Nós e os jornalistas

Terminou este domingo o 4º Congresso dos Jornalistas Portugueses, que se realizou entre 12 e 15 de Janeiro. Estas quatro […]

Terminou este domingo o 4º Congresso dos Jornalistas Portugueses, que se realizou entre 12 e 15 de Janeiro.

Estas quatro edições não são resultado de uma recente mobilização destes profissionais enquanto classe, mas antes o regresso a uma prática de discussão interna que teve um interregno de 19 anos. 19 anos em que tudo mudou na forma como se produz, difunde e consome informação.

Não é de hoje que os sinais de alerta se multiplicam sobre os perigos que ameaçam a classe. Há anos que se ouve falar do perigo da concentração, em dois ou três grupos económicos, da grande maioria dos órgãos de comunicação social. Fenómeno que não é exclusivo de Portugal e que, à escala internacional, é ainda mais acentuado.

O resultado é o mesmo que podemos observar em tantas outras áreas de atividade económica de escala global. A pressão sobre as condições de trabalho para que os custos sejam cada vez menores, para ter cada vez mais consumidores, deixando para segundo plano a qualidade do que se lhes oferece, e a crescente concentração do retorno das atividades (em forma de lucro, ou de influência) em cada vez menos mãos, que concentram cada vez mais poder.

É preocupante que os jornalistas tenham esperado 19 anos para sentir a necessidade de se juntarem e debater a conjuntura em que trabalham, mas nunca é tarde para agir.

Para os que consomem informação, daquela que pretende informar e não entreter, este reencontro dos jornalistas é um sinal de esperança numa mudança que sabemos necessária.

Se resolve todos os problemas? Claro que não, mas é um passo na direção certa.

E não deixa de ser curioso o congresso ocorrer dias depois da primeira conferência de imprensa de Donald Trump após a sua eleição, onde o mundo teve a oportunidade de ver a atividade de jornalista bater no fundo.

Claro que Trump rouba sempre a cena de cada vez que aparece (pelos piores motivos, normalmente), e se é certo que o que ficou dessa conferência de imprensa foi a falta de educação, a sobranceria, o autoritarismo e a arrogância, para além da já habitual limitação de vocabulário daquele que dentro de dias assumirá o cargo de presidente dos Estados Unidos, analisando o episódio com mais atenção, quem esteve realmente mal naquela conferência de imprensa não foi Donald Trump. Foram os jornalistas que, no primeiro momento em que ele manda calar um colega, não se levantam e abandonam a sala.

Ou, assumindo que ainda querem dar uma oportunidade ao futuro presidente, não se calaram todos e se recusaram fazer qualquer outra pergunta, até Trump responder ao colega que havia mandado calar.

Ao invés, o que vimos foi aquilo ser integrado por todos como normal e cada um continuar a gritar mais alto do que o colega do lado para ver se era a si que cabia a honra da pergunta respondida. Um triste espetáculo, e não foi Trump que o deu desta vez, embora tenha sido ele a criar as condições para que ocorresse.

Na realidade, a primeira conferência de imprensa de Trump, pós eleições, marca, simbolicamente, os desafios que jornalistas em particular, e cidadãos em geral, vão ter pela frente nos anos duros que se aproximam: por mais arrogante, manipulador e opressivo que seja o poder, há sempre, do outro lado, alternativas a seguir.

É essa escolha que determinará que jornalismo, cidades e mundo vamos ter daqui para a frente, sendo certo que uma opção ou outra será tudo menos um caminho fácil.

 

Autora: Anabela Afonso é licenciada em Relações Internacionais e mestre em Comunicação, Cultura e Artes, variante Teatro

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