Incêndios de Monchique: o “filme” dos acontecimentos

Às 14h33 de sábado, dia 3 de Setembro, começou o primeiro fogo, na zona de Alte, concelho de Loulé. Depois, […]

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Bombeiros no Incêndio em Monchique – foto: Nelson Inácio

Às 14h33 de sábado, dia 3 de Setembro, começou o primeiro fogo, na zona de Alte, concelho de Loulé. Depois, seguiram-se mais «três ocorrências na linha entre Silves, Portimão e Monchique». Na realidade, além destas quatro ignições mais significativas, na tarde de sábado «houve muitas mais, algumas delas resolvidas logo por populares», outras que exigiram a intervenção das equipas de sapadores e dos bombeiros.

O incêndio mais difícil de debelar acabou por ser o que começou na encosta norte da Serra de Monchique, abaixo da Fóia, e que passou para a encosta sul, chegando a fazer temer que só parasse no mar.

No total, arderam 403 hectares em 26 horas, dos quais 381 na zona da Fóia e 22 na de Porto de Lagos/Odelouca.

Esta foi, em resumo, a situação que se viveu no passado fim de semana, segundo o ponto de situação operacional do Dispositivo Especial de Combate a. Incêndios Florestais (DECIF) feito, esta manhã, na reunião semanal do CDOS que teve lugar na Fóia (Monchique).

Richard Marques, comandante dos Bombeiros Voluntários de Portimão e que foi também o comandante operacional neste teatro de operações da serra de Monchique, recordou que o primeiro foco de incêndio surgiu às 14h33, perto de Alte, para onde foram de imediato enviados 64 operacionais, 17 meios e dois helicópteros de ataque inicial.

O chefe da Brigada de Heli reportou, às 14h54, que «o incêndio já tem alguma dimensão e encontra-se num vale encaixado». Graças à pronta intervenção, este fogo foi dado como dominado às 15h16.

Às 16h27, começou o fogo na zona de Porto de Lagos e de Odelouca, que chegou a ter três frentes separadas. Às 16h35, quando os primeiros meios chegaram ao local, foi comunicado que o fogo tinha «duas frentes ativas a lavrar com intensidade em direção ao Aterro Sanitário e outra (que dista 600 metros) a lavrar em direção a Odelouca».

Para aqui foram enviados 138 operacionais, 48 meios técnicos e um helicóptero, meios mais tarde reforçados. O fogo foi declarado dominado às 21h08.

 

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Avião médio a operar no incêndio de Monchique – foto: Nelson Inácio

 

Mas entretanto, às 16h42, já tinha começado outro fogo, a curta distância, nas Caldas de Monchique. Este foco foi detetado pelo chefe da Brigada do Barlavento ao deslocar-se para o incêndio do Porto de Lagos, que comunicou uma situação de «acessos difíceis» e pediu o envio de «mais meios». Este fogo acabou por ser dominado às 17h50.

Na zona da Fóia, o fogo começou às 17h08 de sábado e só foi dominado no dia seguinte, pelas 19h40. Foram cerca de 26 horas a consumir uma vasta zona onde predomina o eucalipto, com mato, zonas incultas e muitas casas dispersas pelo meio.

Começou com dois focos junto à estação de radar da Fóia e outro junto à barragem. Foi aqui que um incendiário foi detido em flagrante, quando deitava fogo a um montinho de estevas. Foi apanhado por dois agentes da GNR, um casal que estava de folga e que reparou nas movimentações estranhas do homem.

Se o incendiário não tem sido apanhado ali, quem sabe quantos outros incêndios ele teria ainda ateado pela serra fora. É que as autoridades estão convencidas que toda esta sequência de fogos, desde Alte à Fóia, foi causada pelo mesmo indivíduo, um homem de 49 anos, casado, pai de um filho, barman de profissão, morador em Loulé, que alegou problemas psiquiátricos quando foi ouvido em tribunal na segunda-feira, e que ficou em prisão preventiva. O suspeito terá alegado, durante o interrogatório judicial no Tribunal de Portimão, não se lembrar de ter ateado mais nenhum fogo senão o da Fóia, pelo qual foi apanhado, mas o modus operandi usado nos restantes focos era semelhante.

Durante a madrugada de domingo, apesar de o incêndio da Fóia ser já dado como dominado, «houve projeções, houve mais problemas», um ao início da madrugada, outro às 4h00 da manhã, admitiu ainda o comandante Richard Marques, durante o resumo que apresentou.

Este incêndio, que acabou por consumir 381 hectares, foi o que mais preocupou o comando operacional, tendo sido utilizados, para o combater, segundo revelou Richard Marques, 626 operacionais (no pico estiveram no terreno 411), 200 meios técnicos e nove aeronaves, das quais dois aviões bombardeiros médios e três aviões bombardeiros pesados.

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O comandante Richard Marques durante o briefing semanal do CDOS, na Fóia (Monchique) – foto: Elisabete Rodrigues

Aquele responsável salientou também a importância da intervenção das máquinas de rasto, na sua maioria propriedade das Câmaras Municipais mas também cedidas por privados, e que se revelaram fundamentais para abrir acessos para que os meios dos bombeiros pudessem passar ou para travar a progressão das chamas em algumas zona. Em encostas com muitas pedras soltas e grandes declives, os operadores dessas máquinas viveram situações de «muito perigo».

Os meios humanos dos bombeiros do Algarve foram ainda reforçados por grupos vindos de Beja, Évora, Lisboa e Sul (Setúbal) e por cinco pelotões militares, que ainda estão na serra, a participar nas operações de rescaldo e consolidação, que hoje deverão ficar concluídas.

Aquele responsável salientou que «a operação está ainda em curso, em fase de vigilância».

E recordou que, em toda a sua vida de bombeiro nunca tinha assistido a uma situação em que, em vez de diminuir durante a noite, a temperatura até tivesse aumentado, enquanto a humidade do ar se mantinha muito baixa.

«Esperávamos, durante o período noturno, poder ter um aumento da humidade do ar, mas isso não veio a acontecer, a humidade estava em 15%, enquanto tínhamos a mesma temperatura do ar que às 15h00». Por outro lado, recordou Richard Marques, «apesar de o vento ser fraco, as brisas de montanha foram empurrando o incêndio. Tínhamos a mesma carga térmica de madrugada que se sente às 3 da tarde».

O objetivo da estratégia traçada pelo comando operacional foi impedir que o fogo «passasse para Oeste da estrada das eólicas e para sul da estrada Casais/Marmelete». Se tal tivesse acontecido, garantiu o comandante Abel Gomes, também presente no briefing, «só parava em Aljezur ou no mar, porque daqui até lá são quilómetros e quilómetros de povoamentos florestais contínuos». E, de facto, «o incêndio foi agarrado junta à estrada Casais/Marmelete».

A prioridade, recordou Richard Marques, foi «a salvaguarda das pessoas e a proteção das habitações». Houve duas situações em que, «por medida preventiva» duas pessoas foram retiradas das suas casas, uma com mobilidade reduzida e outra acamada, deslocadas para casa de familiares.

 

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Casa no Barranco do Silvestre – uma das muitas que esteve rodeada de chamas, mas foi protegida pelos bombeiros – Foto: Elisabete Rodrigues

 

Como se pode ver na zona da Fonte das Bicas ou no Barranco do Silvestre, onde há casas dispersas, na sua maioria propriedade de residentes estrangeiros, o fogo consumiu tudo à volta das habitações, às vezes chegando a afetar os jardins.

O cenário é agora de um imenso mar de cinzas e troncos negros, com casas brancas e piscinas azuis a reluzir lá no meio. Mas, para um incêndio que se chegou a recear que ficasse descontrolado, o resultado final poderia ter sido, afinal, bem pior…

Vaz Pinto, comandante operacional distrital do Algarve, que presidiu à reunião, resumiu que se tratou de uma operação numa «área de elevado perigo, com muitas habitações dispersas, com acessos muito difíceis, até para as máquinas de rastos».

«Ainda bem que o incêndio foi contido tão rapidamente», disse, para admitir de seguida que «eu própria tive dúvidas de que o conseguíssemos».

Farto de ver estes incêndios acontecer e destruir em horas o trabalho de uma vida, Rui André, presidente da Câmara de Monchique anunciou que está a ser preparado um Plano Florestal Municipal, «com normas e regras claras».

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Tudo reduzido a cinzas na Fonte da Bica, na encosta sul da Serra de Monchique – foto: Elisabete Rodrigues

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