Musicália: Noiserv pôs a máquina a zeros e vai a Santo Estêvão mostrar novo trabalho

Noiserv, o alter ego para David Santos, está de regresso à Casa do Povo de Santo Estevão, no concelho de […]

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Foto: Vera Marmelo

Noiserv, o alter ego para David Santos, está de regresso à Casa do Povo de Santo Estevão, no concelho de Tavira, para mais um concerto do ciclo Outonalidades. O espetáculo está marcado para hoje, sábado, às 22h00, e Noiserv promete «mostrar algumas músicas novas» do seu novo trabalho “00:00:00:00”, mas vai «juntá-las com algumas antigas».

Três anos depois, David Santos colocou de lado os mil e um instrumentos que o acompanhavam e, com o novo trabalho, traz-nos a banda sonora de um filme ainda por realizar – já que o time code de uma nova película começa sempre aos 00:00:00:00.

«Esta seria a leitura mais direta ou mais simples do título, a partir daí há toda uma série de leituras que se pode fazer, precisamente desta ideia que o zero pode ser o princípio de alguma coisa», esclarece David Santos ao Sul Informação.

«Pode ser um princípio porque estas músicas são um bocadinho diferentes das anteriores, porque qualquer coisa pode mudar quando as estás a ouvir», acrescenta.

CapaNeste, que é já o terceiro longa duração do músico lisboeta, é notória a redução do número de contribuições sonoras. O multi-instrumentista David Santos, baseou o novo disco numa composição ao piano, que dá a ideia de um trabalho que também parte do zero. «É quase como se tivesse começado do princípio. Não do princípio porque acho que, não a temática, mas aquilo que emocionalmente a música me transmite, acaba por não fugir muito das outras, mas foi um desafio diferente, pegar apenas num instrumento e não nos 50 ou 60 que alguma músicas tinham», explica.

O acaso, toma, por vezes, uma dimensão que não seria de prever. Um jogo de basquetebol, num tempo invernoso, resulta numa paragem para recuperação de um pé partido. Poderia ser de descanso ou de um recuperar de episódios de séries perdidas, mas a mente criativa e o piano à mão ditaram o caminho da criação: «tive um tempo livre que não tinha já há uma série de tempo. No meu caso, eu não sabia à partida o que é o que o disco ia ser, mas é verdade é que aqueles vinte, vinte e poucos dias, me ajudaram a perceber que um disco em piano era algo que eu gostava e que faria sentido. Portanto de uma coisa menos boa acho que tomei algumas decisões para o futuro», conta David Santos.

Não sabemos se a composição em português é uma das suas resoluções (já se tinha aventurado no filme José e Pilar com Palco do Tempo), mas “00:00:00:00”, sendo maioritariamente instrumental, traz, curiosamente, três temas na língua lusa. Não tendo sido uma ideia pré-concebida, David Santos diz que se deixou levar pela musicalidade da língua de Camões que se ia, naturalmente, sobrepondo à melodia do piano. «De repente o espaço que o piano deixava para entrar uma voz, parecia que era mais bem preenchido com voz em português do que voz em inglês. Talvez porque a voz em inglês pareça um bocadinho mais martelada e, em português, consiga ser mais melodiosa, não sei». Se a música é também sensação, a sensibilidade do músico foi ditando o caminho «música após música, rascunho após rascunho, comecei a perceber que neste disco as músicas que fossem cantadas teriam de ser em português», explica o artista.

A mudança da composição do inglês para o português revela-se, para muitos músicos, um enorme desafio refletido numa necessidade de maior atenção às palavras. David Santos considera que «claramente parece que estás a falar mais diretamente com as pessoas por ser em português, não porque não percebam o inglês, mas parece que há uma coisa interna, que parece que estás a cantar mais ao ouvido das pessoas». Acabou por não ser uma preocupação acrescida para o músico que revela que «já a tinha também no outro disco», referindo-se a AVO – Almost Visible Orchestra, de 2013.

Olhando para os dois últimos trabalhos, salta à vista a desconstrução da complexidade gráfica, se AVO trazia uma representação gráfica do músico num puzzle a ser construído pelo ouvinte, “00:00:00:00” marca pela simplicidade de um CD que mais parece copiado e gravado por um amigo.

Noiserv«Cedo percebi que, se o filme não existe, como é que vai haver um suporte físico que supostamente é como se não existisse? E a melhor coisa que existe, não existindo, será a transparência, que é uma coisa que está lá, mas que tu consegues ver através dela», considera David Santos.

Estabelecida a base para o grafismo – ausência de imagem e de cor – para que não condicionasse «esse tal filme que um dia poderia vir a aparecer», havia o desafio de perceber como a transparência poderia deixar passar as letras e os créditos que quem participou no trabalho. «Embora pareça que, se calhar, este é mais simples, a forma de o fazer pode ser até mais complexa ou mais difícil chegar a um resultado que me satisfizesse», revela o artista.

O primeiro vídeo lançado, no final de Agosto, para a música “Sete”, é a demonstração de como uma melodia tem a capacidade dar vida aos inúmeros pormenores de uma maquete inerte. «A música que era a banda sonora de uma vida qualquer, poderia ser a banda sonora da vida daquelas personagens, daqueles bonequinhos», explica.

Já o vídeo do segundo single, “Vinte e três”, traz-nos a profunda simplicidade (ou não) do olho de David Santos.

O som presente neste último trabalho é também reflexo daquilo que Noiserv tem feito nos últimos três anos. O músico andou envolvido em composição de peças de teatro, cinema e dança. Assinou também um contrato com a editora francesa “naive“, com o lançamentos dos dois últimos trabalhos na Europa, o que já lhe valeu cerca de trinta concertos, em França e na Alemanha, num balanço que considera positivo, e com regresso marcado já para meio de Novembro. «Todos os concertos têm gerado outros concertos e uma rede de pessoas. Vou sentido que, de um concerto para outro, não é que sejam as mesmas pessoas, mas há pessoas que já ouviram falar, num país que não é o meu», explica Noiserv.

“00:00:00:00” foi lançado a 28 de Outubro e têm apresentação oficial no Teatro S. Luís, em Lisboa. No entanto, este sábado, quem for à Casa do Povo de Santo Estêvão, terá oportunidade de ouvir um concerto que será diferente do que já apresentou na mesma sala «porque há músicas novas para apresentar». Mas, diz David Santos, «embora o disco seja diferente, a pessoa é a mesma» e remata, em jeito de convite, que «há uma linha transversal a todas as músicas e o concerto será isso: mostrar algumas dessas músicas novas, juntá-las com umas antigas, e esperar que isso faça sentido às pessoas, como faz para mim».

 

Pode ver e ouvir “Sete”:

 

Ouça aqui a entrevista com Noiserv:

“Musicália” é uma rubrica, assinada por Pedro Miguel Duarte, que pretende dar a conhecer aos leitores do Sul Informação o que se anda a fazer no mundo da música portuguesa.

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