuará a dar.

E mesmo que tenha conseguido superar tudo isso, com 65 anos como diz ter, é bem possível que já tenha netos. Como faz com eles? Com certeza, os seus filhos também trabalharão muito e é possível que precisem de si para apoiar nas atividades com os netos, ajudá-los nos trabalhos de casa (deve ser bom ter um avô que perceba tanto de números para ajudar na matemática), passear com eles enquanto os pais estão ocupados a trabalhar. Tudo isso ocupa tanto tempo.

Por último, para não ser muito maçadora, onde tem tempo para o amor e para os afetos? Eu sei que é um cliché, sobretudo agora que até temos um presidente que trouxe os afetos para o discurso público, e sei também que é um pormenor sem importância, principalmente para quem trabalha tanto e tem que se preocupar com coisas bem mais sérias, mas cuidar das pessoas à nossa volta também requer tempo e paciência. E ter paciência, por si só, também requer tempo, para desacelerarmos e desligarmos a ficha do mundo lá fora. Como é que consegue fazer, se continua a trabalhar as mesmas horas – e imagino que são muitas – e o seu trabalho é tão importante?

São dúvidas honestas de quem diariamente sente que está sempre aquém daquilo que são as suas obrigações, porque não consegue, nas 24 horas do dia, dedicar o tempo suficiente a tudo, trabalho, filhos, restante família e amigos…

A sério, Sr. Ulrich, como é que aguenta?

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