Para «não passar o Verão sem fazer nada», estes jovens protegem florestas dos incêndios

São jovens, têm entre 10 e 15 anos, e decidiram passar uma semana das suas férias de Verão a vigiar […]

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São jovens, têm entre 10 e 15 anos, e decidiram passar uma semana das suas férias de Verão a vigiar as florestas do interior do concelho de Loulé, para as proteger dos incêndios. Ivo, Alda, Ema, Miguel, Carolina e Guilherme pertencem à Brigada 8 e são contra «passar o Verão sem fazer nada».

Cerro da Picavessa. Tôr. «Daqui Brigada 8. Comunico à base início de percurso».

É ao som das palavras do guia Ricardo Guerreiro que o dia começa. Rapidamente, os seis jovens começam a galgar terreno, serra acima. Todos vestem camisolas iguais, de um lilás claro, que os identifica: pertencem à Vigilância Florestal Jovem. Cúmplices, vão falando da escola, das mais recentes novidades musicais, mas também de natureza.

Longe das serras, no escritório, mas com um trabalho fulcral para a Vigilância Florestal Jovem, Teresa Laginha é a responsável pela iniciativa. Com o uniforme da Proteção Civil vestido, conta como surgiu esta ideia. «Estas Vigilâncias Florestais Jovens nasceram da necessidade de fomentar nas camadas mais jovens uma preocupação pelas florestas e pelo interior do concelho de Loulé, aliando isto ao passeio pedestre».

O grande objetivo destas vigilâncias é «ver nada». Ou seja: não encontrar nenhum indício de incêndio. Mas se houver sinais de incêndio, explica Teresa, o alerta é logo dado ao Centro Coordenador Operacional de Socorro, o CDOS, já que as Brigadas estão sempre em contacto com as autoridades.

Há nove anos no terreno, esta iniciativa já tem trazido melhorias na prevenção entre as populações. «Pelo menos, pelos sítios por onde passamos, sentimos que as pessoas têm adotado um comportamento mais defensivo e preventivo», conclui, orgulhosa, Teresa Laginha.

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De volta ao “teatro de operações”

Depois do tiro de partida do guia Ricardo e subidos algumas íngremes centenas de metros começam surgir os primeiros sinais de cansaço dos jovens vigilantes. Para a manhã de percurso, estão previstas cerca de 2 horas de caminhada.

À sombra de uma das muitas árvores do cerro da Picavessa, é feita uma pausa para beber água. No céu, surge um helicóptero que merece logo comentário: «Eu cá por mim comprava um», diz Ivo, de cara suada. O riso é geral.

Ema foi uma das que soltou a maior gargalhada. Este é o terceiro ano que faz parte destas Brigadas. «A primeira vez que me inscrevi, fi-lo devido ao convívio e por ser uma boa causa», confessa a jovem de 14 anos. Desde então, nunca falhou um ano e até já convenceu amigos (e não só) a fazerem a semana de Vigilância Florestal que cada Brigada tem.

Com efeito, desta Brigada, apenas Miguel não tem nenhuma ligação com Ema. Ivo, Alda, Carolina são amigos e «vieram porque os convidei e o Guilherme é meu irmão», conta. Nestes três anos, nunca viu nenhum incêndio. «E ainda bem!», diz. Mas já aprendeu algo que considera muito importante: «a Proteção Civil somos todos nós. Não é só proteger os civis».

Já Ivo confessa «adorar tudo o que envolve a natureza». Durante o percurso, que entretanto foi retomado, vai indicando caraterísticas de algumas espécies que se podem encontrar no cerro da Picavessa, como o abutre ou a raposa. «Apesar de, ao final do dia, me sentir cansado, compensa sempre. Gosto muito mais de fazer esta semana de Brigada do que estar em casa sem fazer nada», diz.

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Entre morcegos, um achado único

Do alto do Cerro da Picavessa, a paisagem é ampla: ao fundo vê-se a Quinta da Ombria, resort turístico de topo. Um pouco mais ao lado, está a Fonte da Abelheira, um local onde é possível partilhar o espaço com abelhas sem correr o risco de ser picado. Mais abaixo está a aldeia da Tôr, da qual se vê a torre sineira da Igreja.

Ainda assim, o grande achado naquele ponto está mesmo ali ao virar da esquina, no meio de muitas silvas e pedras. Numa das primeiras brigadas que guiou, Ricardo Guerreiro decidiu explorar a zona… e encontrou uma gruta. «Pouca gente sabe da existência disto. Nem mesmo nos mapas das autoridades esta gruta está referenciada», diz.

Ao entrar, o espanto é geral. «É tão giro!», ouve-se. Na gruta, há morcegos que se tornam o atrativo principal dos jovens vigilantes. Miguel é um dos mais eufóricos.

Com 10 anos, este jovem vigilante conheceu a Vigilância Florestal Jovem através dos escuteiros, de que faz parte. «Mal soube, quis logo vir. Gosto muito de passear», diz, entre sorrisos. A paixão que assume ter pela natureza é genética: «o meu pai pertence à Associação Almargem e já conheço todos estes caminhos. Acompanho-o sempre nas caminhadas dele», explica.

Tal como Ema, Miguel já quis convencer amigos a fazer a semana de vigilância que cada Brigada tem, mas a resposta foi sempre igual: «não querem vir porque acham que é muito cansativo», diz. Apesar da tenra idade, Miguel tem uma certeza: a profissão que quer seguir vai estar relacionada com a natureza. «Quero ser oceanógrafo!», confessa convictamente.

 

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Desde sempre, o timoneiro

Ricardo Guerreiro é há nove anos o guia das Vigilâncias Florestais Jovens. De segunda a sexta, de Julho a Agosto, é por entre as serras do concelho de Loulé que passa os dias. «Isto é a minha grande paixão. Não é qualquer um que se sacrifica a andar quase 10 quilómetros diários se não gostar verdadeiramente», diz. E acrescenta: «Repetir os percursos todas as semanas com Brigadas diferentes, para mim, não é problema».

Ora à frente, ora na retaguarda dos jovens vigilantes, Ricardo nunca deixa de estar atento aos seus pupilos. O fim do percurso para a parte da manhã, avisa, está perto.

Ao longo dos anos, o guia foi recolhendo histórias daqueles caminhos. «Havia pessoas que vinham para aqui, para o Cerro da Picavessa, roubar alfarroba. Cheguei a apanhá-los em flagrante. Desde que se começaram a aperceber de que passávamos aqui, deixaram de vir roubar», conta, entre risos.

Quase a comemorar uma década de existência, a Vigilância Florestal Jovem, promovidas pelos Serviços de Proteção Civil da Câmara de Loulé, tem sido « um sucesso», diz Ricardo Guerreiro. «Temos sempre as semanas cheias. Em dois dias, três no máximo, todas as Brigadas ficam preenchidas. Se tivéssemos mais dias e mais vagas, mais rapidamente encheriam», confessa.

 

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De um cerro a outro: o fim do percurso

É debaixo de um calor abrasador que a parte da manhã do percurso dos jovens vigilantes termina. Se o início tinha sido no Cerro da Picavessa, o fim é noutro Cerro, o das Covas. Os rostos denotam cansaço, mas a energia não termina.

Do Cerro das Covas até à Igreja da Tôr, a distância é curta e é até lá que os jovens vigilantes vão caminhando para descansar antes do almoço, que será servido num lar da aldeia da Tôr. Ao chegar, apressam-se a tirar as águas das mochilas.

Sentado junto aos jovens vigilantes, Ricardo olha com ternura para todos. «Durante a semana que cada Brigada tem, tento, sempre, ser um deles. Não posso estar aqui sem ter uma atitude de me colocar no papel deles», diz.

Emocionado e de sorriso na cara, conclui: «estes miúdos marcam-me de uma maneira impressionante».

 

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